A lei de arbitragem inglesa, o Arbitration Act 1996, passou por recentes e significativas alterações, com a promulgação do Arbitration Act 2025. Essas mudanças foram implementadas após um processo de consulta pública conduzido por uma Law Commission instituída para estudar essa reforma legislativa. A consulta contou com a participação de stakeholders importantes, como a London Court of International Arbitration. Assim como ocorreu com a reforma da Lei de Arbitragem brasileira em 2015, o objetivo dessas alterações não é promover uma revolução legislativa, mas atualizá-la para refletir as práticas modernas e solucionar problemáticas recorrentes.[1]
Essas modernizações visam refletir inovações ocorridas nos últimos 30 anos, desde que o Arbitration Act 1996 foi instituída, abordando questões como o dever de revelação dos árbitros e a lei aplicável às convenções arbitrais.[2] Outro objetivo é integrar o entendimento jurisprudencial e corrigir aspectos sensíveis que dependiam da interpretação de casos paradigmas.[3]
Neste artigo, buscamos examinar as principais alterações trazidas pelo Arbitration Act 2025 e suas possíveis interseções com a Lei de Arbitragem brasileira, além de avaliar potenciais impactos que essas mudanças podem ter nos procedimentos arbitrais nacionais em áreas que não são abordadas pela norma do país.
Principais alterações trazidas pelo Arbitration Act 2025
Uma das modificações mais importantes realizada pelo Arbitration Act 2025 é a introdução da Seção 6A, que determina que, na ausência de escolha expressa pelas partes, a lei da sede da arbitragem será aplicada à convenção arbitral.
Essa regra altera o entendimento adotado e refinado pelas principais cortes do Reino Unido nos casos Sul América[4], Enka[5] e Kebab-Ji,[6] em que se privilegiava a lei material do contrato principal para reger a convenção arbitral, a menos que houvesse indicativo em sentido contrário. Em contrapartida, a alteração alinha a legislação britânica ao entendimento de outras jurisdições relevantes, como Singapura e Suíça, aumentando a previsibilidade e segurança jurídica, o que consequentemente reforça a atratividade do Reino Unido como sede arbitral.[7]
Outra mudança relevante é do dever de revelação dos árbitros na Seção 23. O dever contínuo do árbitro (ou seja, tanto em sua nomeação quanto no curso do procedimento arbitral) de divulgar qualquer circunstância que possa levantar dúvidas justificáveis sobre sua imparcialidade passa a estar codificado na legislação britânica, novamente em linha com práticas já estabelecidas internacionalmente.[8]
Ainda em relação às prerrogativas conferidas aos árbitros, o Arbitration Act 2025 ampliou de forma significativa suas imunidades. Além de preservar a imunidade por ações ou omissões praticadas durante o procedimento arbitral, cuja responsabilização somente se admite mediante comprovação de má-fé, as alterações das Seções 24, 25 e 29 garantem:
- imunidade em relação ao pagamento de custas e despesas incorridas ao longo do procedimento, quando o árbitro renuncia ou é destituído do painel arbitral, e
- manutenção do recebimento dos honorários.
No entanto, essa imunidade pode ser afastada com a comprovação de má-fé ou quando a resignação for considerada irrazoável.[9]
O Arbitration Act 2025 também incluiu disposições específicas para árbitros de emergência, permitindo que eles emitam ordens peremptórias e busquem apoio judicial para sua execução. Isso resolve problemas anteriores de indeterminação sobre a eficácia das decisões desses árbitros e fortalece a posição britânica como centro de arbitragem internacional.[10]
Na Seção 39A, o Arbitration Act 2025 introduziu a possibilidade de os tribunais arbitrais proferirem sentenças sumárias em casos em que uma das partes não tem chances significativas de sucesso. Essa medida visa aumentar a eficiência do processo arbitral, evitando que demandas frívolas se prolonguem desnecessariamente[11] ou que essas sentenças sumárias sejam objeto de questionamento judicial.
Outro ponto de destaque nas alterações é a inclusão expressa, na Seção 44, da possibilidade de as decisões judiciais estatais proferidas em auxílio a um procedimento arbitral irradiarem efeitos diretivos sobre terceiros, embora não sejam partes da convenção de arbitragem. Cria-se, assim, um suporte mais adequado ao procedimento quando for necessário direcionar ordens a terceiros (como testemunhas ou garantidores).
Ou seja, a nova redação busca esclarecer que, dentro das medidas elencadas na Seção 44 e para salvaguardar a efetividade da arbitragem, o tribunal arbitral pode proferir uma decisão que impacte um terceiro, a partir da cooperação com o Poder Judiciário.
Por fim, as recentes alterações introduzidas nas Seções 32 e 67 do Arbitration Act 2025 reforçam de modo significativo o princípio da kompetenz-kompetenz e redefinem o alcance da intervenção judicial em matérias arbitrais.
Na Seção 32, preservou-se a possibilidade de o Judiciário acabar com a controvérsia preliminarmente, quando estiver em discussão a existência de jurisdição material do tribunal arbitral. Para isso, é preciso haver consenso entre as partes ou concordância do tribunal arbitral. Entretanto, a nova Subseção 1A estabelece que essa prerrogativa não poderá ser exercida se o próprio tribunal arbitral já houver decidido sobre a mesma questão. O legislador, assim, prestigia a autonomia da arbitragem ao limitar a intervenção judicial.
A reforma da Seção 67, por sua vez, amplia o rol de fundamentos e de medidas cabíveis no âmbito de “challenge” à sentença arbitral: além da anulação, da modificação ou da confirmação do laudo, a corte passa expressamente a poder remeter a decisão, total ou parcialmente, ao árbitro ou ao tribunal arbitral para reconsideração.
Esse reenvio ao tribunal arbitral transforma-se na resposta preferencial, salvo se o juiz demonstrar, de forma motivada, que a remissão seria inapropriada, preservando-se, assim, a hierarquia de decisões e a coerência sistêmica do procedimento arbitral.
Possíveis interseções com a Lei de Arbitragem brasileira e potenciais impactos nos procedimentos arbitrais nacionais
De maneira não intencional, o Arbitration Act 2025 abordou questões não tratadas pela Lei de Arbitragem brasileira, mesmo após sua reforma em 2015. Isso (provavelmente) se deve ao fato do lapso temporal de dez anos entre as mais recentes reformas dessas duas legislações, somado à maturidade do procedimento arbitral inglês e à opção legislativa brasileira por uma lei mais sucinta.
Sem qualquer demérito à legislação brasileira, a comparação visa destacar atualizações que poderiam ser implementadas no Brasil para garantir (ainda mais) segurança jurídica ao procedimento arbitral.
Um exemplo disso é que a Lei de Arbitragem brasileira permite às partes escolherem a lei aplicável à convenção arbitral (artigo 2º, parágrafos 1º e 2º, da Lei de Arbitragem Brasileira), mas não especifica o que ocorre na ausência de escolha expressa, ficando a cargo do Poder Judiciário definir qual das múltiplas teorias sobre o tema deve ser aplicada.
O Arbitration Act 2025 solucionou a mesma dúvida que pairava no ordenamento jurídico britânico e determinou que a lei da sede da arbitragem será aplicada à convenção arbitral, na ausência de escolha expressa. Essa disposição traz previsibilidade às partes e segurança jurídica ao procedimento, além de assegurar alinhamento ao entendimento majoritário em arbitragem internacional.
Outra interseção relevante é o dever de revelação dos árbitros. A Lei de Arbitragem brasileira já exige que os árbitros sejam imparciais e independentes, mas não prevê o dever contínuo de revelação, como faz a Seção 23 do Arbitration Act 2025. No ordenamento jurídico brasileiro, é preciso recorrer à jurisprudência ou a soft law para que essa conclusão seja alcançada.
A introdução de sentenças sumárias, tal como feito no Arbitration Act 2025, também pode ter impactos importantes nos procedimentos arbitrais nacionais.
A Lei de Arbitragem brasileira não prevê explicitamente a possibilidade de rejeição sumária de demandas frívolas, o que amplia o receio de árbitros de que sentenças sumárias sofram questionamentos relacionados ao exercício da ampla defesa, o que leva a procedimentos mais longos e custosos.
Assim, a adoção de uma disposição semelhante à Seção 39A na legislação brasileira poderia aumentar a segurança de árbitros para decidirem sumariamente casos descabidos, ampliando a eficiência e reduzindo custos das arbitragens no Brasil.
A Lei de Arbitragem brasileira não contém dispositivos que ampliem a imunidade dos árbitros em relação à sua responsabilização por atos ou omissões durante o procedimento, como fez o Arbitration Act 2025, nem seu impacto nas custas processuais. No entanto, pode-se correlacionar as hipóteses de responsabilização do árbitro com as do juiz togado, conforme o artigo 143 do Código de Processo Civil, devido à equiparação estabelecida no artigo 18 da Lei de Arbitragem brasileira. Dessa forma, não se vislumbra a necessidade de modificação da legislação brasileira nesse aspecto.
Em relação à inclusão da possibilidade de o tribunal arbitral proferir decisões que tenham impactos sobre terceiros, nota-se aqui um procedimento de cooperação entre a esfera judicial e a arbitral, semelhante ao já apresentado pela Lei de Arbitragem brasileira com o instituto da carta arbitral.
Entretanto, destaca-se que o Arbitration Act 2025 adota procedimento de enunciar quais são as hipóteses de cooperação (Seção 44), enquanto a legislação brasileira (artigo 22-C) optou por dinâmica simplificada, que prevê genericamente a possibilidade de cooperação, cujos limites podem ser estipulados pela jurisprudência com base em casos concretos. Isso parece salutar, já que permite que cenários não antevistos sejam abarcados, dispensando constantes reformas legislativas.
As disposições sobre a relação entre cortes judiciais e arbitrais no controle da arbitrabilidade não apresentam correspondência com a Lei de Arbitragem brasileira, mas não se vislumbra benefício na incorporação desse mecanismo ao ordenamento jurídico nacional, pois poderia gerar mais confusão do que benefícios.
O ordenamento jurídico britânico tem contrapesos para frear o uso indistinto desse mecanismo, como a necessidade de concordância entre as partes ou a anuência do tribunal arbitral, além da maior dificuldade de judicialização de disputas, comparativamente ao ordenamento brasileiro. Entende-se que aqui a possibilidade restrita de intervenção estatal é mais benéfica ao contexto judicial nacional e não deveria ser ampliada.
Em relação às hipóteses de nulidade da sentença arbitral e das medidas que devem ser tomadas pelo Judiciário nesses casos, as legislações apresentam semelhanças, mas seguem caminhos distintos. A Lei de Arbitragem brasileira restringe mais as ações do Judiciário, enquanto o Arbitration Act 2025 detalha e amplia as opções de atuação judicial.
Essa diferença reflete uma escolha legislativa brasileira, que optou por menor detalhamento e delega ao tribunal arbitral a prolação de uma nova sentença inteira em caso de nulidade – ou seja, outra escolha legislativa de menor intervenção estatal.
Em contrapartida, a lei inglesa concede maior abrangência na correção de nulidades em sentenças arbitrais, permitindo que o Judiciário indique qual capítulo deve ser corrigido. Novamente, talvez esse mecanismo funcione bem no contexto britânico, mas no Brasil essa ampliação das possibilidades poderia transformar o Poder Judiciário em instância recursal para as sentenças arbitrais.
Finalmente, a inclusão de disposições específicas para árbitros de emergência no Arbitration Act 2025 também poderia servir de inspiração para a Lei de Arbitragem brasileira, que atualmente não aborda a figura desse árbitro. A previsão fica a cargo das instituições arbitrais, e não raras vezes gera, em partes formalistas (como os membros da administração pública), receio de se valer do mecanismo. Com isso, acabam socorrendo-se do Poder Judiciário para medidas urgentes e até mesmo afastando a possibilidade do árbitro de emergência nas cláusulas e compromissos arbitrais.
A regulamentação dessa figura do árbitro de emergência, portanto, poderia ampliar a proteção dos interesses das partes envolvidas que optam pela arbitragem de emergência, reduzindo a duplicidade de jurisdições (isto é, Poder Judiciário para análise de questões emergenciais e Tribunal Arbitral para exame do mérito).
Conclusão
O Arbitration Act 2025 representa uma evolução necessária da legislação arbitral britânica, modernizando-a e alinhando-a às melhores práticas internacionais. Essas mudanças não apenas aumentam a eficiência e a previsibilidade dos procedimentos arbitrais, mas também reforçam a posição já consolidada do Reino Unido como um dos principais centros de arbitragem do mundo.
A constatação de que algumas dessas previsões estão ausentes na Lei de Arbitragem brasileira traz algumas revelações. A primeira delas refere-se à importância de continuar evoluindo a legislação arbitral brasileira: adoção de algumas das inovações do Arbitration Act 2025 poderia fortalecer ainda mais o ambiente arbitral no Brasil, promovendo um sistema mais eficiente, transparente e alinhado com as práticas internacionais.
Por outro lado, há inovações nitidamente incompatíveis com a prática e a cultura judicial brasileira, além de outras que destoam da escolha legislativa brasileira por uma lei de arbitragem mais concisa, sendo preciso senso crítico para avaliar bem o que pode ser incorporado.
Essa crítica é relevante considerando, ainda, ser prática comum em arbitragem internacional que, diante de ausência de previsão legal específica em determinada legislação, o julgador se valha da prática internacional, inclusive das previsões legais contidas nos principais centros arbitrais, para integração da norma por analogia.
Dessa forma, a legislação britânica poderá influenciar o entendimento nacional em temas normatizados pelo Arbitration Act 2025 que não são tratados na Lei de Arbitragem brasileira. Isso deve ser feito considerando-se não apenas o que é salutar incorporar por analogia, mas também o que é incompatível ou indesejado para o ordenamento nacional.
[1] WilmerHale. Evolution Not Revolution: Key Practical Implications of the New Arbitration Act 2025.
[2] Reed Smith. Key changes introduced by the Arbitration Act 2025: (3) new rule to determine governing law of arbitration agreement.
[3] WilmerHale. Evolution Not Revolution: Key Practical Implications of the New Arbitration Act 2025.
[4] Sulamérica Cia. Nacional De Seguros and others v. Enesa Engenharia and others [2012] EWHC 42.
[5] Enka v Chubb [2020] UKSC 38.
[6] Kabab-Ji SAL (Lebanon) v Kout Food Group (Kuwait) [2020] EWCA Civ 6.
[7] Reed Smith. Key changes introduced by the Arbitration Act 2025: (3) new rule to determine governing law of arbitration agreement.
[8] Reed Smith. Key changes introduced by the Arbitration Act 2025: (5) Arbitrators' immunity and duty of disclosure.
[9] Law Comission. Revier of the Arbitration Act 1996: Final report and Bill. 6 set. 2024.
[10] WilmerHale. Evolution Not Revolution: Key Practical Implications of the New Arbitration Act 2025.
[11] Reed Smith. Key changes introduced by the Arbitration Act 2025: (2) summary disposal of issues.