Por Rafael Arsie Contin, Sylvia Moreira F. Camarinha e Letícia Oliveira Lins de Alencar Em 4 de abril de 2013, o Governo Federal editou a Medida Provisória nº. 612, que, dentre outras inovações regulatórias, altera de forma significativa o regime jurídico aplicável aos recintos tradicionalmente conhecidos como ′portos secos′. O objetivo das alterações promovidas foi, essencialmente, viabilizar a expansão e o desenvolvimento da infraestrutura logística do país, a fim de eliminar, ao menos parcialmente, os gargalos atualmente existentes no setor.Antes de tratar especificamente das normas introduzidas pela MP 612/2013, vale, todavia, esclarecer o papel econômico desenvolvido pelos portos secos, bem como as principais questões jurídicas a eles subjacentes. Nos termos do Decreto Federal 6.759/2009, todos os recintos alfandegados nos quais são realizadas operações de movimentação, armazenagem e despacho aduaneiro de mercadorias e de bagagem, sob controle aduaneiro, e que não estejam instalados nas áreas de aeroportos e portos organizados, podem ser qualificados como ′portos secos′.Esses recintos funcionam, portanto, como grandes centros distribuidores logísticos, nos quais as mercadorias decorrentes das transações comerciais internacionais (importação/exportação) não apenas podem ser movimentadas e armazenadas antes de serem encaminhados ao seu destino final, como podem também ser fiscalizadas e desembaraçadas pela Receita Federal. Para desempenhar essa importante tarefa, a Receita Federal dispõe de infraestrutura e funcionários próprios dentro de cada um dos portos secos atualmente em funcionamento no país, exercendo nessas localidades todas as atividades necessárias à viabilização das operações de comércio exterior.Por disporem de estrutura para a realização de desembaraço aduaneiro de mercadorias, é possível se afirmar que os portos secos apresentam duas importantes funções no mercado logístico nacional: (i) servir como suporte adicional à infraestrutura aeroportuária e portuária, de forma a permitir que parte dos desembaraços aduaneiros das mercadorias transportadas através de modais aéreos e navais seja realizada fora das áreas dos respectivos portos e aeroportos, evitando-se, portanto, o congestionamento de cargas em tais ambientes; e (ii) servir como receptor de cargas transportadas através do modal rodoviário e ferroviário, especialmente aquelas decorrentes de países do Mercosul, de forma a evitar que todo o desembaraço aduaneiro precise ocorrer, necessariamente, na zona de fronteira (ou seja, quando da entrada física da mercadoria no território nacional). Como se percebe, a visão integrada do fortalecimento da estrutura logística brasileira depende, fortemente, dos portos secos. Infelizmente, devido a pouca atenção do governo federal à regulação aplicável a esses recintos (ao menos, até a publicação da MP 612/2013), o setor passou em anos recentes por profundas incertezas, que vinham impedindo os investimentos privados necessários ao seu desenvolvimento. Até 7 de julho de 1995, os serviços executados nos portos secos eram considerados como simples atividades econômicas privadas, sendo a sua prestação pelo particular condicionada, tão somente, à obtenção de prévia autorização de funcionamento perante a Secretaria da Receita Federal. Com a edição da Lei Federal 9.074/1995, porém, o cenário mudou, passando-se a definir as atividades exercidas nesses recintos como ′serviços públicos′. Isso significa que os portos secos passaram a estar sujeitos ao regime jurídico de direito público, sendo sua exploração pela iniciativa privada realizada, necessariamente, por meio de concessão ou permissão, mediante prévia licitação, e por prazo limitado.Como, na prática, todos os portos secos até então existentes eram explorados por meio de autorização, a lei acabou por permitir que a operação destes recintos fosse mantida por um determinado período de tempo, até que todos pudessem migrar para o novo regime. Ocorre que, em virtude de sucessivas alterações legislativas, este prazo acabou sendo prorrogado inúmeras vezes, sem que as licitações que teriam por finalidade substituir os portos secos operacionais, mas não licitados, por outros, devidamente licitados e sujeitos a um contrato de permissão/concessão, fossem realizadas. O resultado não poderia ter sido outro: inúmeros portos secos passaram a operar sob regimes distintos, ou mesmo sob a tutela de liminares e decisões judiciais, sem que se tivesse uma definição clara quanto ao prazo de seu funcionamento e/ou às obrigações a que estariam sujeitos. Tal situação, evidentemente, traduzia grande indefinição jurídica e, portanto, dificultava a realização de investimentos pela iniciativa privada e o desenvolvimento da logística internacional no país. Diante desse contexto, foi então editada a MP 612/2013, com o claro objetivo de reestruturar o modelo jurídico até então vigente e eliminar as incertezas da iniciativa privada. A forma adotada para atingir esse objetivo é através da revogação do dispositivo legal que >Dessa forma, de acordo com o novo marco regulatório, a exploração dos portos secos passa a depender da simples obtenção de licença de operação perante a Secretaria da Receita Federal do Brasil, seguida da concessão do ato de alfandegamento da respectiva área em que suas dependências serão instaladas. Para a concessão da licença, é preciso que o particular (i) seja pessoa jurídica constituída no país, com experiência comprovada em serviços de armazéns gerais, (ii) demonstre estar em regularidade fiscal e (iii) cumpra com os requisitos técnicos e operacionais exigidos para o alfandegamento do imóvel do porto seco, de forma a garantir a segurança necessária para que a Receita Federal possa desempenhar seu trabalho naquela localidade. Além disso, o interessado deve comprovar também o preenchimento dos demais requisitos estabelecidos na MP 612/2013, quais sejam: (i) prova da propriedade, do domínio útil ou da posse direta do imóvel onde funcionará o porto seco; (ii) patrimônio líquido igual ou superior a R$ 2.000.000,00 (dois milhões de reais); e (iii) anteprojeto ou projeto do porto seco, demonstrando a viabilidade operacional do estabelecimento.Em relação aos portos secos já existentes, a MP 612/2013 prevê a possibilidade de eles solicitarem, sem qualquer ônus para a União, a transferência para o regime de exploração estabelecido pela MP 612, sem interrupção de suas atividades e com dispensa de penalidade por rescisão contratual. Vale notar que esta medida é aplicável, inclusive, aos portos secos estabelecidos antes da edição da Lei 9.074/1995.A MP 612/2013, todavia, facultou aos detentores de portos secos já constituídos manterem a operação de seus recintos sob o regime original de seus contratos de concessão/permissão. Nessa hipótese, não serão concedidas novas licenças a terceiros interessados na exploração de portos secos, cuja localização seja na mesma região estipulada nos editais da licitação correspondentes aos respectivos contratos de permissão ou concessão, até que a vigência dos referidos contratos termine. Essa vedação somente poderá ser excepcionada caso se trate de área geográfica onde o interessado possa comprovar, por meio de Estudo de Viabilidade Técnica e Econômica, que haja demanda pelos serviços ou crescimento econômico que justifiquem a instalação de um novo porto seco (licenciado de acordo com o novo regime) na região. A MP 612/2013 estabelece ainda que o efetivo funcionamento de um novo porto seco (CLIA) poderá levar até 2 (dois) anos contados da data de expedição da licença de operação e do ato de alfandegamento do imóvel. Esse prazo se faz necessário para que a Receita Federal possa se adequar ao novo regime, contratando corpo técnico especializado para trabalhar nos novos portos secos que poderão (e certamente serão) instalados nas mais diversas regiões do país. Até o presente momento, a MP 612/2013 já recebeu aproximadamente 200 (duzentas) emendas, sendo que o Congresso Nacional terá até o dia 2 de junho de 2013 para converter a MP 612/2013 em lei, podendo ser este prazo prorrogado por 60 (sessenta) dias. A conversão da MP 612/2013 em lei, sem alterações significativas em seus principais dispositivos, representará um novo marco para o setor logístico brasileiro e, por consequência, excelentes oportunidades de negócios para novos empreendedores. Sem dúvida, a qualidade dos serviços e o número de empresas aptas a prestá-lo a um custo cada vez menor aos usuários tendem a aumentar. Ganha o Brasil.