Sobre a dispensa arbitrária e sem justa causa de trabalhadores

O Tribunal Regional do Trabalho da 17ª Região suspendeu os efeitos da sua recente Súmula de jurisprudência que declarou a inconstitucionalidade do Decreto 2.100/96. Tal Decreto havia denunciado e tornado sem efeitos jurídicos no Brasil a Convenção 158 da Organização Internacional do Trabalho – OIT.

A notícia da edição dessa súmula e sua posterior suspensão reacendeu o debate sobre a aplicação da Convenção 158 e a proteção à dispensa arbitrária e sem justa causa de trabalhadores e uma reflexão sobre o tema e os impactos decorrentes do posicionamento do Tribunal capixaba deve levar em conta o histórico brasileiro sobre essa questão.

Em primeiro lugar, ressalta-se que a Constituição Federal previu, em sua redação original de 1988, a proteção à dispensa arbitrária e sem justa causa “nos termos de lei complementar, que preverá indenização compensatória” (artigo 7º, inciso I).

Nota-se que referida proteção foi condicionada a uma legislação complementar que, conforme sugere o artigo, estabeleceria uma compensação financeira ao empregado. Entenda-se: a dispensa arbitrária ou sem justa causa não seria necessariamente proibida, mas, obrigatoriamente indenizada. Porém, passados quase 30 anos da promulgação da Constituição Federal, ainda não há lei complementar que regulamente a questão.

Em que pese a omissão do Poder Legislativo neste particular, logo após a promulgação da Constituição, foi editada a Lei 7.839 de 1989 que, substituindo a antiga lei de 1966, regulou o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço – FGTS. Dentre suas disposições, majorou-se de 10% para 40% a indenização sobre o saldo do FGTS para casos de dispensa de empregados por iniciativa do empregador.

Entendeu-se, assim, que, embora não houvesse lei complementar específica sobre a proteção à dispensa sem justa causa ou arbitrária, a indenização compensatória a que se refere o inciso I do artigo 7º da Constituição Federal havia sido regulada pela nova lei do FGTS.

Discutia-se, no entanto, se era o caso de trazer ao ordenamento brasileiro a Convenção 158 da OIT, de 1982. Dentre suas proposições, seu artigo 5º já dispunha que “não se dará término da relação de trabalho de um trabalhador a menos que exista para isso uma causa justificada relacionada com sua capacidade ou seu comportamento ou baseada nas necessidades de funcionamento da empresa, estabelecimento ou serviço. ”

Não se nega que a simples leitura desse dispositivo leva a uma conexão automática ao texto da Constituição Federal. Seria a Convenção 158 da OIT o instrumento capaz de, finalmente, regular a proteção à dispensa arbitrária ou sem justa causa?

Para tanto, seria necessária a sua ratificação pelo Brasil, o que ocorreu em 10 de abril de 1996. Naquela oportunidade, o então Presidente da República editou o Decreto 1.855, que, ao confirmar o decreto legislativo 68 de 1992, declarou que a Convenção 158 da OIT deveria ser “executada e cumprida tão inteiramente como nela se contém”.

Porém, poucos meses depois, em 20 de dezembro do mesmo ano, o mesmo Presidente da República editou novo decreto, de número 2.100. O polêmico e unilateral ato tornava pública denúncia feita à OIT e declarava que a Convenção 158 deixaria de vigorar no Brasil a partir de 20 de novembro de 1997.

Esse é o epicentro da dúvida sobre a vigência ou não da Convenção 158 da OIT no Brasil. Afinal, poderia o Poder Executivo, em ato unilateral, denunciar o tratado internacional e declarar que não faria mais parte do ordenamento jurídico nacional?

Essa questão está sob análise do Supremo Tribunal Federal, desde junho de 1997, em Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADI n. 1625 – proposta naquele ano pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura. Seu julgamento está suspenso por pedido do Ministro Dias Toffoli, sendo que até o momento foram proferidos 4 votos pela inconstitucionalidade do Decreto 2.100 de 1996 e 2 votos reputando válida a denúncia da Convenção 158.

Foi nesse contexto que, deixando de lado a já iniciada análise da questão pelo STF, o Tribunal do Trabalho capixaba editou a Súmula n. 42, declarando pacificada a jurisprudência regional de que referido decreto presidencial é inconstitucional e que, portanto, a Convenção 158 da OIT está em plena vigência.

O que alguns consideraram vanguardismo daquele Tribunal trouxe, na verdade, uma imensa insegurança jurídica a empregadores e trabalhadores, além de criar uma profunda falta de isonomia nacional: a partir da edição da súmula, apenas os trabalhadores do Espírito Santo seriam protegidos pela Convenção 158. No resto do Brasil, empregados poderiam continuar sendo dispensados de forma arbitrárias ou sem justa causa, como atualmente ocorre.

Diante disso, acertada a decisão do Tribunal capixaba em suspender os efeitos da Súmula 42 até que o STF decida sobre a constitucionalidade do Decreto 2.100 de 1996. Além de evitar a desigualdade nacional do processo de rescisão de contratos de trabalho, a suspensão também recobrou o respeito à hierarquia da suprema corte brasileira.

De toda forma, importante observar que a referida Súmula n. 42 foi editada a partir de acórdão que afirmou que o Decreto presidencial de 1196  não teria cumprido os critérios formais sobre a recepção e denúncia de tratados internacionais. Os Desembargadores argumentaram que “a aprovação e ratificação de um tratado de direitos humanos é um ato complexo, necessitando da conjugação da vontade de dois Poderes (Legislativo e Executivo), em claro respeito ao princípio da separação dos poderes”.

E aqui se nota a mais absoluta hipocrisia: ainda que bem-intencionado, o Poder Judiciário Trabalhista, não raras vezes, deixa de lado o princípio da separação de poderes e transversalmente se apodera de função legislativa. Inúmeros são os exemplos, mas citando apenas um, lembra-se da proibição da terceirização da atividade-fim, estabelecida pela Súmula 331 do Tribunal Superior do Trabalho. Como consequência, teve o Poder Legislativo que editar lei para permitir o que a lei não proibia.

Nota-se, portanto, que, ao criticar o Poder Executivo por não ter observado a separação de poderes, o Tribunal Regional do Trabalho do Espírito Santo se fez de “roto falando do rasgado”.

Mas mais do que apenas a costumeira postura legiferante que lhe agrada assumir, a hipocrisia neste caso salta aos olhos pelo fato de que a Justiça do Trabalho já havia dado seu jeito de trazer ao ordenamento jurídico brasileiro algumas disposições da Convenção 158 da OIT.

Isso porque, os artigos 13 e 14 desse tratado internacional se referem à dispensa de empregados “por motivos econômicos, tecnológicos, estruturais ou análogos”. Tais dispositivos estabelecem que, antes do encerramento de contratos de trabalho por motivos empresariais, os empregadores devem informar aos representantes dos trabalhadores (no Brasil, os sindicatos) e consultá-los sobre “medidas para atenuar as consequências adversas de todos os términos para os trabalhadores afetados”.

Alguma semelhança com o popular precedente da Embraer[1]? Recorda-se: naquele caso, o Tribunal Superior do Trabalho estabeleceu (sem que lei o fizesse) que toda dispensa coletiva deve ser precedida de uma negociação com o sindicato profissional. Não se trata de mera coincidência. Embora esse precedente tenha sido fundamentado em princípios de direito coletivo do trabalho, como o da função social da empresa, o TST tangenciou a Convenção 158 do TST, citando, em sua ementa as “Convenções OIT n. 11, 87, 98, 135, 141 e 151, ilustrativamente”. Ilustrativamente…

Hoje não mais se avergonha e inúmeras são as decisões que, embora não declarem expressamente a inconstitucionalidade do Decreto 2.100 de 1996, utilizam a Convenção 158 da OIT como um dos fundamentos para reafirmar o entendimento da Justiça do Trabalho: dispensas por motivos tecnológicos, estruturais ou econômicos do empregador devem, obrigatoriamente, ser precedidas de uma negociação com o sindicato, com o objetivo de amenizar seus impactos sociais.

Resta torcer para que o STF julgue, vez por todas, a ADI 1625 e defina se a denúncia presidencial de 1996 foi válida ou não. E, caso se decida pela sua inconstitucionalidade, clama-se para que o Congresso Nacional edite lei capaz de regulamentar a aplicação da Convenção 158 da OIT no Brasil. Afinal, há claras incompatibilidades entre o tratado internacional e a legislação brasileira que, se não solucionadas, permitirão que novas decisões justiceiras criem outras situações de insegurança jurídica e desigualdades entre trabalhadores e empresas de diferentes Estados.

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[1] Processo TST 30900-12.2009.5.15.0000

João Batista Pereira Neto - Advogado da área Trabalhista do Machado Meyer Advogados

(Notícia na íntegra)