A preparação de uma empresa para ingressar no mercado de valores mobiliários requer muito além do pedido de abertura de capital. Cada vez mais ocorrem operações entre empresas familiares de médio porte para a formação de uma única companhia com administração executiva profissional.

São grandes as mudanças na vida da sociedade e pequeno o prazo para que seus sócios fundadores possam se acostumar ao novo formato de governança. Essas operações requerem um bom modelo de reestruturação societária ou de aquisição e, sobretudo, um acordo de acionistas que garanta, ao mesmo tempo, a preservação do relacionamento entre os membros do grupo de controle e a transparência no seu exercício.

O acordo entre os acionistas do grupo de controle deve estabelecer uma sólida relação entre seus membros sem comprometer a condução dos negócios da companhia e a sua administração. Prever rápidas alternativas para situações de conflitos e formas práticas de solucionar impasses evita desgastes futuros entre os acionistas que acabam por fazer a companhia perder valor.

A nova estrutura deve respeitar o negócio e a sua origem, visar o profissionalismo, as oportunidades de crescimento e de potencial de lucro para conquistar a confiança dos investidores. Depois do momento de (re)criação da sociedade, com novos sócios que não mais se vinculam somente por laços familiares, mas por um acordo de acionistas, vem o trabalhoso processo de abertura de capital e, em seguida, de emissão pública das ações. Cumprido esse processo, chega o momento de finalmente lidar com as regras da lei societária e das intermináveis normas aplicáveis às companhias abertas.

Por exemplo, após a concessão do registro de companhia aberta, a companhia deve, dentre outras obrigações, tornar públicas as informações periódicas e eventuais que constam da extensa lista da Instrução CVM 202, pois agora seus investidores devem ser informados de forma ampla e indistinta. Some-se a isso a dificuldade de interpretar uma norma e sua aplicação a um caso prático e específico que nela não está expressamente previsto.

A partir da abertura do capital, pesa sobre os administradores e o grupo de controle mais do que a responsabilidade que a lei societária já lhes determinava como companhia de capital fechado, agora a condução dos negócios deve também considerar sua exposição e a responsabilidade em sempre observar princípios de transparência. Em certas situações, a responsabilidade nas decisões tem de passar pela interpretação cuidadosa das normas legais.

Por exemplo, quando é preciso muitas vezes prever a reação do mercado a uma determinada informação, como nos casos dos fatos relevantes. A CVM buscou impor padrões de conduta relativos à divulgação de informações por companhias abertas, seus administradores e acionistas controladores relativamente à divulgação de ato ou fato relevante, definindo-o de maneira genérica na Inst. 358. A propositada generalidade da norma visando abarcar todas as possíveis situações pode, em determinadas ocasiões, expor a companhia a situações em que a potencial obrigatoriedade de divulgação de um fato possa ferir interesses legítimos.

Caberá ao administrador julgar antes, com base nos testes que a lei impõe, se a revelação de certos fatos porá em risco interesse legítimo da companhia e solicitar, se for o caso, tratamento excepcional. Como se vê, há muitos passos antes do ingresso no mercado de capitais e, depois, uma realidade diferente, onde a prestação de contas e a atuação exposta trazem um peso maior na responsabilidade das decisões de seus sócios e administradores.