O uso de project bonds para financiar obras de infraestrutura não é novidade. O modelo pautado na emissão de títulos de crédito de longo prazo surgiu na década de 1990 e se consolidou como alternativa para o desenvolvimento de projetos nos Estados Unidos e em outras partes do globo, incluindo países de Ásia e América Latina.
Os avanços no Brasil, contudo, datam dos últimos anos. Para especialistas ouvidos pelo GRI Hub, embora a adoção desse instrumento seja a forma mais factível para superar a lacuna de infraestrutura do País, ainda há um longo caminho pela frente.
Novo papel do BNDES
A disseminação dos project bonds no Brasil está nitidamente correlacionada com alguns movimentos, particularmente a mudança de papel do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social.
As recentes crises fiscal e de governança levaram à redução do protagonismo do BNDES como agente financiador da infraestrutura. O peso do banco nos investimentos do setor caiu ao menor nível dos últimos 13 anos em 2017, reflexo de um triênio (2015-2017) de diminuição consecutiva, indica o Centro de Estudos do Mercado de Capitais (Cemec-Fipe).
Foi justamente nesse período de enxugamento da presença do banco que as debêntures de infraestrutura, categoria de project bond implementada no País, ganharam um papel relevante para a concretização de novos empreendimentos.
Uma etapa fundamental para o crescimento das emissões desses papéis foi a lei 12.431/2011, iniciativa do governo federal com o objetivo de ampliar as opções de financiamento da economia e promover o mercado de capitais como fonte de recursos de longo prazo, especialmente para a infraestrutura. "Esse foi um passo importante", avalia Eliane Aleixo Lustosa de Andrade, diretora de Investimentos do BNDES.
Recorde de emissões
A partir dessas transformações, viu-se o início de uma reconfiguração das vias de crédito.
"Desde o início, o BNDES tem atuado auxiliando e levando projetos ao mercado. O banco continua financiando, mas também abriu espaço com condições favoráveis para aqueles que tivessem interesse de emitir debêntures", diz Eliane.
"Com a retirada progressiva do BNDES, sentida principalmente entre 2017 e 2018, era preciso suprir o vácuo. Criou-se, então, um mercado bastante interessante de project bonds, [por meio das] debêntures de infraestrutura atreladas a um projeto e com garantias específicas", afirma Alberto Faro, sócio do Machado Meyer Advogados.
Os números traduzem as mudanças. Dados da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima) apontam que, no primeiro semestre de 2018, os lançamentos de debêntures de infraestrutura bateram recorde histórico, somando R$ 9,6 bilhões. O total atingido nesse ínterim, a partir de 16 operações, foi quase quatro vezes maior do que o registrado entre janeiro e junho de 2017.
R$ 5 bilhões em fundos
Ao longo dos últimos anos, o BNDES reformulou seu quadro administrativo e, recentemente, anunciou uma nova política de investimentos via fundos de crédito para infraestrutura, priorizados em relação a financiamentos diretos. Inicialmente, serão alocados R$ 5 bilhões através desse mecanismo, tendo também a iniciativa privada como cotista.
"Vamos analisar a qualidade do gestor, a diversificação do portfólio e, com isso, conseguimos trazer o viés do investidor institucional. Dado o nosso conhecimento do setor, é possível oferecer segurança a esse investidor", esclarece Eliane Lustosa.
Nesse bojo, a postura do BNDES de compartilhar garantias nos financiamentos a projetos de infraestrutura e participar das emissões de debêntures tem sido valorizada. "Ações como essas aumentam a atratividade desse tipo de investimento, pois possibilitam um melhor balanço de risco/retorno para os produtos", considera Daniel Lima, diretor de Investimentos da Petros.
Segmentos pioneiros
Outro ponto considerado chave para a aceleração do interesse dos investidores é a existência de boas propostas nos diferentes motores da indústria de infraestrutura.
"Na verdade, faltam projetos. No último ano, tivemos poucos leilões de rodovias e alguns de aeroportos. A maioria [se concentra] no setor de energia, principalmente em transmissão", lembra Gaetan Quintard, líder de Project Finance do banco BNP Paribas no Brasil.
Alberto Faro corrobora: "o setor de energia foi se consolidando como pioneiro não só pelo apetite do financiador, mas por uma série de ações, passando por marco regulatório e diálogo. Foi se formando todo um ambiente [favorável] que, agora, precisa ser expandido [aos demais segmentos]".
Na avaliação do advogado, o segmento-alvo a seguir seria o de transportes e logística em função do seu nível de amadurecimento. "Sem dúvida, esse é o próximo passageiro do vagão."
Bons projetosPara Faro, "um bom projeto é composto por um mix de fontes de financiamento e a modalidade de project bonds permite um [elevado] nível de governança. Isso porque a companhia [emissora] deve atender a uma série de requisitos, como rating e selo de qualidade, permitindo ao credor ter segurança na operação".Em sintonia com essa percepção, o BNDES tem dedicado esforços à composição de projetos de qualidade. "Avançamos bastante na melhoria dos processos e estamos ajudando estados e municípios nessa estrutura, com soluções de mercado que visam atrair a participação privada", explica Eliane.
Tal atuação é reconhecida pelo mercado. Quintard, do BNP Paribas, observa que, devido ao cenário, "é natural que o volume [de financiamento] do BNDES tenha diminuído; porém, o banco ainda tem capacidade, dispõe de um prazo interessante e continua sendo uma peça crucial para os projetos, ajudando a melhorar sua qualidade".
Institucionalização do mercadoUm ponto fundamental para a evolução dos project bonds é a institucionalização desse mercado, acompanhada da entrada de investidores estrangeiros. Embora as emissões tenham aumentado consideravelmente neste ano, o desenvolvimento do mercado de capitais ainda caminha a passos lentos e acelerar o ritmo seria decisivo para superar a lacuna de aportes.Segundo relatório do Banco Mundial, o Brasil precisaria investir 4,25% do Produto Interno Bruto até 2025 no setor. Em 2017, o valor aplicado ficou em 1,69% do PIB.
"O mercado vem amadurecendo, mas não vai atender toda a demanda. Precisaremos de mais, de emissões internacionais, de outros credores de longo prazo. Há necessidade não apenas de bons projetos, com funding correto, como também de aprimoramento do governo e marco regulatório estável e consistente, o que traz segurança jurídica", afirma Alberto Faro.
O diretor da Petros igualmente atenta para a necessidade de melhorias. "Atualmente, essa modalidade de investimento conta com uma estrutura robusta de contratos e garantias, o que é um mitigador de risco. Contudo, a insegurança jurídica ainda é um entrave, em função da demora para se cumprir a lei e das brechas para diferentes interpretações, dificultando a execução dos direitos por parte dos investidores".
Sinal do amadurecimento do mercado é o impulso que se vê entre os chamados green bonds, emissões com certificação ambiental que têm registrado crescimento no País. "Já existem bons precedentes, operações pioneiras, o que no dá a percepção do potencial desse mercado. Há investidores com recursos que analisam bons projetos, mas consideram o fator da sustentabilidade", continua Faro.
Atração de estrangeirosPara atrair os estrangeiros, a questão é encontrar soluções para administrar o risco cambial. "É um ponto em que o governo está trabalhando. [A administração federal] está ciente de que não há uma vantagem fiscal e [de que, sem isso, o investimento no País] torna-se mais caro", afirma Gaetan Quintard.Na visão do executivo do BNP Paribas, a dolarização seria uma solução fácil e rápida. "A receita [dos projetos] poderia ser distribuída da seguinte forma: 80% em reais e 20% em dólares. Com isso, poderíamos evoluir em emissões para investidores estrangeiros".
"O investidor nem vai ao segundo passo. Ele para na questão da moeda. Ou se resolve com a dolarização ou ele recebe um mecanismo de proteção cambial. Todavia, esse ponto seria mais caro e complexo ao envolver um alto limite de crédito", completa Quintard.
Por sua vez, Alberto Faro considera que o País avança no caminho certo. "Já demos o passo mais difícil, com boas operações, projetos consistentes e maior padronização. Progredimos em segurança jurídica e tendemos a alcançar esses bolsos externos", diz.
GRI Hub
https://publications.griclub.org/gri-hub-project-bonds-duplicate/project-bonds/
(Notícia na Íntegra)