O Tribunal Administrativo do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) aprovou, no último dia 5 de setembro, a Resolução nº 21/2018, que disciplina o acesso a documentos e informações sensíveis produzidos em processos administrativos para investigar infrações à Lei de Defesa da Concorrência (Lei nº 12.529/2011).

O acesso a esse material foi objeto de debates acalorados diante da existência de dois interesses conflitantes, porém legítimos, que deveriam ser ponderados pelo Cade. O primeiro deles, a necessidade de preservar a atratividade de seus programas de colaboração premiada – acordos de leniência e termos de compromisso de cessação (TCC) – que se tornaram os pilares da persecução pública de infrações concorrenciais (public enforcement). O segundo, a necessidade de fomentar ações privadas de reparação de danos por infrações concorrenciais (ACRDC) perante os tribunais brasileiros e facilitar o ressarcimento das partes lesadas (private enforcement).

Com a Resolução nº 21/2018, o Cade procurou conciliar esses dois interesses e regulamentar o nível de sigilo a ser concedido a documentos e informações sensíveis ao longo das fases da investigação antitruste.

Durante a negociação e celebração de acordos de leniência e TCC, a nova norma manteve o sigilo do processo de negociação e dos documentos e informações fornecidos pelas partes (inclusive no caso de desistência da proposta), que serão acessados apenas pelos envolvidos e pelas pessoas autorizadas pelo Cade. Evita-se, assim, que se frustre de plano a tentativa de cooperação entre infrator e autoridade.

Após o início do processo administrativo, o Cade disponibilizará para qualquer interessado apenas as versões públicas da nota técnica de instauração e, posteriormente, da nota técnica de conclusão da investigação da superintendência-geral do órgão. Essas notas indicarão os nomes das empresas e indivíduos investigados, a conduta ilícita imputada, o resumo dos fatos a serem apurados e o seu enquadramento legal, mas não devem trazer detalhes adicionais sobre o caso nem transcrição de provas documentais.

Documentos e informações ultrassensíveis, como material de caráter autoacusatório oriundo de acordos de leniência e TCC, frustrados ou celebrados, inclusive o histórico da conduta (documento que descreve pormenorizadamente a infração e seus participantes); provas documentais produzidas no contexto de acordos de leniência ou TCC; segredos industriais; documentos e informações protegidos por sigilo legal e documentos cuja divulgação possa representar vantagem competitiva a outros agentes econômicos serão mantidos em apartado de acesso restrito apenas aos investigados, que somente poderão utilizá-los para exercer seu direito de defesa perante o Cade. Excepcionalmente, terceiros com interesses legítimos poderão ter acesso a tais documentos e informações em casos de expressa determinação legal; decisão judicial específica; autorização do signatário do acordo de leniência ou do compromissário do TCC; e cooperação jurídica internacional.

Demais documentos e informações não abrangidos pelas restrições acima, inclusive a identidade dos signatários de acordos de leniência, serão disponibilizados a terceiros após a decisão final sobre o processo administrativo pelo plenário do tribunal do Cade.

Na prática, a balança do Cade pende para o public enforcement. Aqueles que buscam o ressarcimento dos danos causados por cartel ou outras infrações antitruste ainda precisam obter decisão judicial específica para ter acesso aos documentos e informações que podem evidenciar o ato ilícito. Além disso, a resolução dispõe que a procuradoria do Cade deve intervir em feitos que envolvam o acesso aos documentos e informações ultrassensíveis e até mesmo requerer a suspensão daqueles feitos que possam comprometer a política de atuação do órgão antitruste.

Por outro lado, na tentativa de equilibrar o jogo, a resolução estabelece que a comprovação de ressarcimento de danos pelo infrator será tratada pelo Cade como circunstância atenuante no cálculo da multa ou da contribuição pecuniária sob TCC. O Cade não detalhou, contudo, como isso afetará esse cálculo na prática.