A Petrobras deu mais dois passos, ontem, para abertura do mercado de gás natural para novos agentes. A companhia abriu as propostas para arrendamento de seu terminal de importação de gás natural liquefeito (GNL), na Bahia, e assinou contratos com a Shell, Petrogal e Repsol Sinopec, para compartilhamento das infraestruturas de escoamento e processamento do pré-sal. Esse acordo elimina um dos principais gargalos da abertura, embora ainda não haja expectativas de que o acesso às unidades de processamento (UPGNs) se concretize a curto prazo.
Até o fechamento desta edição, a Petrobras ainda não havia anunciado o nome do novo operador do terminal de GNL baiano. Segundo quatro fontes, a Golar Power (Hygo Energy) apresentou a melhor proposta. O Valor apurou que a empresa e a BP foram as únicas que apresentaram ofertas pelo ativo. A Golar, porém, estava sob risco de desclassificação. A Petrobras informou esta semana que revisaria a análise de integridade da participante depois que o presidente da Golar Power, Eduardo Antonello, virou alvo de investigações da Lava-Jato por suspeitas de corrupção nos tempos em que ele atuava na Seadrill. Antonello se afastou do cargo na Golar para se dedicar à sua defesa. Joint venture entre a norueguesa Golar LNG e o fundo americano Stonepeak, a Golar Power é uma das empresas mais ativas no processo de abertura do mercado de gás e já possui um terminal do tipo, no Sergipe. A disputa pelo terminal baiano ocorre num momento turbulento para a empresa, que, depois da citação do nome de seu presidente nas investigações da Lava-Jato, teve o seu processo de abertura de capital suspenso nos Estados Unidos. A companhia corre o risco, ainda, de sofrer ações coletivas de investidores americanos. A expectativa é que o novo operador do terminal da Bahia saia numa posição privilegiada, uma vez que terá condições de entrar no mercado com cargas importadas de gás, num momento em que os preços da commodity estão baixos. O contrato de aluguel da unidade é válido até o fim de 2023. A planta de regaseificação será a primeira do tipo a ser operada pela iniciativa privada, em condições de injetar gás na malha de gasodutos - as unidades da Celse (Golar/ EBrasil Energia), no Sergipe, e da GNA (Prumo Logística / Siemens / BP), no Porto do Açu (RJ) não estão conectadas ao sistema. Os novos passos da Petrobras representam marcos importantes dentro dos compromissos assumidos com o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade). O presidente da consultoria Gas Energy, Rivaldo Moreira Neto, alerta, porém, que as iniciativas podem não se traduzir na chegada imediata de gás dos novos atores ao mercado. Isso porque as empresas esbarram na falta de previsibilidade sobre quando ocorrerão as chamadas para contratação de capacidade dos gasodutos de transporte. "Trata-se de um passo importante demais para o processo de abertura, porque elimina algumas das incertezas materiais que ainda seguram o andamento da abertura do setor. Agora, ainda falta o acesso efetivo ao sistema de gasodutos terrestres... Mas, como produtores, eles [Shell, Repsol Sinopec e Petrogal] ficam naturalmente bem posicionados para irem a mercado", avalia. A própria Petrobras reconheceu que, para que o contrato de compartilhamento da infraestrutura se traduza numa efetiva utilização do serviço, "ainda são necessárias adequações regulatórias e tributárias precedentes". O sócio do escritório Machado Meyer, Daniel Szyfman, acredita que a assinatura do contrato, ontem, foi um "marco histórico" e reforça a segurança jurídica da abertura do setor. Para dimensionar a importância da assinatura dos contratos, a cerimônia virtual da iniciativa contou com o presidente global da Shell, Ben van Beurden. Em nota, a empresa destacou que "dá mais um importante passo no mercado de gás brasileiro" que possibilita a comercialização direta de gás de seus ativos no pré-sal". As empresas poderão escoar o gás de seus campos no pré-sal por qualquer uma das rotas de exportação e processá-lo nas UPGNs da Petrobras no eixo Rio-São Paulo. A remuneração do serviço será livremente negociada e, no futuro, outros produtores poderão acessar a infraestrutura, se houver capacidade disponível. Shell, Repsol Sinopec e Petrogal são donas de 17% da produção nacional, mas vendem suas parcelas de gás para a própria Petrobras, devido aos gargalos de acesso ao mercado.Jornalista: RAMALHO, André
(Valor Econômico - 01.10.2020, p. B4)