As mudanças promovidas pelo TJMG evidenciam o intuito de fomentar a estabilidade da jurisprudência de direito empresarial, o que é positivo e louvável.
O desembargador Gilson Soares Lemes, presidente do TJ/MG, implantou, em fevereiro, projeto-piloto que visa criar um núcleo de cooperação para reduzir o número de processos de falência e recuperação judicial que tramitam no estado. De acordo com os dados disponibilizados, existem atualmente cerca de três mil processos de falência e recuperação judicial aguardando julgamento nas 296 comarcas de Minas Gerais.
Em uma primeira etapa, o projeto-piloto será implementado pelos juízes titulares da 1ª e 2ª varas empresariais da comarca de Belo Horizonte, que atuarão juntos no exame dos processos falimentares e recuperacionais que tramitam nas comarcas do estado. As demais matérias que envolvem direito empresarial serão analisadas por juízes auxiliares designados pelo tribunal. Em uma segunda etapa, os processos de falência e recuperação judicial distribuídos nas comarcas do estado serão repassados para unidades judiciárias especializadas de Minas Gerais, com o objetivo de tornar a prestação de serviços judiciários mais eficiente, eficaz e acessível à sociedade.
O momento para a implantação do projeto-piloto não poderia ser mais oportuno e está em linha com outras medidas adotadas pela justiça mineira.
Em 16/11/21, o TJ/MG editou a resolução 977/21, por meio da qual foi aprovada a instalação da 21ª câmara Cível. Juntamente com a 16ª câmara cível, o novo órgão colegiado será responsável por processar e julgar, de forma exclusiva, recursos e incidentes relativos a (i) direito empresarial; (ii) registros públicos; (iii) direito previdenciário no qual o INSS seja parte; e (iv) demais matérias descritas no anexo II da referida resolução.
Todas essas iniciativas buscam cumprir as premissas estabelecidas no Programa Justiça 4.0, lançado pelo CNJ - Conselho Nacional de Justiça em janeiro de 2021. O objetivo do CNJ é promover o aperfeiçoamento das políticas judiciárias, incluindo a implementação de inovações tecnológicas e o aumento da governança e transparência do Poder Judiciário.
Embora não seja uma novidade - o TJ/SP, por exemplo, tem varas e câmaras especializadas em direito empresarial há anos -, o projeto-piloto representa verdadeiro avanço da Justiça mineira, já que um dos gargalos do Poder Judiciário é a falta de especialização, sobretudo no processamento de demandas empresariais, reconhecidamente complexas.
A título de exemplo, em importante estudo jurimétrico sobre as varas empresariais da comarca de São Paulo, a ABJ - Associação Brasileira de Jurimetria analisou mais de 300 mil processos distribuídos ao longo de três anos (2013 a 2015) nas 44 varas Cíveis e duas varas de falência do foro central de São Paulo. Em resumo, foram levantados a quantidade de feitos concluídos e o tempo gasto pelos juízes para a tomada de decisões. A constatação foi que os processos de falência e recuperação judicial demandam três vezes mais tempo de análise pelos magistrados do que os processos cíveis comuns. Outras demandas empresariais, como litígios societários, demandam mais do que o dobro do tempo de trabalho. Esses dados foram utilizados pelo TJ/SP para justificar a criação de varas regionais especializadas em direito empresarial na grande São Paulo.
Desse modo, ao possibilitar maior especialização dos magistrados e servidores públicos, o projeto-piloto desenvolvido pelo TJ/MG tem potencial para aumentar a produtividade e acelerar a análise dos processos em tramitação em Minas Gerais.
Além disso, as mudanças promovidas pelo TJ/MG evidenciam o intuito de fomentar a estabilidade da jurisprudência de direito empresarial, o que é positivo e louvável. O aumento da segurança jurídica e o aprimoramento das decisões judiciais estão intrinsecamente ligados ao aumento da confiança dos cidadãos, empresários e investidores, fatores determinantes para impulsionar a economia local.
A implementação dessas alterações, entretanto, exigirá cuidado na delimitação das matérias a serem julgadas pelas varas e câmaras especializadas. Deverá, também, conferir a maior clareza possível quanto à competência exclusiva desses órgãos. Com isso, se evitará a anulação de decisões proferidas por juízos absolutamente incompetentes e o ajuizamento de conflitos de competência, o que sobrecarrega desnecessariamente o Poder Judiciário.
Parece-nos recomendável, ainda, uma revisão das matérias dispostas no art. 3º, inciso II, da resolução TJ/MG 977/21, para tornar mais claras algumas de suas previsões e, se necessário, delimitar ainda mais a competência das 16ª e 21ª câmaras Cíveis.
A iniciativa do TJ/MG, de qualquer forma, deve ser valorizada, já que atenderá, em médio e longo prazo, às garantias constitucionais relacionadas à razoável duração do processo e ao princípio da eficiência, previstas no art. 5º, LXXVIII, da Constituição Federal.
Marcela Volponi - Advogada da área de Contencioso do Machado Meyer Advogados.
Ciro Starling - Advogado da área de Contencioso do Machado Meyer Advogados.