A arbitragem é o método de solução de disputas fundado na autonomia das partes, que escolhem se submeter à atividade jurisdicional privada, e não ao Judiciário estatal. As vantagens comumente associadas à arbitragem são várias, como maior celeridade, flexibilidade do procedimento, possibilidade de decisões mais técnicas e confidencialidade. O método é considerado mais adequado para disputas envolvendo relações contratuais complexas e valores expressivos, mas pode ser utilizado para quaisquer litígios relacionados a direitos patrimoniais disponíveis.[1]

No direito societário, a maior utilização da arbitragem decorreu sobretudo da reforma da Lei das Sociedades por Ações, por meio da Lei Federal nº 10.303/01, que incluiu o parágrafo terceiro ao art. 109.[2] Isso permitiu expressamente a inclusão de cláusula compromissória no estatuto social das companhias. Outro fator foi a adesão à arbitragem obrigatória pela Câmara de Arbitragem do Mercado para as companhias abertas nos segmentos especiais de listagem da B3, incluindo o Novo Mercado.[3]

Embora a confidencialidade da arbitragem não decorra de lei,[4] mas sim da escolha das partes e/ou de previsões nos regulamentos das câmaras de arbitragem, na prática, é extremamente comum que os procedimentos tramitem de forma confidencial. Isso resulta em discussões e decisões não acessíveis ao público em geral ou a qualquer pessoa que não seja parte da disputa diretamente. Como consequência, o desconhecimento a respeito da arbitragem poderia, no âmbito do mercado de capitais, impactar o exercício de direitos por acionistas e investidores.

Com o objetivo de aperfeiçoar os mecanismos de proteção de investidores e acionistas minoritários, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), em parceria com o então Ministério da Fazenda, com o apoio financeiro do Prosperity Fund do Reino Unido e o suporte técnico do Comitê de Governança Corporativa da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), formou um grupo de trabalho para estudar medidas de melhoria dos mecanismos de “enforcement privado” no mercado de capitais brasileiro. O relatório final foi publicado em novembro de 2020.

Entre as diversas recomendações do grupo de trabalho, a confidencialidade dos procedimentos arbitrais foi um tema de destaque, tendo em vista a preocupação com o possível cerceamento do exercício de direitos por acionistas e investidores que poderiam se interessar em participar dos procedimentos arbitrais ou ter conhecimento das matérias discutidas e seus desfechos.

Buscando solucionar a questão, a CVM publicou o Edital de Audiência Pública SDM n° 01/21[5] para alterar a Instrução CVM n° 480/09, criando um dever de comunicação sobre demandas societárias. A instrução dispõe sobre o registro de emissores de valores e contém diversas regras aplicáveis às companhias abertas, incluindo as relacionadas aos deveres informacionais periódicos e eventuais.

Nos termos da proposta, demandas societárias são os processos judiciais ou arbitrais:

  • que envolvam a legislação societária e do mercado de valores mobiliários, incluindo normas da CVM;
  • em que o emissor, seus acionistas controladores ou seus administradores figurem como partes; e
  • que envolvam direitos ou interesses difusos, coletivos ou individuais homogêneos ou nas quais possa ser proferida decisão cujos efeitos possam atingir a esfera jurídica da companhia ou de outros titulares de valores mobiliários que não sejam parte do processo.

Como exemplo, o anexo menciona as ações de anulação de deliberação social, de responsabilidade de administradores e controladores. Em relação a tais demandas societárias, a companhia emissora deveria divulgar, em resumo:

  • notícia sobre a instauração, indicando as partes, os valores, bens ou direitos envolvidos, principais fatos e pedido ou provimento pleiteado;
  • no caso de processo judicial, eventuais decisões provisórias (de deferimento ou indeferimento) e resultado de julgamentos de mérito em qualquer instância;
  • no caso de arbitragem, decisões provisórias (concedidas ou denegadas), decisões sobre jurisdição dos árbitros (positiva ou negativa), decisões sobre impugnação de árbitros (acolhendo ou rejeitando) e resultado de sentenças de mérito; e
  • qualquer proposta de acordo ou qualquer acordo celebrado no curso da demanda.

A audiência pública ficou aberta para contribuições até meados de abril e, ao todo, foram apresentadas 18 manifestações pela comunidade jurídica, incluindo advogados, associações, câmaras arbitrais e outros.

Entre as contribuições, alguns aspectos processuais relativos à aplicação do novo normativo foram comentados, como:

  • a previsão de um período de vacatio legis para melhor adequação dos emissores e mesmo de câmaras arbitrais; e
  • a necessidade de uma regra de transição para as demandas em andamento.

No mérito, as contribuições foram bastante variadas, incluindo comentários sobre a definição das demandas societárias e o conteúdo de divulgação obrigatória. Dentre os temas mais recorrentes – e mais polêmicos – destaca-se a divulgação de propostas de acordo e de decisões sobre impugnação dos árbitros.

Atualmente, a audiência está em análise pela CVM e há diversas sugestões relevantes a serem consideradas pela autarquia. A iniciativa de atualizar as disposições envolvendo o dever de revelação em disputas societárias é salutar, além de louvável o amplo envolvimento da comunidade jurídica nos debates sobre o tema. Espera-se, agora, que o resultado do trabalho cumpra o objetivo proposto e seja positivo para o mercado de capitais brasileiro e para a arbitragem.

 


[1] Lei nº 9.307/96, Art. 1º - As pessoas capazes de contratar poderão valer-se da arbitragem para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis.

[2] Lei nº 6.404/76 – Art. 9º, §3º - O estatuto da sociedade pode estabelecer que as divergências entre os acionistas e a companhia, ou entre os acionistas controladores e os acionistas minoritários, poderão ser solucionadas mediante arbitragem, nos termos em que especificar.

[3] As companhias listadas nos segmentos Nível 2, Bovespa Mais e Bovespa Mais Nível 2 também estão sujeitas a arbitragem estatutária obrigatória.

[4]  Embora a Lei de Arbitragem preveja que os árbitros devam atuar com discrição (art. 13, §6º), não há qualquer previsão na mesma lei de que a confidencialidade seja regra.

[5] Disponível em http://conteudo.cvm.gov.br/audiencias_publicas/ap_sdm/2021/sdm0121.html