Em 8 de outubro de 2025, foi publicado no Diário Oficial da União (DOU) o Decreto nº 12.651/25, que regulamenta a Lei nº 14.874/24 (Lei de Pesquisas com Seres Humanos) e institui o Sistema Nacional de Ética em Pesquisa com Seres Humanos.
A Lei de Pesquisas com Seres Humanos, vigente desde 26 de agosto de 2024, foi editada com objetivo de fornecer segurança jurídica ao tema, bem como regulamentar e fiscalizar instituições públicas e privadas que realizam pesquisa com seres humanos no Brasil (clique aqui para conferir materiais anteriores).
Até então, o Brasil já contava com um sistema de pesquisa clínica estruturado – mas sem lastro legal, pois era tratado apenas em atos infralegais do Conselho Nacional de Saúde (CNS), da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep) e de comitês de ética em pesquisa (CEPs) estabelecidos em hospitais, centros de pesquisa e instituições acadêmicas.
O Decreto nº 12.651/25 é aplicável às pesquisas que envolvam seres humanos, de forma individual ou coletiva, incluídas aquelas que utilizem dados pessoais, informações sensíveis ou material biológico.
Atuação da INEP no Sistema Nacional de Ética em Pesquisa com Seres Humanos (SNEP)
Em linha com a redação já prevista na Lei de Pesquisas com Seres Humanos, o decreto estabelece que a Instância Nacional de Ética em Pesquisa (INEP) é um órgão colegiado do Ministério da Saúde, que possui natureza consultiva, deliberativa, normativa, fiscalizadora e educativa.
Suas atribuições abrangem a normatização e avaliação do Sistema Nacional de Ética em Pesquisa com Seres Humanos (SNEP), o credenciamento e fiscalização de CEPs, a capacitação de membros e atuação como instância recursal.
Sua composição contará com 33 membros titulares e suplentes:
- 6 representantes do Ministério da Saúde (MS);
- 6 representantes do CNS;
- 2 representantes do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI);
- 1 representante do Ministério da Educação;
- 1 representante da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa);
- representantes do Conselho Nacional das Fundações Estaduais de Amparo à Pesquisa; e
- 15 especialistas em ética em pesquisa com seres humanos, que serão escolhidos por meio de processo seletivo e devem ter formação acadêmica com nível de doutorado ou experiência profissional mínima de 10 anos.
O quórum de reunião e de aprovações pela INEP será de maioria absoluta, competindo ao coordenador o voto de qualidade em caso de empate sobre as deliberações. A Conep continuará atuando como instância recursal até que os membros da INEP tomem posse.
A norma também estabelece que o SNEP poderá instituir câmaras consultivas para promover o diálogo com a sociedade e diversos setores sobre a regulação ética. Também poderá formar grupos técnicos de caráter consultivo para apoiar o credenciamento, acreditação e supervisão dos Comitês de Ética em Pesquisa (CEPs), envolvendo especialistas e representantes para realizar auditorias, emitir relatórios e avaliar a conformidade das instituições.
Plataforma Eletrônica Integrada
O Ministério da Saúde (MS) deverá manter uma Plataforma Eletrônica Integrada (PEI) para cadastro, protocolo, informação e análise de pesquisas com seres humanos, possibilitando o registro nacional das pesquisas clínicas e dos voluntários de estudos clínicos de fase I, bem como a submissão de pesquisas:
- voltadas ao registro, ao monitoramento e às alterações pós-registro de medicamentos e dispositivos médicos;
- sem finalidade imediata de regularização sanitária no Brasil; e
- que envolvam seres humanos.
Dentre os objetivos da plataforma, destacam-se:
- o cadastro de pesquisas realizadas no Brasil, das instituições e dos centros de pesquisa;
- a adoção de sistema único para peticionamento, submissão de documentos, avaliação e acompanhamento eletrônico das submissões; e
- o recebimento, armazenamento e a organização dos dados referentes às pesquisas conduzidas no Brasil.
Não há prazo estabelecido para construção nem lançamento da PEI pelo MS.
Atuação dos CEPs
Os Comitês de Ética em Pesquisa (CEPs) são responsáveis por conduzir e deliberar sobre análises éticas e monitorar pesquisas com seres humanos, além de possuírem caráter consultivo.
De acordo com a Lei de Pesquisas com Seres Humanos e o novo decreto, os CEPs são classificados de 2 formas, considerando a complexidade das análises éticas que realizam e o grau de risco envolvido nas pesquisas:
CEP Credenciado | CEP Acreditado |
Instância para análise ética das pesquisas de risco baixo e moderado | Instância para análise ética das pesquisas de risco baixo, moderado e elevado |
Depende de ato formal da INEP para atuação no SNEP | Depende de avaliação prévia da INEP quanto à capacidade técnica e operacional do CEP, podendo incluir inspeção presencial ou remota |
A classificação do risco em pesquisas com seres humanos deverá considerar riscos e os benefícios à saúde, à segurança, à dignidade e ao bem-estar dos participantes de pesquisa, em equilíbrio com o interesse legítimo de avanço do conhecimento científico. O Decreto também prevê os seguintes critérios exemplificativos:
- natureza da intervenção ou do procedimento adotado na pesquisa;
- grau de invasividade e o potencial de dano ao participante;
- população envolvida, com atenção a grupos em situação de vulnerabilidade;
- uso de tecnologias emergentes, dados sensíveis ou inteligência artificial em saúde;
- grau de incerteza científica quanto aos efeitos do objeto de estudo;
- existência de benefícios diretos da pesquisa ao participante e à coletividade;
- complexidade do desenho do estudo;
- estágio de desenvolvimento clínico do produto ou da tecnologia avaliada; e
- pesquisa clínica em caráter multicêntrico ou internacional.
Próximos Passos
Além disso, o decreto instituiu um grupo de trabalho temporário (GT), por meio da Secretaria de Ciência, Tecnologia e Inovação e do CEIS do MS, para subsidiar a elaboração de procedimentos complementares e regulamentos relativos ao funcionamento da INEP e à implementação do SNEP. O GT terá sua composição definida por ato próprio e duração de até 6 meses, devendo apresentar propostas de diretrizes e minutas de atos normativos, além de um relatório final.
Dentre os itens que dependem de regulamentação, destacam-se:
- Regimento interno da INEP;
- Critérios, requisitos e procedimentos para concessão, renovação, revisão, suspensão e cancelamento da acreditação pela INEP;
- Diretrizes complementares para elaboração, apresentação e análise ética do plano e do programa de fornecimento pós-estudo;
- Plano de acompanhamento e assistência aos participantes de ensaio clínico descontinuado;
- Pesquisa que envolva grupos especiais de seres humanos (e.g. crianças e adolescentes, gestantes e lactantes, povos indígenas e comunidades quilombolas, pessoas privadas de liberdade, e pessoas com deficiência que comprometam o consentimento);
- Biobanco e o biorrepositório;
- Pesquisas em ciências humanas e sociais.
Vale notar que, de acordo com a norma publicada, as normas do CNS permanecem válidas até a publicação de regulações por parte da INEP, desde que não contrariem a Lei de Pesquisas com Seres Humanos e o decreto.
ADI 7875
Em 16 de setembro de 2025, a Sociedade Brasileira de Bioética ajuizou Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 7875) perante o Supremo Tribunal Federal (STF), buscando a declaração de inconstitucionalidade de alguns artigos da Lei de Pesquisa com Seres Humanos, incluindo:
- Dispositivos sobre a criação/atribuições da INEP e sua vinculação com o MS;
- Regras de fornecimento pós-estudo. Solicita liminarmente que, até o julgamento do mérito da ADI e eventual incorporação pela CONITEC/SUS, o patrocinador mantenha o fornecimento contínuo do tratamento aos participantes que dele necessitem. Ou seja, que patrocinadores não possam aplicar as hipóteses de interrupção do fornecimento pós-estudo, atualmente previstas nos incisos IV, V, VI e VII do art. 33;
- Interpretação sobre participação social em análises éticas. Requer a participação da comunidade, por meio do CNS e da CONEP, em todos os níveis da governança ética em pesquisa, com caráter deliberativo e abrangente, na formulação, fiscalização e acompanhamento das regras e do próprio desenvolvimento da pesquisa clínica com seres humanos;
- Eficácia do artigo que permite a inclusão de sujeitos de pesquisa em situação de emergência e sem o seu consentimento prévio; e
- Corresponsabilidade entre entes da pesquisa para condução do protocolo e assistência integral aos participantes. Pretende excluir qualquer interpretação que transfira ao SUS ou para instituições públicas não patrocinadoras a responsabilidade financeira por assistência integral/indenizações decorrentes da pesquisa sem a prévia estimativa de impacto orçamentário e sem vínculo de patrocinador público; ou, subsidiariamente, conferir interpretação para fixar a responsabilidade primária do patrocinador.
A ADI 7875 está sob relatoria do Min. Cristiano Zanin.
Projeto de Lei
Atualmente, tramita perante a Câmara dos Deputados o PL nº 4.172/24, que busca alterar a Lei de Pesquisa com Seres Humanos para excetuar a vedação de remuneração do participante no caso de pesquisas de ciências humanas e sociais que envolvam risco mínimo e que não incluam intervenções médicas. O projeto aguarda ser pautado na Comissão de Saúde.
A prática de Life sciences e saúde pode fornecer mais informações sobre o tema.