Fernando Colucci e Tiago E. Dockhorn

O Regime Especial de Regularização Cambial e Tributária (RERCT) foi instituído para possibilitar a regularização de recursos que não tenham sido declarados às autoridades brasileiras. Essa é a primeira vez que o Brasil adota medida como essa, inclusive com extinção da punibilidade de determinados crimes. O sucesso desse programa, contudo, depende da segurança jurídica que o contribuinte terá quanto às condições e consequências da adesão ao regime. A segurança jurídica é fundamental sobretudo nas situações excepcionais, como o RERCT. A Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), em seus comentários a programas de regularização de ativos, recomenda que estes sejam claros em seus termos e nas consequências da adesão. Ao assim fazer, a OCDE elege a segurança jurídica como um pilar desses programas ao redor do mundo. Em seus aspectos fundamentais, o RERCT segue essa recomendação. O primeiro requisito do RERCT é que apenas recursos de origem lícita podem se valer da regularização.

Privilegiando a segurança jurídica, o legislador brasileiro exigiu do contribuinte uma declaração da licitude da origem dos recursos, sem exigir prova que fundamente essa declaração. Os documentos que podem ser exigidos pelas autoridades são aqueles listados na Instrução Normativa n 1.627/2016, os quais estão relacionados à descrição e valoração dos ativos regularizados na data de 31/12/2014 e não à sua origem. Isso permitiu que o programa brasileiro ficasse alinhado com as sugestões da OCDE, reconhecendo-se que na maioria dos casos a prova quanto à origem dos recursos se mostraria impossível de ser produzida. De fato, sabe-se que a maior parte dos recursos não declarados por residentes no Brasil foram originados há cerca de meio século e mantidos em outros países como uma forma de proteção das incertezas políticas e econômicas que marcaram o país nas últimas décadas.

Resguardando os interesses do Fisco, ficou preservado o direito de as autoridades fazerem prova de que os recursos teriam origem ilícita e não poderiam ser incluídos no RERCT, excluindo do regime o contribuinte que apresentou declaração falsa. A preocupação com a previsibilidade no RERCT está presente também na definição taxativa das hipóteses de exclusão do regime ou de desconsideração da declaração apresentada, cabendo tais medidas apenas nas situações de falsidade por parte do contribuinte ou de declaração inverídica quanto às limitações impostas pela lei (como as limitações para aqueles condenados em ação penal ou que detinham cargos, empregos ou funções públicas de direção ou eletivas). Nessas situações, a legislação prevê o direito do contribuinte de interpor recurso administrativo. Sendo a decisão desfavorável ao contribuinte, este poderá socorrer-se do Poder Judiciário, que dará a palavra final sobre a controvérsia. Qualquer outra discussão entre Fisco e contribuinte deverá ser dirimida pelas vias processuais administrativas e judiciais com a garantia de que ambas as partes poderão apresentar seus argumentos, mas sem colocar em risco a extinção da punibilidade dos crimes listados pela Lei n 13.254/2016 e as remissões de natureza tributária que resultam da adesão ao RERCT.

Discordâncias entre Fisco e contribuinte quanto aos critérios de valoração dos ativos, não advindas de declaração falsa, não podem ensejar a exclusão do RERCT. Em se tratando de divergência que implique diferenças a título de imposto e multa, caberá ao Fisco lavrar auto de infração. O contribuinte sempre poderá discutir administrativa e judicialmente a exigência formulada. O Partido Popular Socialista propôs Ação Direta de Inconstitucionalidade contra a lei que criou o RERCT (ADI nº 5.496/2016), mas não se vislumbram fundamentos suficientes para que o Supremo Tribunal Federal (STF) declare inconstitucional a Lei n 13.254/2016.

De todo modo, mesmo nas situações em que determinada lei é tida como inconstitucional o Poder Judiciário tem sido firme ao garantir a observância do princípio da segurança jurídica. O STF tem flexibilizado a declaração de inconstitucionalidade (que em princípio levaria à nulidade dos efeitos da lei desde a sua edição) e definido que os efeitos da decisão se operem apenas em relação a fatos ocorridos após sua prolação, promovendo a proteção da confiança nas relações jurídicas e preservando os direitos daqueles que de boa-fé se valeram de uma lei que até então tinha presunção de legitimidade. Há, sim, alguns aspectos da legislação que ainda são obscuros e que se desviam do princípio da segurança jurídica. O principal deles está relacionado às situações em que o ativo não é mais detido pelo declarante em 31/12/2014. Para esses casos, a Instrução Normativa indica que o tributo e a multa devem ser recolhidos com base no “valor presumido” do ativo em 31/12/2014, sem, contudo, esclarecer o conteúdo desse conceito, criado pela regulamentação do RERCT e que não encontra respaldo em qualquer outra norma de Direito Tributário, nem mesmo na lei que instituiu o regime. A despeito desse e alguns outros pontos que ainda deverão ser melhor esclarecidos pela RFB, a compreensão geral é de que há segurança jurídica suficiente para que os contribuintes se valham do RERCT para regularizar eventuais bens mantidos no exterior que no passado não tenham sido declarados às autoridades brasileiras.

Fernando Colucci e Tiago Espellet Dockhorn são sócios da área tributária do Machado Meyer Advogados.

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