Por André Menon e Guilherme Eleutério Martínez

É inegável a atual influência da internet sobre o comportamento da sociedade e da economia, principalmente no comércio eletrônico, uma vez que essa nova realidade de negócios proporciona novas ações.

O setor de varejo, consciente dessa nova realidade comercial e buscando fornecer uma melhor experiência de compra aos seus clientes, pretende integrar todos os seus canais de compra e venda (online ou offline), reduzindo o tempo de entrega, os custos de transporte e oferecendo uma gama maior de opções aos seus clientes. Esse fenômeno é conhecido como Omnichannel ou Ominicanalidade.

Ocorre que a integração dos canais apresenta diversos desafios para as empresas, desde a implementação de novas tecnologias para integração dos sistemas de compra e venda de todos esses canais até a equivalência de preços considerando a plataforma de aquisição do produto. Mas o maior de todos esses desafios é, sem dúvidas, a existência de uma legislação tributária rígida, que não permita a fluidez das operações de ominicanalidade.

Nesse sentido, modalidades de vendas multicanais como “ship from store”, “pick-up store”, “showroom”, “logística reversa”, que partem da utilização de dispositivos eletrônicos para integrar o cliente à rede online nas próprias lojas físicas, apresentam dificuldades quanto ao cumprimento das obrigações tributárias, especificamente, quanto às obrigações acessórias.

Surgem questionamentos quanto à operacionalização do sistema omnicanal, dentre eles, podemos destacar (i) a responsabilidade de emissão de nota fiscal entre o estabelecimento que fatura a venda e o responsável pelo envio do produto (“ship from store”); (ii) possibilidade de vendas on line de produto com retiradas em loja física (“pick-up store); (iii) a possibilidade de devolução do produto no estabelecimento em que foi feita a retirada (independentemente de qual estabelecimento que realizou a venda); dentre outros problemas.

Especificamente quanto ao item “iii” acima, ressalte-se que uma questão relevante para as empresas de ominicanalidade consiste na sistemática de tributação não cumulativa do ICMS sobre operações de devolução de mercadorias. Isso porque, atualmente, as Secretarias de Fazenda conceituam devolução como sendo a operação que visa anular uma operação anterior, sendo necessária, portanto, identidade de partes (i.e. vendedor e comprador).

Nesse cenário, somente existiria devolução, quando o comprador remetesse a mercadoria diretamente para o vendedor, dentro de determinado prazo, não havendo como enquadrar nesse conceito a operação em que uma empresa faz uma venda on line e o consumidor realiza a devolução em uma loja física da mesma rede.

Ocorre que esse engessamento das operações não condiz com a pretensão da ominicanalidade, que visa trazer uma maior comodidade e experiência aos consumidores, permitido, dentre outras operações, a retirada dos produtos em outras lojas da mesma rede (mesmo os adquiridos em vendas on line) e a posterior devolução do produto em qualquer estabelecimento do vendedor ou de rede credenciada.

A despeito de a Consultoria Tributária do Estado de São Paulo já ter se manifestado sobre algumas operações omnicanais, a insegurança jurídica persiste no setor. Desse modo, visando adequar a legislação tributária à essa nova realidade de mercado, no final do ano passado, foi aprovado, à unanimidade, pela Comissão de Finanças e Tributação o Projeto de Lei Complementar nº 148/2019, com o intuito de adaptar a legislação do ICMS às operações de ominicanalidade.

Referido Projeto de Lei Complementar, a despeito de possuir algumas imprecisões, traz relevantes alterações na Lei Complementar 87/96 (que traça as diretrizes do ICMS em âmbito nacional), não só introduzindo o conceito de venda multicanal na legislação, mas também trazendo alterações na legislação tributária de modo a favorecer esse novo modelo de negócio e trazer maior segurança às partes envolvidas nas operações.

Referido projeto de Lei introduziu na legislação a possibilidade de devolução dos produtos adquiridos por meio de ambiente eletrônico em loja física credenciada. Trata-se de previsão importante na medida em que (i) visa permitir uma integração entre as lojas eletrônicas com empresas credenciadas e (ii) encerrando uma grande insegurança jurídica do setor ao prever a possibilidade de apropriação de créditos de ICMS pelo estabelecimento vendedor, mesmo no caso de referidas devoluções ocorrerem em estabelecimento diverso do que realizou as vendas.

Por fim, frise-se que a proposta é extremamente benéfica ao setor, uma vez que garante maior segurança jurídica ao empresário. Cabe ao direito tributário acompanhar as inovações tecnológicas e não buscar inviabilizá-las, sendo esse PLC ainda em análise no Congresso, a nosso ver, um passo muito importante para o ambiente desse setor.

Importante sempre relembrarmos que cabe ao direito tributário acompanhar as inovações tecnológicas e não buscar inviabilizá-las.

JOTA
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