A Controladoria-Geral da União (CGU) publicou, em 10 de setembro, a Portaria 3.032 com enunciados que esclarecem a aplicação da Lei 12.846/13 (Lei Anticorrupção), oferecendo parâmetros oficiais para temas que geravam insegurança jurídica. O objetivo é harmonizar entendimentos, padronizar a atuação dos órgãos de controle e fornecer diretrizes claras às empresas que interagem com agentes públicos. 

Entre os pontos mais relevantes estão os enunciados 5 e 6, que tratam de brindes, presentes e hospitalidades. O Enunciado 5 confirma que a oferta de brindes e hospitalidades dentro dos limites do Decreto 10.889/21 não configura ilícito administrativo. Isso consolida a prática já adotada pelo mercado e aumenta a segurança jurídica ao alinhar a conduta empresarial com o entendimento da própria CGU. 

O Enunciado 6, por sua vez, estabelece que convites para shows, jogos ou eventos de entretenimento oferecidos a agentes públicos são ilícitos, a não ser que sigam parâmetros específicos do Decreto 10.889/21. O convite deve ser institucional, enviado à autoridade máxima do órgão público, que designará formalmente o representante e assim por diante.

A seguir, apresentamos um breve histórico sobre as questões tratadas nos enunciados 5 e 6 e detalhamos os efeitos das novas diretrizes da CGU sobre esses aspectos.

O dilema histórico dos brindes e hospitalidades


Desde a promulgação da Lei Anticorrupção, um dos maiores desafios enfrentados por pessoas jurídicas foi compreender até onde poderiam ir em suas interações institucionais sem correr o risco de ver caracterizada uma vantagem indevida aos olhos das autoridades. O artigo 5º, inciso I, da Lei Anticorrupção tipifica como infração administrativa “prometer, oferecer ou dar, direta ou indiretamente, vantagem indevida a agente público”. Entretanto, o texto legal nunca definiu o que se entende por vantagem indevida, abrindo espaço para diversas interpretações.

Essa falta de parâmetros claros gerou duas consequências práticas. Em primeiro lugar, muitas empresas optaram por adotar políticas internas excessivamente restritivas, proibindo inclusive a entrega de itens de valor meramente simbólico ou institucional, como calendários, canetas ou garrafas de água personalizadas. Em segundo lugar, empresas que tentaram construir políticas mais flexíveis acabavam confrontadas com um ambiente de insegurança jurídica, em que interpretações mais rigorosas poderiam, em tese, enquadrar qualquer benefício, por mais singelo que fosse, como indevido.

Não é por acaso que esse tema se tornou objeto de consultas constantes aos departamentos jurídicos e de compliance. Diante da ausência de clareza, cada companhia buscava criar suas próprias balizas internas, frequentemente em níveis mais restritivos do que a realidade prática exigia, mas quase sempre estruturados em um equilíbrio entre a rigidez e a flexibilidade, conforme seu apetite de risco, e menos no que a legislação poderia permitir ou proibir.

Essa falta de uniformidade não apenas dificultava a interação legítima com autoridades públicas, como também criava um risco reputacional: o simples oferecimento de um brinde poderia ser interpretado, de modo desproporcional, como tentativa de corrupção.

O papel do Decreto 10.889/21


Nesse contexto, o Decreto 10.889/21, aplicável ao Poder Executivo federal, sempre foi considerado um paradigma importante. Embora destinado a disciplinar o que servidores públicos federais poderiam ou não receber, na prática ele passou a servir como referência para o setor privado: se o decreto permitia determinado recebimento por parte do agente público, concluía-se que a empresa poderia oferecer aquilo com menor risco de questionamento.

Assim, ainda que o decreto não se aplicasse diretamente às empresas, ele funcionava como uma espécie de guia de razoabilidade. Escritórios de advocacia e áreas de compliance recomendavam que brindes e hospitalidades fossem avaliados com base nas permissões e proibições trazidas por essa norma. O raciocínio era simples: se o agente público estava autorizado a receber, a oferta por parte da empresa não poderia ser considerada ilícita; se a norma proíbe, aumenta o risco de responsabilização.

O Enunciado 5: segurança ampliada


Com a publicação dos enunciados, a CGU deu um passo relevante ao consolidar esse entendimento de forma expressa. O Enunciado 5 estabelece que não se configura ilícito, de acordo com a Lei Anticorrupção, a oferta de brindes ou hospitalidades dentro dos parâmetros do Decreto 10.889/21.

Esse ponto é de grande importância prática. Na medida em que o órgão central de aplicação da lei confirma a linha interpretativa que já vinha sendo utilizada pelo mercado, as empresas ganham um nível adicional de segurança jurídica. O que antes era uma recomendação técnica ou uma interpretação de especialistas passa a ser uma diretriz oficial da própria CGU.

Em outras palavras, o Enunciado 5 representa a consolidação de uma prática que já estava difundida, mas agora com a chancela do órgão responsável pela aplicação da Lei Anticorrupção. Isso confere às empresas tranquilidade para interações legítimas, reduzindo a insegurança que por anos marcou esse debate.

O Enunciado 6: limites claros para convites a eventos


Se o Enunciado 5 trouxe conforto, o Enunciado 6 impõe limites claros a práticas que ainda geravam divergência. Segundo ele, a oferta ou convite de empresas para que agentes públicos assistam a shows, jogos ou eventos de entretenimento configuram violação do inciso I do artigo 5º da Lei Anticorrupção, salvo se respeitarem os parâmetros do Decreto 10.889/21.

O decreto, nesse ponto, é categórico: convites dessa natureza só podem ser aceitos em caráter de representação institucional. Isso significa que não é admissível convidar diretamente o agente público em sua esfera pessoal. O convite deve ser encaminhado ao órgão, dirigido à sua autoridade máxima, e caberá a esta designar formalmente quem o representará.

Esse detalhe, muitas vezes negligenciado, faz toda a diferença. Enviar ingressos diretamente a um agente público específico, mesmo que para evento cultural ou esportivo de baixo valor, passa a ser risco concreto de responsabilização administrativa. A exigência de formalidade e institucionalidade se transforma em um divisor de águas entre uma prática legítima e um ilícito administrativo.

Reflexos para além do Executivo federal


Embora o Decreto 10.889/21 se aplique apenas ao Poder Executivo federal, a matriz de raciocínio explicitada nos Enunciados 5 e 6 tende a irradiar efeitos para outras esferas da Administração Pública. Estados, municípios e outros poderes da União poderão manter normas próprias, mas é inegável que a interpretação oficial da CGU servirá como parâmetro para órgãos de controle em geral.

Isso significa que empresas que adotarem políticas alinhadas a esses enunciados estarão não apenas em conformidade com o Executivo federal, mas também mais bem posicionadas para sustentar a legitimidade de suas práticas perante outros entes e poderes. Trata-se de um verdadeiro farol interpretativo que deve orientar o setor privado como um todo.

Conclusão: mais previsibilidade, menos risco


A publicação dos enunciados pela CGU representa um marco importante na consolidação da aplicação da Lei Anticorrupção. Ao tratar de temas práticos e sensíveis como brindes, presentes e convites a eventos, a CGU não apenas reduz a insegurança jurídica que por anos permeou a atuação empresarial, mas também sinaliza com clareza o que considera aceitável e o que considera ilícito.

Para as empresas, o desafio agora é duplo. De um lado, aproveitar a segurança conferida pelo Enunciado 5, estruturando políticas internas que permitam interações legítimas com agentes públicos dentro dos parâmetros legais. De outro, reforçar controles, processos e avaliar suas políticas para evitar práticas que, considerando o Enunciado 6, representam risco concreto de responsabilização.

Mais do que nunca, será fundamental rever e revisar políticas de compliance, atualizar códigos de conduta e treinar equipes que mantêm contato com o setor público. O novo cenário não elimina riscos, mas oferece um guia mais claro para mitigá-los, fortalecendo a integridade corporativa e a previsibilidade na aplicação da lei.

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