Por Sólon Cunha, Carolina Davies, Kathleen Healy e Sam Barnes Para que seja possível a realização de um grande evento desportivo de escala internacional, em um país que fora escolhido para sediar este evento, é preciso garantir que as pessoas corretas estarão desempenhando adequadamente as funções que lhes foram atribuídas. Eventos como os Jogos Olímpicos, Jogos Paraolímpicos e a Copa do Mundo da FIFA possuem um grande número de trabalhadores envolvidos. Isto incluirá, não somente as pessoas que participam dos comitês organizadores do evento, mas, também, aquelas que trabalham nas indústrias e que servem de apoio e infraestrutura ao evento, tais como: trabalhadores em transportes públicos e policiais. Por isso, é muito importante que as greves ou riscos de conflitos nos locais de trabalho, que possam impedir o bom andamento do evento, sejam efetivamente minimizados. Um passo fundamental realizado pelo Comitê Organizador de Londres (LOCOG - London Organising Comittee of the Olympic Games and Paralympic Games) para lidar com este problema potencial, foi colocar em prática um rápido e inovador procedimento, denominado fast track, utilizado para a resolução de litígios trabalhistas durante a realização dos Jogos de 2012. Este procedimento visa assegurar uma rápida resolução de quaisquer disputas empregatícias de maneira que os Jogos não sejam interrompidos. Entretanto, este procedimento abrange apenas os próprios empregados do LOCOG, não abordando as questões de emprego no setor industrial, que, naturalmente, estão fora do controle do LOCOG. Neste artigo, iremos destacar as medidas que foram colocadas em prática para lidar com as potenciais questões empregatícias durante os Jogos de 2012. Iremos considerar, também, a possibilidade do Brasil aprender com as experiências passadas pelo LOCOG, além de abordar sobre o conteúdo das medidas que deverão ser tomadas na Copa do Mundo da FIFA 2014 no Brasil e nos Jogos Olímpicos Rio 2016. ACAS no Reino Unido ACAS (Advisory, Conciliation and Arbitration Service), sigla utilizada para representar Assessoria, Conciliação e Serviço de Arbitragem, é um organismo independente financiado pelo governo do Reino Unido. ACAS, além de oferecer serviços de mediação e conciliação, é um plano de arbitragem para resolução de conflitos entre empregado e empregador que serve de alternativa para as audiências realizadas no tribunal do trabalho. ACAS tem sido, por muitos anos, uma característica no âmbito do Direito do Reino Unido, envolvendo e solucionando, tanto questões individuais, quanto coletivas. ACAS publicou o Código de Boas Práticas, Procedimentos Disciplinares e Queixas que estabelece os princípios para lidar com situações disciplinares e reclamações sobre o local de trabalho. Este Código possui força legal no Reino Unido e os tribunais trabalhistas estão levando em consideração se este código tem sido seguido nas decisões dos casos. O não cumprimento com o previsto no código poderá fazer com que a Justiça Trabalhista aumente ou reduza em 25% qualquer prêmio financeiro que faça. Papel de Londres para ACAS Em fevereiro de 2011, LOCOG, ACAS e o Trade Union Congress (órgão que representa os sindicatos do Reino Unido) acordaram o chamado ′Games - Time Grievance Resolution Protocol for LOCOG Workforce Members and Contractors′, ou seja, Protocolo para Resolução de Queixas dos Membros da Força de Trabalho e Empreiteiros do LOCOG em Tempos de Jogos (clique aqui para ler, em inglês). Este Protocolo é um acordo especial sobre os procedimentos de direito do trabalho colocados em prática para ajudar o LOCOG a resolver quaisquer problemas que surgirem durante os Jogos e que sejam relativos às forças de trabalho. O Protocolo aplica-se a qualquer pessoa do LOCOG, quer seja remunerado ou voluntário, e, também, o LOCOG solicita que seus contratantes observem, tanto quanto possível, os princípios fundamentais do Protocolo. O protocolo aborda queixas (preocupações, problemas ou reclamações) advindas da força de trabalho apresentando procedimentos simplificados. Estes procedimentos são especialmente utilizados durante os Jogos, pois reduzem os prazos normais para resolução de conflitos trabalhistas. Por exemplo, no âmbito do protocolo, uma reunião para tratar de uma queixa, geralmente deve ser organizada em 24 horas. Em contraste, de acordo com os termos previstos no Código da ACAS, para que seja realizada uma reunião formal, é preciso, somente, que não haja um atraso injustificado após o recebimento da queixa; o que muitas vezes pode significar um período entre uma a duas semanas. O protocolo também abrange as queixas coletivas que são advindas de dois ou mais empregados. Isso aumenta substancialmente o alcance da ACAS - o código regular da ACAS não se aplica em tudo às queixas coletivas. Além disso, em conformidade com o protocolo, a ACAS se comprometeu a estar disponível em qualquer ocasião para auxiliar uma disputa. Normalmente, a ACAS somente se envolve quando a reclamação foi feita perante o tribunal trabalhista. Portanto, podemos dizer que o protocolo tenta atingir o melhor equilíbrio possível entre a forma justa que os empregados devem ser tratados e a rápida resolução dos conflitos, levando-se em conta o caráter excepcional dos Jogos. Ameaça de greve Apesar de todas as medidas especiais que são colocadas à disposição dos empregados dos comitês organizadores, ainda permanece remanescente a questão relativa ao setor industrial que poderá ameaçar o pleno sucesso do evento. Notícias recentes sobre a negociação de trabalhadores dos transportes públicos de Londres sobre os ′Bônus Olímpicos′, e a possibilidade de entrarem em greve quando suas exigências não forem cumpridas, destacam as questões que podem surgir próximo, ou até mesmo durante, à realização de um evento internacional. Embora não haja nenhum direito geral de greve estabelecido pela lei ordinária inglesa, além da possibilidade de grevistas terem que enfrentar consequências legais, na prática, tais táticas podem ter um sério impacto sobre um evento onde os organizadores precisam de uma solução imediata. Por exemplo, durante a Copa do Mundo da FIFA na África do Sul em 2010, uma greve de seguranças relativa a reivindicações salariais, levou à substancial interrupção do evento, sendo que policiais foram obrigados a ocupar o lugar dos seguranças que entraram em greve para garantir a segurança em vários estádios. Portanto, é indiscutível que o planejamento de segurança é essencial. Os riscos no Brasil Os conflitos coletivos no Brasil possuem uma forma incomum de resolução. Embora a Constituição Federal brasileira admita o uso da arbitragem como primeira opção de resolução de conflitos, historicamente, as partes têm recorrido aos tribunais judiciais (Justiça do Trabalho) quando procuram uma decisão final para suas reclamações trabalhistas. Reclamações trabalhistas ingressadas perante a Justiça do Trabalho podem demorar substancialmente até que sejam dirimidas, e processos judiciais podem durar anos. Essas disputas envolvem a negociação das condições de trabalho entre empregadores e seus empregados, sendo que os empregados são representados por sindicatos estabelecidos por meio de localização geográfica, ou seja, cada área territorial possui um sindicato. Na ausência de um acordo final entre as partes, a autoridade administrativa do Ministério do Trabalho e Emprego, por vezes, desempenha papel de mediador na negociação, podendo dar bons resultados. Caso as etapas da negociação não consigam atingir resultados satisfatórios, frequentemente, os empregados optam pela greve. As partes então, geralmente, entram com um dissídio (processos coletivos) perante o tribunal, onde ocorrerá a tentativa de conciliação na fase inicial. Não é comum iniciar um procedimento de arbitragem na tentativa de solucionar as reivindicações da negociação coletiva. Atualmente, as centrais sindicais (associações independentes) são muito fortes no Brasil e tiveram papéis importantes nos movimentos de paralisação. Como as centrais sindicais não são tecnicamente parte do sistema confederativo sindical brasileiro, elas agem de forma autônoma, independente, e de maneira política. Frequentemente, elas não são afetadas por decisões judiciais, pois não estão envolvidas em processos de negociação coletiva. Este cenário poderá colocar o Brasil em uma situação delicada durante os eventos desportivos internacionais que ocorrerão no país nos próximos anos. Há um risco de grupos de empregados tentarem tirar alguma vantagem através da agenda dos seus empregadores para torná-los reféns dos movimentos de paralização dos trabalhos. O exemplo mais evidente dessa situação seria se houvesse greve dos trabalhadores nos aeroportos. Medidas para minimizar os riscos Como poderão ser seguidas as medidas do Reino Unido (ou até mesmo ampliadas) no Brasil, dado o risco de possíveis interrupções durante os grandes eventos desportivos que o Brasil sediará nos próximos anos? O Brasil poderia começar com a eleição (e criação) de uma renomada câmara de arbitragem, a qual atenda aos requisitos legais e que também dê a velocidade necessária para a resolução dos conflitos coletivos. Referida câmara de arbitragem poderia incluir a participação de membros do Comitê de esporte local através de um corpo coletivo. As confederações nacionais sindicais, representando tanto os empregados quanto os empregadores, deverão executar um acordo elegendo tal câmara arbitral para solucionar conflitos coletivos (e até mesmo individuais), relativos às relações de emprego, que envolvam empregados que estejam trabalhando nesses eventos. A câmara de arbitragem poderia até mesmo ter o poder de conciliar e resolver os litígios trabalhistas envolvendo funcionários públicos. Isso representaria, sem dúvida alguma, uma significativa modernização dos instrumentos de solução de conflitos coletivos no Brasil, o que é justo dizer que, está cada vez mais urgente, pois os olhos do mundo, em breve, estarão voltados para o Brasil. O Protocolo do Reino Unido é um passo positivo e inovador no sentido de minimizar o risco de interrupção dos Jogos de 2012. A experiência do Reino Unido deverá ser cuidadosamente observada pelos estudiosos de direito do trabalho no Brasil. Se, após os Jogos de 2012, a experiência do protocolo for positiva, deverá ser considerado a adoção e incorporação de medidas semelhantes na legislação brasileira. O fato de o Brasil ser palco para grandes eventos desportivos internacionais oferece uma grande oportunidade para o crescimento brasileiro (não apenas econômico), mas também para mostrar ao mundo que está pronto para sediar eventos com excelência e eficiência. Agora, aprender com a experiência dos outros poderá ajudar muito o Brasil a atingir suas metas. Sólon Cunha é sócio do Machado, Meyer, Sendacz e Opice e especialista em Direito do Trabalho. Carolina Davies é sócia do escritório Machado, Meyer, Sendacz e Opice Advogados. Kathleen Healy é advogada do escritório Freshfields Bruckhaus Deringer LLP. Sam Barnes é advogado do escritório Freshfields Bruckhaus Deringer LLP. Revista Consultor Jurídico, 3 de agosto de 2012