Por Maurício Godói 

A atenção dos investidores está, há alguns meses, voltada para o Congresso Nacional e as discussões acerca da reforma da Previdência, cuja promessa é a de gerar uma economia de R$ 1 trilhão em 10 anos. Essa é apontada como a reforma estrutural mais importante do país no momento. Com a iminente aprovação do texto, a expectativa do mercado é de que o governo promova o ajuste fiscal necessário e dessa forma torne o país, do ponto de vista econômico, mais atrativo aos recursos externos. A consequência
esperada é que vejamos o aumento da concorrência na oferta de crédito e menores custos para os investimentos.

Nessa onda, o setor elétrico pode tirar benefícios por ser considerado um dos segmentos com o mais robusto marco regulatório e menores riscos em infraestrutura no Brasil. Esse cenário ganha relevância no momento em há uma redução progressiva da participação do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) no fomento ao investimento. E a avaliação para as empresas que atuam tanto no mercado livre quanto no regulado é de que o impacto deverá ser positivo. Mas esse é apenas um passo, pois o país precisa de um mercado de capitais mais estabelecido. 

Esse movimento começou com a mudança da TJLP pela TLP no BNDES. Essa alteração aproximou as taxas entre a instituição federal e outros instrumentos disponíveis no mercado. E já é possível ver o início dessa concorrência em alguns casos. A avaliação é de que recursos não faltam para o setor, há recursos para os investimentos, mas apesar desse cenário, além da reforma da previdência há outras como a modernização do setor elétrico, necessárias para ‘preparar o terreno’ para o médio e longo prazo.
Já é possível encontrar soluções diversas para captação de recursos para as mais diversas finalidades. Há exemplos recentes como as captações da Enel, Light, Taesa, Neoenergia, CPFL Energia, entre outras.

Na avaliação da analista sênior de infraestrutura da Moody’s Investors Service, Cristiane Spercel, a questão da reforma da Previdência é um ponto importante, pois pode trazer o ajuste de contas do governo. Com o atual cenário da economia que vem apresentando índice de crescimento baixo – e até de contração – os investimentos estão reduzindo. Com a mudança de política para o BNDES com a TLP a agência de classificação de risco vê espaço para outras fontes de nanciamento tão competitivas quanto o banco federal.

Ao mesmo tempo, destacou a executiva, o ambiente do setor elétrico é saudável com a regulação estabelecida e um mercado maduro. “Esse conjunto traz segurança para o investidor e não vemos o setor sofrer com falta de disponibilidade financeira. Nos últimos 12 meses empresas tiveram capacidade de captar recursos no mercado e refinanciar suas operações tanto no mercado interno quanto externo”, comentou. “Nossas revisões de rating têm sido mais positivas do que negativas para as empresas do setor. E vale destacar que o mercado de equity tem facilitado as estratégias de follow on das empresas”, acrescentou ela, lembrando entre esses, casos recentes como da Light e da CPFL.

A avaliação encontra reverberação no mercado. De acordo com o líder de Project Finance do Santander Brasil, Edson Ogawa, o mercado está cando tão competitivo quanto o BNDES que sempre foi a principal fonte de nanciamentos para o setor elétrico. Um dos motivos apontados é a mudança para a TLP deixando as operações com o banco federal a um custo mais alinhado com a realidade do mercado comercial. Contudo, lembrou ele, uma parte da demanda foi absorvida pelo BNB. Até porque uma importante parcela dos investimentos tem acontecido no Nordeste. Além disso, com a economia que não tem um índice de crescimento ideal, o volume de investimentos está menor do que três ou quatro anos atrás.

Mas, lembrou Ogawa, pensando no médio e no longo prazo e em um cenário de economia em crescimento, há uma perspectiva importante já que o setor elétrico atende a todo o país e há empreendimentos sem acesso ao BNB. Esses precisariam do BNDES competindo com o mercado de capitais. Aí que entram os diversos instrumentos como debêntures de infraestrutura e emissões de bonds. Ao mesmo tempo, continuou, os prazos estão se alongando, no caso do Santander já há emissão de 25 anos.“Estamos em um momento diferenciado, mas como é natural nesse ambiente, as condições podem mudar rapidamente, o mercado é dinâmico”, comentou o executivo do Santander. “Não há falta de investidores e sim de projetos, o funding não é um problema, mas há a questão da nota soberana do país que tem um impacto relevante, há fundos de investimentos em infraestrutura global que têm regulamentos limitando sua participação em países sem o investment grade”, lembrou.

E não é apenas no mercado regulado que há a disponibilidade de recursos para o nanciamento. Para o ambiente livre, comentou Ogawa, o volume cresceu bastante quando comparado ao ACR. O executivo relata que há muitos projetos no ACL sendo nanciados. E isso é algo novo, comentou. Apesar disso, destacou que o maior desafio nesse caso continua sendo o de conseguir PPAs mais longos. Esses acordos, contudo, começam a aparecer, como no caso do leilão da Cemig realizado cerca de 15 dias atrás. Por isso, a questão do nanciamento dos projetos de geração voltados ao ACL continua sendo caso a caso, principalmente, quando há contratos de curto prazo, onde o desao é maior e há preocupações adicionais com cobertura de exigências contratuais. “Às vezes funciona e em outras não. O desao é encontrar o trade off, ter contrato mais longo e preço menor ou PPA mais curto mas de valor mais elevado, depende da estratégia do investidor”, avaliou.

A presidente executiva da Associação Brasileira da Energia Eólica, Élbia Gannoum, avalia que a relação é direta: se um setor é atrativo ele é financiável. No caso da geração eólica, o segmento passa por um momento que ela classificou como de transição. Está sendo avaliado o mecanismo PLD de suporte para o financiamento do mercado livre, destacou. Esse é um dos pontos que vem servir de apoio. Em geral, a questão da financiabilidade do setor está boa. “No leilão que ocorrerá em outubro, o A-6 temos 100 GW
cadastrados, isso mostra que há projetos e empreendedores que querem investir por aqui”, ressaltou.

Acontece que, apesar desse volume, os certames não têm apresentado um desempenho à altura. Até porque a economia não vem reagindo e como a contratação tem como base a declaração das distribuidoras o montante negociado tem cado baixo. Em compensação, lembrou Élbia, as contratações do ACL são mais elevadas para o segmento eólico, por isso, o PLD de suporte fica cada vez mais importante para o setor.

Claro que, com a aprovação da reforma da Previdência teremos mudanças que deverão levar a economia a tomar outra velocidade e melhora a sinalização da atratividade de investimento no Brasil”, comentou a executiva. Em sua análise, a atratividade do mercado local já se apresenta, mas sua financiabilidade ainda encontra algumas barreiras. Uma destas é a falta de um mercado de capitais mais desenvolvido. Como o ACL está em franca expansão, esse mecanismo traria um grande benefício para o segmento.

Segundo a presidente da ABEEólica, o modelo do BNDES para o ACL está sendo trabalhado, mas ainda não está equacionado. Até porque, continuou, o processo de transição está em curso. “O que vivemos hoje é o embrião de um futuro que virá. Com certeza teremos mais projetos no mercado livre e o setor buscará mecanismos diferentes dos utilizados no passado. Estamos na fase de aprendizado e construção. Acredito que o modelo futuro será o de pulverização da captação dos recursos em diversos instrumentos ante um passado de concentração no BNDES”, acrescentou.

Para Alberto Faro, sócio da área de Financiamento de projetos e Infraestrutura do escritório Machado Meyer Advogados, além de concordar com o fato de que a regulação traz segurança jurídica aos negócios, o setor naturalmente sempre atraiu um maior volume de financiamentos no segmento de infraestrutura. Tanto que mesmo em meio à crise houve operações diferentes e totalmente fora do âmbito do BNDES como no caso da UTE Porto do Sergipe. Nesse caso houve a participação de instituições multilaterais e de debêntures de infraestrutura.

“Essa estruturação financeira era inimaginável anos atrás, um projeto de energia no longo prazo tinha que buscar a participação dos bancos públicos para sua construção”, comentou ele, que citou ainda uma outra operação de pré-pagamento de debêntures com o BNB como outro exemplo de ineditismo no país.

Ainda nessa linha, contou ele, o mercado nacional começa a discutir e ver primeiras iniciativas de um produto bancário intermediário. Os chamados “mini perms”, que são contratos de financiamento mais longos que os empréstimo ponte, tão comumente utilizados no país, e menores do que os tradicionais financiamentos de longo prazo do BNDES. Nessa nova modalidade os prazos podem variar entre cinco e oito anos e são fechados com bancos comerciais.

“O atrativo nesse caso é o prazo, pois pode ser que um empreendedor não queira uma emissão de debêntures por envolver custos associados à emissão e ainda ter relacionamento com debenturistas. Talvez ele precise de um empréstimo com maior prazo que o ponte, mas não queira uma relação de longuíssimo prazo com o BNDES ou BNB”, explicou. “Com essa nova modalidade ele pode se relacionar com um credor mais ágil e de trato simplificado quando comparado com outras opções do mercado”, acrescentou. O principal veículo de nanciamento do setor elétrico nacional, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, aponta que o cenário é de retração nos investimentos em energia elétrica até 2021. Contudo, enxerga uma retomada a partir de 2022. Em seu relatório, a queda é explicada pela ausência de leilões de energia nova entre abril de 2016 a dezembro de 2017 e pelo baixo volume de contratações depois desse período.

“Esses fatos explicam a diminuição dos investimentos em 2020 e 2021. Por conta da defasagem de três a quatro anos entre as datas dos leilões de energia e os investimentos associados, a retomada desses leilões a partir de 2018 irá impactar as inversões de forma mais expressiva a partir de 2022 e, sobretudo, de 2023”, aponta o banco no relatório. Além disso, apenas em 2023 é que está previsto um valor de aportes, em termos reais, acima do verificado em 2018.

Apesar da nova administração indicar uma mudança de rumo em relação a forma de atuar, mais focado no auxílio ao Estado, a tendência é de que continue a participar do financiamento da infraestrutura. Os demais segmentos da indústria é que deverão contar com menos participação do banco, contou Ana Raquel Martins, gerente da Área de Energia em sua participação em evento de PCHs no início de agosto. Atualmente a taxa do BNDES varia entre 4,5%a 5,5% ao ano. E ainda, disse que o valor do PLD de suporte, que vem sendo utilizado pelo mercado para financiar o mercado livre, atualmente em R$ 90/MWh, está em processo de revisão para ser atualizado. No BNB, o segmento de energia dentro da carteira de infraestrutura do banco é o mais signicativo. De acordo com o superintendente de Negócios de Atacado e Governo da instituição, Helton Chagas, 70% das operações são para projetos de geração ou de transmissão. E a demanda por recursos é maior que a oferta, admitiu ele. “Se este ano tivéssemos R$ 15 bilhões somente para energia teríamos projetos para aplicar esse montante”.

As principais linhas do banco são FNE Sol e FNE Infraestrutura, que utiliza recursos do Fundo Constitucional de Financiamento do Nordeste (FNE). A primeira financia todos os componentes e instalação para geração centralizada e sistemas de micro e minigeração de energia elétrica fotovoltaica, eólica, de biomassa ou pequenas centrais hidroelétricas (PCH). O produto pode ser acessado por pessoas físicas, empresas de todos os portes e setores, produtores e empresas rurais, cooperativas e associações, instalados na área de atuação do banco. Essa área corresponde a todos os estados do Nordeste, norte de Minas Gerais e norte do Espírito Santo.

A depender das condições, explicou o banco, pessoas jurídicas podem ter nanciamento em geração distribuída de até 100% do valor do investimento. Pessoas físicas também contam com essa possibilidade com limite de R$ 100 mil. O valor das parcelas do financiamento pode ser igual ao valor economizado na conta de energia. A operação pode ser financiada em até oito anos, com carência máxima de seis meses.

De acordo com um levantamento do BNB, o FNE Sol Pessoa Física em 2019 alocou R$ 33,7 milhões para geração de energia para uso residencial. A linha passou a ser contratada este ano. O FNE Sol Pessoa Física Agro, voltado para empreendimentos produtivos e produtores rurais, aportou R$ 3,6 milhões este ano. Em 2018, foram aplicados R$ 1,4 milhão.

Em projetos de geração centralizada, o Banco do Nordeste aplicou, em 2018, R$ 13,65 bilhões. Destes, cerca de R$ 3,5 bilhões foram destinados à transmissão, R$ 1,7 bilhão à distribuição e para a geração de energia eólica foram alocados R$ 5,1 bilhões, para fotovoltaica foram R$ 3,2 bilhões e gás natural R$ 56,5 milhões.

Já até meados de 2019 foram aportados R$ 6 bilhões. Destes, R$ 3,8 bilhões para eólica, R$ 842,5 milhões para segmento termoelétrico, R$ 486,9 milhões para fotovoltaica, R$ 17,9 milhões para distribuição e R$ 845,1 milhões para transmissão. E ainda há a parcela do mercado livre em crescimento. Inclusive, destacou Chagas, ele vê uma tendência de crescimento nesse segmento e isso tem se refletido no aumento dos recursos destinados a projetos destinados ao ambiente de contratação livre, aspecto já citado por Ogawa do Santander, conforme pode ser verificado nos dados da tabela acima.

Investidores

Na “vida real”, investidores estão otimistas e veem a ampliação do mercado. Um deles é Walfrido Ávila, presidente da Tradener. Ele relatou que a empresa tem encontrado crédito junto a bancos oficiais tanto quanto comerciais, um cenário que não ocorria no passado. A empresa que ele lidera possui um portfólio de projetos e no momento está investindo na construção de uma PCH. Segundo o executivo, houve inclusive concorrência ao passo que a empresa procurava diferentes fontes de nanciamento.

“A taxa de juros vem baixando, vai ter guerra entre as instituições para o nanciamento”, prevê ele. “Existe um mercado de crédito disponível para bons projetos. Fomos ao BNDES, fomos bem recebidos, analisaram o projeto e nos deram uma proposta que clássico como boa. Então, houve uma reação dos bancos comerciais, tivemos outras oito propostas que bateram as do BNDES”, reportou.

Ávila disse que essa verdadeira guerra por novos projetos é salutar e vemos é que na prática a política do BNDES de deixar uma parte do nanciamento para os bancos vai acontecer. Para ele sempre vai existir recursos para projetos viáveis. No caso da Tradener além de bancos comerciais a empresa conseguiu funding por meio da emissão de debêntures de infraestrutura para complementar a captação. A percepção geral de outro investidor, este mais recente no país, é de que o cenário para buscar crédito no setor elétrico nacional está muito favorável, com grande diversidade de fontes em condições favoráveis quando se analisa prazo e custo do empréstimo. E isso por meio do BNDES, BNB ou Basa quando a fonte é banco de fomento público, tanto quanto a disponibilidade de recursos no mercado, por meio de debêntures de infraestrutura.

De acordo com o CEO da Sterlite Power no Brasil, Rui Chammas, a origem do crédito disponível ainda é em sua maioria fornecido pelo mercado interno, ainda que existam ofertas de instrumentos externos cujos custos totais, incluindo hedge, não estão apresentando custos atrativos. “O setor de transmissão está recebendo as ofertas mais atraentes, seja em termo de prazo, flexibilidade de covenants para o índice de cobertura de serviço da dívida quanto alavancagem”, comentou.

Recentemente a Sterlite, que começou sua incursão no país há pouco mais de dois anos recebeu recursos de longo prazo do BNB para o projeto Arcoverde, entregue em maio deste ano. Com prazo de 20 anos e amortizações iniciando em 2020, o valor desembolsado teve como destino o pagamento do empréstimo-ponte concedido durante a fase de implantação do empreendimento, localizado em Pernambuco. 

A opinião é de que o conjunto de reformas, em geral, tanto macro quanto micro e outras setorizadas, deverá ser o caminho para que melhore ainda mais o cenário. Assim é possível vermos o aumento da concorrência. Para Faro, do Machado Meyer, com isso, o custo, segundo as leis de mercado, deverá recuar. Em sua análise aprovar não somente a reforma da Previdência pode trazer perspectiva positiva e acentuar a atratividade do mercado brasileiro a investidores internacionais que podem participar de forma mais ativa do setor.

Canal Energia
http://canalenergia.com.br/especiais/53112567/recursos-nao-faltam-mas-pode-melhorar
(Notícia na Integra)