São hoje incertos tanto os efeitos da MP 784 quanto a volta à tona das normas polêmicas que trouxe

A Medida Provisória n.º 784, de 7 de junho de 2017 (MP 784), que dispõe sobre o processo administrativo sancionador na esfera de atuação do Banco Central do Brasil e da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), teve seu prazo de vigência encerrado no último dia 19 de outubro.

De acordo com a Constituição Federal, cabe ao Congresso Nacional disciplinar, por decreto legislativo, as relações jurídicas delas decorrentes. O decreto legislativo pode ser editado até sessenta dias após a perda de eficácia da medida provisória, prazo esse que se encontra em curso em relação a MP 784. Caso o decreto legislativo não seja editado nesse limite, as relações jurídicas constituídas e decorrentes de atos praticados durante a vigência da medida provisória serão por ela regidos. Ainda, a MP 784 não poderá ser reeditada na mesma sessão legislativa em que perdeu sua eficácia.

Sendo assim, são hoje incertos tanto os efeitos da MP 784, até que se esgote o prazo para edição do decreto legislativo, quanto a volta à tona das normas polêmicas que trouxe. Um dos pontos mais discutidos durante a vigência da MP foi a majoração dos valores atribuídos às penalidades – previstas no artigo 11 da Lei do Mercado de Valores Mobiliários -, que podem ser impostas pela CVM aos infratores das normas que regem as companhias abertas e o mercado de valores mobiliários. As multas previstas no artigo, que não podiam exceder R$ 500 mil, tiveram seu teto aumentado para R$ 500 milhões. Aquelas cujo limite era de 50% do valor da emissão ou operação irregular tiveram seu limite ampliado para o dobro do valor da emissão ou operação irregular.

Ainda, a MP estabeleceu que os recursos interpostos contra as penalidades impostas pela CVM serão recebidos apenas no efeito devolutivo, e não mais com efeito suspensivo, o que significa que as condenações passarão a ter efeitos imediatos.

As regras que estavam previstas na MP 784, se voltarem a vigorar, aumentarão os riscos a que estão sujeitos os administradores de companhias abertas. Vale citar que, como regra geral, os administradores não são pessoalmente responsáveis por obrigações contraídas em virtude de ato regular de gestão, entendido como aquele praticado conforme suas atribuições e sem violação da lei ou do estatuto social.

A Lei das Sociedades por Ações prevê, como excludente de responsabilidade dos administradores, terem estes tomado suas decisões de boa-fé e no interesse da companhia. Assim, o administrador, para isentar-se de responsabilidade, deve se informar, questionar, não agir em situação que configure ou possa configurar conflito de interesse, atuar sempre dentro dos limites dos seus poderes legais e estatutários.

Presentes os requisitos acima, os administradores poderão valer-se da business judgement rule, ainda que a decisão por eles tomada tenha se mostrado inadequada ou venha a causar danos à companhia.

A tendência atual de se exigir cada vez mais uma postura proativa e investigativa dos administradores nas deliberações, o maior rigor dos reguladores na aplicação de penalidades, somados ao recrudescimento das penas pela MP 784, trouxe à tona, como consequência, uma preocupação maior com a eficácia dos seguros de responsabilidade civil (D&O) e com a regulamentação de contratos de indenidade (instrumento de proteção ao administrador).

É sabido que, por conta dos inúmeros casos de corrupção no país, muitas seguradoras descontinuaram a oferta de seguros D&O no Brasil ou elevaram demasiadamente seus prêmios, bem como diminuíram as coberturas. Esse fato fez com que os contratos de indenidade voltassem à baila como alternativa para a segurança dos administradores.

A CVM se manifestou em poucas oportunidades sobre contratos de indenidade. Em tais decisões, admitiu a sua existência, mas sem estabelecer os requisitos necessários para a sua validade e legalidade. Algumas medidas recomendáveis para tanto seriam: (i) previsão estatutária acerca da possibilidade de celebrar contratos de indenidade em casos de prejuízos sofridos pelos administradores em decorrência da prática de atos regulares de gestão; (ii) aprovação, em assembleia geral de acionistas, de modelo padrão de contrato de indenidade; (iii) vedação de voto por parte do administrador interessado quanto aos termos do reembolso pleiteado; e (iv) a depender do valor do reembolso pleiteado, contratação de um terceiro independente para opinar sobre o valor.

Importante, ainda, mencionar que os contratos de indenidade devem levar em consideração a estrutura da companhia, ou seja, o seu porte, a eficácia de seus controles internos, as regras de compliance, os mecanismos de gestão de riscos, a composição do Conselho, entre outros.

À vista do aumento dos riscos atrelados à função de administrador de companhia aberta, a regulamentação dos contratos de indenidade, em caráter complementar e subsidiário ao seguro D&O, certamente seria uma medida para combater o risco de se afugentar conselheiros competentes da função, especialmente nas companhias que mais demandam uma gestão altamente qualificada.

Eliana Helena de Gregório Ambrósio Chimenti - Sócia da área de Mercado de Capitais do Machado Meyer Advogados

Jota
https://www.jota.info/artigos/os-desafios-dos-administradores-de-companhias-abertas-15112017

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