Corte pode jogar pá de cal sobre discussão bilionária que se arrasta desde os anos 90.

Nesta quinta-feira, dia 9/03, os olhos dos advogados tributaristas estarão voltados ao Supremo Tribunal Federal (STF). A Corte deverá analisar o caso tributário em tramitação com maior impacto financeiro para o país: a inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS e da Cofins.

De acordo com o anexo “Riscos Fiscais”, da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), uma vitória dos contribuintes no caso – que será analisado como repercussão geral – geraria um impacto de R$ 250,3 bilhões aos cofres públicos.

A cifra reflete a idade da discussão e a abrangência do tema. O Supremo vem discutindo o assunto desde o final da década de 90. Os quase vinte anos foram suficientes para que milhares de empresas acionassem a Justiça, buscando o direito de não incluir o ICMS no cálculo do PIS e da Cofins, que incidem sobre o faturamento.

Na quinta-feira, finalmente, o STF poderá jogar uma pá de cal sobre o tema, que já foi analisado pela Corte em 2014. Na ocasião, cinco ministros que permanecem no tribunal se posicionaram sobre a discussão tributária: quatro de forma favorável aos contribuintes e um pela incidência do PIS/Cofins sobre o ICMS, imposto estadual.

Na época, os ministros se manifestaram sobre a tramitação da Ação Direta de Constitucionalidade (ADC) 18, que também trata da inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS e da Cofins e de um possível impedimento do ministro Dias Toffoli. Como Advogado-Geral da União, o magistrado assinou a ADC 18.

Por conta da relevância do tema, advogados dizem que esse pode ser “o caso tributário da década”.

Receita ou faturamento

A discussão tributária se dará com a análise do RE 574.706, de relatoria da ministra Carmen Lúcia, que consta como primeiro item da pauta do plenário no dia 9. O recurso tem como parte a empresa Imcopa Importação, Exportação e Indústria de Óleos, que produz óleos industriais.

No Supremo, o advogado da companhia, André Martins de Andrade, do Andrade Advogados Associados, defenderá que o ICMS não pode ser considerado receita ou faturamento, não entrando na base de cálculo do PIS e da Cofins.

“[O ICMS] não é receita, não se integra ao patrimônio da empresa”, defende.

Além disso, para Andrade, uma decisão favorável à tributação feriria a repartição de receitas entre os entes federados. Isso porque o ICMS é um imposto estadual, enquanto o PIS e a Cofins são tributos federais.

“Possibilitaria que a União cobrasse um pedaço de imposto que incidiu sobre operações de circulação de mercadorias” afirma o advogado.

A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), por sua vez, informou que o Supremo nunca admitiu que há “uma vedação constitucional à incidência de ‘tributo sobre tributo’”.

Para a procuradoria, “historicamente não se tem afastado os custos tributários de produção de sua base de incidência”, o que permitiria que a base de cálculo do PIS e da Cofins abrangesse o valor relativo ao ICMS.

Sobre a cifra de R$ 250 bilhões, a PGFN afirmou que o valor corresponde ao período entre 2003 e 2014 caso todos os contribuintes obtivessem o direito de restituir o PIS e a Cofins recolhidos com a inclusão do ICMS. A procuradoria salientou, entretanto, que o impacto pode ser maior, já que uma decisão favorável aos contribuintes tomada pelo STF poderia ser utilizada em outras discussões, como a relacionada à incidência de Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ) sobre o lucro presumido.

O julgamento desta quinta-feira contará com sustentações orais apenas das partes, já que não existem amici curiae aprovados no processo.

Manobras 

Essa, entretanto, não será a primeira vez que o tema será analisado pelo Supremo. O assunto foi tratado no RE 240.785, que envolvia a empresa Auto Americano Distribuidor de Peças.

O julgamento do processo levou mais de 15 anos, e ao final, por sete votos a dois, foi definida a impossibilidade de inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS e da Cofins. “Esperamos [no dia 9] a reafirmação da jurisprudência”, diz a advogada Cristiane Romano, do Machado Meyer Advogados, que defendeu a Auto Americano.

No julgamento anterior, lembra a advogada, a maioria dos ministros aceitou a argumentação de que o valor correspondente ao ICMS não pode ser caracterizado como faturamento ou receita. “É um ingresso transitório que pertence ao Estado”, defende.

O caso da Auto Americano foi relatado pelo ministro Marco Aurélio, que votou de forma favorável às empresas. Além dele, os ministros Carmen Lúcia, Ricardo Lewandowski e Celso de Mello se posicionaram pela impossibilidade de tributação. O ministro Gilmar Mendes, por sua vez, defendeu a possibilidade de inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS e da Cofins.

Da composição atual não se posicionaram sobre o assunto os ministros Rosa Weber, Roberto Barroso, Luiz Fux, Edson Fachin e Dias Toffoli. O último está envolvido em uma polêmica por ter assinado a ADC 18 – um dos principais motivos para que a tramitação do RE 240.785 tenha durado mais de 15 anos.

A ADC 18 foi ajuizada em 2007, quando o caso da Auto Americano já contava com seis votos favoráveis à companhia, ou seja, maioria de votos. A ação discute a constitucionalidade da inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS e da Cofins, e sua proposição fez com que o STF determinasse o sobrestamento de todos os casos que tratavam do assunto no país.

O fato fez com que o caso da Auto Americano ficasse parado por mais de sete anos.

Impedimento?

A participação do ministro Dias Toffoli no julgamento dos casos sobre a inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS e da Cofins foi tratada durante o julgamento do RE 240.785, da Auto Americano. Em 2014, quando o caso foi finalizado, o ministro Celso de Mello afirmou que o magistrado poderia participar da análise do RE 574.706, mas não da análise da ADC 18.

“Na ADC 18 o ministro Toffoli não poderá participar porque, na condição de Advogado-Geral da União, subscreveu petição inicial ao lado do presidente da República”, afirmou o magistrado.

Segundo fontes ouvidas pelo JOTA, porém, Toffoli não se declarará impedido no julgamento desta quinta-feira.

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Outro assunto tratado em 2014 foi o destino da ADC 18. Ao negarem pedido da Advocacia-Geral da União para que a ação fosse julgada antes do RE da Auto Americano, os ministros Celso de Mello e Luiz Fux citaram que em outras situações o Supremo já optou por julgar recursos extraordinários que tratavam de temas idênticos aos trazidos em ADCs ou em ações diretas de inconstitucionalidade (Adis).

Nesses casos, de acordo com os magistrados, as ADCs ou Adins perderam os objetos.

STF e STJ

A decisão do STF será relevante para milhares de empresas brasileiras que discutem o tema no Judiciário ou optaram por uma estratégia conservadora, e continuaram recolhendo o PIS e a Cofins sobre o ICMS.

De acordo com advogados ouvidos pelo JOTA, ações sobre o assunto são comuns, e a maioria dos contribuintes nessa situação opta por depositar a parcela correspondente ao ICMS em juízo.

“Normalmente as empresas discutem judicialmente mas seguem fazendo o recolhimento. Elas precisam da CND [Certidão Negativa de Débitos]”, explica o advogado Rafael Monteiro, do Gaia, Silva, Gaede & Associados.

Uma eventual decisão do Supremo favorável às empresas derrubaria ainda decisão tomada em 2016 pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) em recurso repetitivo. Na ocasião, após analisar o REsp 1.144.469, a 1ª Seção fixou a tese de que “o valor do ICMS, destacado na nota, devido e recolhido pela empresa compõe seu faturamento, submetendo-se à tributação pelas contribuições ao PIS/PASEP e COFINS, sendo integrante também do conceito maior de receita bruta, base de cálculo das referidas exações”.

“Se o STF determinar diversamente do STJ sua decisão vai se sobrepor, e teremos um cenário muito bom para os contribuintes novamente”, afirma Monteiro, que representou a companhia que consta como parte no REsp 1.144.469.

Veja abaixo uma linha do tempo elaborada pelo JOTA sobre a discussão da inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS e da Cofins:

Novembro de 1998 – O RE 240.785, que discute a inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS e da Cofins, é distribuído ao ministro Marco Aurélio, do STF;

Setembro de 1999 – Início do julgamento do RE 240.785. Após voto favorável à empresa por Marco Aurélio o caso é suspenso por pedido de vista do ministro Nelson Jobim;

Março de 2006 – Aposenta-se o ministro Nelson Jobim;

Março de 2006 – Por conta da alteração de composição, os ministros optam por renovar o julgamento do RE 240.785;

Agosto de 2006 – O julgamento é reiniciado. Com um placar de 6 a 1 a favor da empresa, pede vista o ministro Gilmar Mendes;

Outubro de 2007 – É protocolada no STF a ADC 18, na qual a União pede que seja declarada como constitucional a inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS e da Cofins;

Dezembro de 2007 – É protocolado no STF o RE 574.706, que também discute a inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS e da Cofins;

Janeiro de 2008 – Cálculos anexados à LDO estimam que a não inclusão do ICMS na base de cálculo do Pis e da Cofins geraria perda anual de R$ 12 bilhões à União;

Abril de 2008 – É reconhecida a repercussão geral do RE 574.706;

Maio de 2008 – A União pede ao STF que a ADC 18 seja julgada antes do RE 240.785. O pedido é aceito pela maioria do plenário;

Maio de 2008 – O julgamento do RE 240.785 é adiado por conta da decisão proferida na ADC 18;

Agosto de 2008 – O julgamento do RE 240.785 é adiado por conta da decisão proferida na ADC 18;

Agosto de 2008 – É deferida liminar na ADC 18, suspendendo todos os casos que tratam da inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS e da Cofins;

Fevereiro de 2009 – É prorrogada a liminar concedida na ADC 18;

Setembro de 2009 – É novamente prorrogada a liminar concedida na ADC 18;

Março de 2010 – É prorrogada a liminar concedida na ADC 18. Os ministros salientam que essa é a última vez que a medida será concedida;

Janeiro de 2013 – Cálculos anexados à LDO estimam que o impacto da não inclusão do ICMS na base de cálculo do Pis e da Cofins seria de R$ 89,4 bilhões entre 2003 a 2008;

Outubro de 2014 – O julgamento do do RE 240.785 é finalizado. O placar final fica em 7 votos a 2 pela não inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS e da Cofins;

Janeiro de 2015 – Cálculos anexados à LDO estimam que a não inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS e da Cofins geraria impacto de R$ 250,3 bilhões aos cofres públicos;

Março de 2015 – Transita em julgado o RE 240.785;

Agosto de 2016 – O STJ analisa, como recurso repetitivo, o REsp 1.144.469, e entende que o ICMS integra a base de cálculo do PIS e da Cofins;

Março de 2017 – O RE 574.706 é incluído na pauta do plenário do STF

JOTA