Mário Saadi Foi julgada pelo STF, em março deste ano, a Ação Direta de Inconstitucionalidade 2340/SC (rel. Min. Ricardo Lewandowski). Nela, discutiu-se a competência, se atribuída aos Estados ou aos Municípios, para legislar sobre a matéria de distribuição de água e, inclusive, para a prestação de tal serviço. O início da discussão do caso teve início no ano 2000, quando o Governador do Estado de Santa Catarina propôs a ação com o objetivo de ver declarada inconstitucional a Lei Estadual 11.560/2000. Por meio desta, tornou-se obrigatório o fornecimento de água potável pela Cia. Catarinense de Águas e Saneamento - CASAN (sociedade de economia controlada pelo Estado de Santa Catarina), com caminhões-pipa, sempre que houvesse a interrupção na adequada prestação de tais serviços. O requerente sustentou que a Constituição Federal conferiria aos Municípios - e não aos Estados - a competência para legislar sobre assuntos de interesse local (dentre eles os de distribuição de água). Ainda que na maioria dos Municípios catarinenses os serviços de esgotamento e abastecimento de água fossem prestados pela CASAN, ela o faria na condição de delegatária (por meio de concessão) dos Municípios, os quais seriam os entes federados competentes para legislar sobre e prestar tais serviços. Assim, a lei estadual catarinense violaria o disposto nos arts. 30, I, e 175, parágrafo único, da Carta Magna. Com efeito, o debate a respeito da constitucionalidade da norma atacada decorre do fato de a Constituição Federal não ter estabelecido, expressamente, qual ente federado possui a titularidade dos serviços de saneamento básico. De um lado, há as previsões de que os Municípios legislarão, organizarão e prestarão os serviços públicos de interesse local (art. 30, I e V). De outro, prevê-se que aos Estados são reservadas as competências que não lhe sejam constitucionalmente vedadas (art. 25, § 1º). Neste contexto, uma das questões enfrentadas pelo STF na ADI 2340 foi justamente a de se definir se a distribuição de água potável constituiria serviço de natureza local, de competência municipal. Em caso positivo, a lei estadual seria inconstitucional, pois lei editada pelo Estado havia disciplinado a forma de prestação dos serviços. Do contrário, caso se entendesse que o abastecimento de água não constitui um serviço de interesse local, a lei estadual não teria incorrido em qualquer vício de constitucionalidade, já que a competência para tratar sobre o assunto seria, efetivamente, do Estado. Por maioria de votos, a ação foi julgada procedente pelo STF, com a declaração da inconstitucionalidade da lei catarinense. Em suas razões de decidir, o Supremo entendeu que a competência para legislar sobre assuntos locais – que a Carta Magna atribui aos Municípios - a inclui a distribuição de água potável. Nesse sentido, e segundo a Corte Constitucional, as obras e serviços para fornecimento de água potável e eliminação de detritos sanitários domiciliares, incluindo a captação, condução, tratamento e despejo adequado, seriam atribuições precípuas de tais entes, como medidas de interesse da saúde pública em geral e dos usuários em particular. Ainda, o fornecimento de água bruta a concessionária local também seria uma competência privativa do Município. Adicionalmente, o STF considerou que interesse local se caracterizaria pela predominância (e não pela exclusividade) do interesse municipal em relação ao estadual: os Municípios seriam, dentre os entes federativos, aqueles mais próximos da população, cujas necessidades básicas conheceriam de perto, incumbindo-lhes, por essa razão, prestar os serviços públicos essenciais, com destaque para a distribuição de água potável. Dessa forma, o Supremo considera que a competência para a prestação do serviço de abastecimento de água é dos Municípios, ainda que seja delegado por concessão a empresa estadual. Sendo o tema, portanto, de interesse local, não poderão os Estados substituir-se aos Municípios que tenham contratado com companhias estaduais, para determinar a forma de fornecimento de água à população.