Flavia Galembeck

Nunca as empresas brasileiras deveram tanto no exterior. Mas o temor do calote, que derruba os preços dos títulos, pode trazer uma boa oportunidade para os devedores

Um dos processos interrompidos pelo pedido de recuperação judicial da Oi, anunciado no dia 20 de junho, foi a reestruturação de suas dívidas. Gestores de fundos americanos como Pimco, BlackRock e Citadel, entre outros, tinham US$ 14 bilhões a receber e, em abril, a operadora havia contratado a consultoria americana Moelis & Co. para negociar condições e prazos de pagamento. O caso da Oi está longe de ser o único. Nunca, desde a crise da dívida externa dos anos 1980, o Brasil ofereceu tanto risco para seus credores. A diferença é que, agora, a inadimplência deverá vir das empresas privadas.

O calote bateu recorde em 2015: dez empresas brasileiras ficaram inadimplentes, exemplo da Odebrecht Óleo e Gás (OOG). Em dezembro, a Petrobras rescindiu contratos de operação de uma sonda, o que comprometeu o caixa destinado a pagar juros. A OOG havia emitido bônus garantidos pela receita das sondas, com juros de até 6,75% ao ano, e notas perpétuas, não garantidas, com juros anuais de 7% - e não conseguiu pagar. Em nota, a OOG informou que está pagando os juros dos bônus garantidos. "No que tange aos bônus perpétuos, a empresa decidiu não quitar uma parcela de juros, no valor de US$ 9,6 milhões, em abril, para preservar sua liquidez e continuar operando normalmente."

Os setores com problemas variaram do agronegócio – nomes como Arcalco, Ceagro, Usina São João e o grupo Virgolino de Oliveira, além da Tonon Bioenergia (que faliu). Passaram pela Cimentos Tupy, e chegaram a construtoras enroladas na Lava Jato como a Schahin (que entrou em recuperação judicial), Galvão Engenharia e OAS. Todas essas empresas deixaram, discretamente, de honrar seus compromissos internacionais. De acordo com a consultoria de informações financeiras Gimme Credit, 15% dos 779 bônus de empresas não financeiras de mercados emergentes, brasileiras incluídas, estavam inadimplentes em abril.

Mais casos como esse podem ocorrer, pois as companhias brasileiras nunca deveram tanto no exterior. Segundo o Banco Central (BC) a dívida externa privada quase dobrou entre 2009 e 2015. Ela foi de US$ 113 bilhões para US$ 207 bilhões. Nesse período, a dívida externa pública cresceu apenas 37%, passando de US$ 95 bilhões para US$ 130 bilhões. Se incluirmos na fatura os compromissos de subsidiárias internacionais, o total a pagar cresce para US$ 270 bilhões.

Essa montanha de dívida foi construída nos últimos sete anos. A conquista do grau de investimento pela República em 2008 permitiu captar como nunca antes na história deste país. Obter crédito barato e longo é essencial para qualquer empresa. O problema foi que esse movimento bateu de frente com a crise. Nos últimos meses, a perda do grau de investimento e a perspectiva de alta dos juros nos Estados Unidos mudaram o cenário e as empresas agora têm de pagar mais caro pelo dinheiro.

Um bom exemplo é o da Marfrig. No início de maio, o frigorífico captou US$ 750 milhões em um bônus de sete anos de prazo para rolar suas dividas. Os juros pagos no lançamento, conhecidos pelo nome técnico de cupom, foram de 8,25% ao ano em dólares. Para comparar, na emissão anterior, de junho de 2014, a Marfrig havia pago 6,875% ao ano, quase 1,5 ponto percentual a menos. Em geral, o dinheiro tem custado mais de 8% ao ano. Ainda em maio, a Petrobras captou US$ 6,75 bilhões com dois tipos de bônus. O mais curto, vencendo em 2021, levantou US$ 5 bilhões pagando 8,625% ao ano. O mais longo, para 2026, captou US$ 1,75 bilhão e paga 9% ao ano.

Esse aumento de custos veio em um momento delicado. Quando o mercado se abriu, em 2011, muitas empresas captaram recursos lançando papéis de cinco anos. O resultado é que muitos vencimentos deverão ocorrer nos próximos meses. Segundo informações da Bloomberg, as companhias brasileiras têm cerca de US$ 16 bilhões em dívidas vencendo em 2017. Vai custar caro rolar essa dívida. "O baixo dinamismo na economia brasileira reduziu as margens de lucro das empresas e elas estão com dificuldades para pagar", diz Eduardo Coutinho, coordenador do curso de Administração do Ibmec/MG. "Deverá haver muita renegociação de agora em diante."

O processo já começou. Renato Maggio, do escritório Machado Meyer Sendacz Opice Advogados, diz que nunca houve tanta demanda por reestruturações de passivo. O próprio Machado Meyer contratou cinco advogados desde o começo do ano só para fazer isso. Uma das novas estratégias é a recuperação extrajudicial. Diferente da recuperação judicial, que substituiu a antiga concordata, a extrajudicial permite renegociar um compromisso financeiro sem a intervenção de um juiz. Basta que 60% dos credores de um mesmo tipo de dívida aceitem novos termos, e as condições passam a valer para todos os outros credores. A Justiça apenas homologa o acordo. Isso vale apenas para a dívida negociada e não inclui outros passivos, como o fiscal e ou trabalhista. O precedente, diz Maggio, foi aberto na negociação da Lupatech, prestadora de serviços para o setor de óleo e gás, que não conseguiu pagar os detentores de seus bônus. "A medida foi aceita até nos Estados Unidos, onde nenhum credor questionou a determinação da Justiça brasileira. Depois, a Lupatech pediu recuperação judicial e isso se perdeu."

Acostumados a esses processos, os credores internacionais têm participado ativamente. “Eles se reúnem e apresentam propostas em grupo, o que garante mais peso na negociação e mais agilidade para fechar acordos", diz Renata Oliveira, também do Machado Meyer. "Os gringos não se acanham em propor assumir o controle das companhias." Uma proposta desse tipo repousou sobre a mesa de negociação da Oi com seus credores, mas não foi aceita pelos sócios portugueses.

Nem todos os casos, porém, acabaram de maneira trágica. Em maio deste ano, depois de não conseguir honrar sua dívida, a Usina São João, presidida por Hermínio Ometto, renegociou os termos e obteve a concordância de 89,2% de adesão dos credores. Ela trocou US$ 275 milhões em bônus que venciam em 2019 por papéis mais longos, com prazo até 2021. Além de aumentar os juros, que subiram de cerca de 10% para 12% ao ano, a São João ofereceu mais ativos em garantia. Além da fábrica, os credores agora têm direitos sobre as terras e o processamento da cana de açúcar. "A negociação afastou a necessidade de um pedido de recuperação judicial", informou a companhia em nota.

O cenário para este ano não é muito animador. De acordo com o relatório "Estabilidade Financeira Global", do Fundo Monetário Internacional, 50% da dívida corporativa do Brasil estaria sob risco caso ocorresse uma séria turbulência externa como, por exemplo, a alta de juros nos países desenvolvidos. Nesse cenário, afirma o documento, seria muito difícil refinanciar a dívida. Por enquanto, a palavra de ordem é renegociar antes do calote

(IstoÉ Dinheiro - 01.07.2016)

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