O Acordo de Madri, de 1981, e o Protocolo de Madri, de 1989, são as bases legais do atual sistema de registro internacional de marcas operado pela Organização Mundial de Propriedade Intelectual (OMPI). Esse sistema foi idealizado para simplificar, baratear e acelerar o processo de registro de marcas nos diversos países signatários – que são hoje mais de 120 – de forma simultânea.

Os pedidos de registro são depositados no escritório regional ou nacional do país signatário (no caso do Brasil, o INPI), que realiza a conferência dos documentos submetidos pelos requerentes. Depois, o requerimento é enviado à Secretaria Internacional da OMPI, que decide sobre a conformidade do pedido. Caso confirmado, o pedido torna-se uma inscrição internacional e é enviado aos países signatários selecionados pelo requerente para que o requerimento seja analisado com base na legislação local de cada um dos países.

O Protocolo de Madri entrou em vigor no Brasil em outubro de 2019. Um ano após o início de sua vigência, foram registrados 109 pedidos internacionais de marcas realizados por usuários brasileiros e 7.896 solicitações realizadas no exterior e recebidas pelo INPI para análise de conformidade. Atualmente, os membros e países signatários do Protocolo de Madri representam mais de 80% do comércio global (para saber mais sobre o Tratado de Madri, clique aqui).

Os deputados federais Julio Lopes (PP/RJ) e Paulo Abi-Ackel (PSDB/MG) apresentaram o Projeto de Lei nº 10.920/18, com o intuito de alterar a Lei nº 9.279/96 (Lei de Propriedade Industrial, LPI) para reduzir a burocracia e dar tratamento isonômico a nacionais e estrangeiros, tendo em vista a então iminente adesão do Brasil ao Protocolo de Madri.

No último dia 17 de junho, o plenário da Câmara dos Deputados aprovou o Requerimento de Urgência nº 1.325/21 apresentado pelo deputado Efraim Filho (DEM/PB) para agilizar a tramitação do projeto de lei, que já foi analisado pela Comissão de Desenvolvimento Econômico, Indústria, Comércio e Serviços (CDEICS) e deverá seguir agora para análise da Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC).

A finalidade deste artigo é apresentar as principais mudanças na LPI sugeridas pelos deputados autores do projeto de lei e as sugestões propostas pelo deputado Efraim Filho, que foi o relator do parecer sobre o projeto de lei na CDEICS, além de avaliar a relevância do projeto no campo da propriedade intelectual no Brasil.

 

Inclusão dos §§ 5º e 6º do art. 128

 

Nos termos do §1º do art. 128 da LPI, as pessoas de direito privado podem requerer registro de marca somente relativo às atividades que exerçam efetiva e licitamente. O exercício das atividades é demonstrado por meio de declaração da própria pessoa no ato do requerimento. O novo §5º sugere conceder prazo para apresentação da “declaração de atividade” quando esta não puder ser apresentada no ato do depósito.

O novo §6º do art. 128, por sua vez, pretende incluir expressamente na LPI a possibilidade de haver a cotitularidade de marcas (prevista no Acordo de Madri).

Na opinião do relator, deputado Efraim Filho, a alteração legislativa é desnecessária, pois o próprio INPI está trabalhando para implementar essas mudanças internamente no âmbito administrativo.

 

Inclusão do art. 143-A

 

O art. 143 da LPI trata da caducidade do registro em razão do desuso da marca, ou seja, a extinção do registro da marca devido a sua não utilização. A finalidade é evitar o acúmulo de marcas registradas e não usadas, impedindo que a competitividade do mercado se dê de forma mais orgânica. Atualmente, para o INPI avaliar a caducidade de uma marca, o pedido deve ser feito por qualquer pessoa com legítimo interesse. O PL inclui o art. 143-A na LPI para criar mais hipóteses de extinção das marcas por caducidade, exigindo que o titular apresente declaração de uso da marca durante o sexto e o décimo ano de vigência do registro.

De acordo com o parecer da CDEICS, entretanto, criar essa condição resultaria em mais uma etapa a ser superada quando da renovação das marcas e outra para cobrança de taxas, o que vai contra a própria finalidade do projeto de lei.

 

Inclusão do art. 146-A

 

Esse novo artigo serviria para estender os dispositivos relativos às hipóteses de extinção e caducidade dos registros de marcas aos registros internacionais derivados do Protocolo de Madri.

O parecer da CDEICS, porém, aponta que o Protocolo de Madri não interfere nas causas de extinção e caducidade previstas pela LPI (há exceções para casos específicos), o que levou à conclusão de não haver necessidade dessa alteração legal.

 

Alteração do art. 158 (caput) e §§ 1º e 2º e inclusão dos §§ 3º e 4º

 

O atual art. 158 da LPI prevê a publicação dos pedidos de registro de marcas para apresentação de oposição. A modificação sugerida pelo projeto de lei tem por objetivo determinar que o pedido seja publicado em língua portuguesa. Os parágrafos seguintes, em suma, estabelecem que, caso o pedido de registro seja feito em língua estrangeira, o requerente deve providenciar uma tradução simples para o português. Pela justificativa apresentada, não é razoável impor ao INPI o custo e a responsabilidade de realizar a tradução dos pedidos estrangeiros.

Apesar disso, o deputado Efraim Filho entendeu que, em função do princípio da reciprocidade nas relações internacionais, o depósito poderá ser feito em inglês, francês ou espanhol e o INPI será o responsável pela tradução para o português.

 

Inclusão dos §§ 1º e 2º ao art. 160

 

O art. 160 da LPI trata do exame a ser feito pelo INPI sobre a concessão ou rejeição do pedido de registro de marca, decorrido o prazo para apresentação de oposições ao pedido de registro. O projeto de lei incluiu dois parágrafos ao art. 160 para prever o deferimento automático do pedido de registro caso este não seja analisado no prazo de 18 meses pelo INPI contados do depósito do pedido.

Já o §2º prevê que o prazo do §1º poderá ser reduzido, caso seja concedido prazo menor a estrangeiros por meio de acordo ou convenção internacional.

A alteração é refutada no parecer da CDEICS, para o qual a média para análise de pedidos de registro pelo INPI é de oito meses, e eventuais diferenças de prazos entre sistemas paralelos e igualmente acessíveis a nacionais e estrangeiros não configuram tratamento discriminatório.

 

Inclusão do parágrafo único ao art. 217

 

O artigo 217 estabelece a obrigação de o titular de marca registrada no Brasil domiciliado no exterior constituir e manter procurador qualificado e domiciliado no Brasil, com poderes para representá-lo judicial e administrativamente, inclusive para receber citações.

Enquanto o projeto de lei inclui parágrafo único que dá prazo de 60 dias após o depósito do pedido de registro para o requerente estrangeiro submeter ao INPI a procuração de seu representante no Brasil, o parecer da CDEICS entende que tal proposição é incompatível com o Protocolo de Madri, pois o depósito do pedido de registro se dá pelo escritório do país-membro (no Brasil, o INPI), sendo desnecessário manter representante legal no país para o qual se pretende a proteção.

Apesar disso, é notória a dificuldade de citar representantes dos detentores estrangeiros de marcas, razão pela qual o deputado Efraim Filho propôs introduzir o parágrafo único ao art. 217 com outra redação. O objetivo é exigir a constituição de procurador no Brasil apenas nos casos em que houver notificação do INPI sobre demandas judiciais em curso, o que levará à notificação da detentora da marca via OMPI, para que ela constitua procurador em 20 dias úteis.

 

Revogação do art. 135

 

O artigo 135 determina que a cessão de uma marca deverá englobar todos os registros e pedidos em nome do cedente de marcas iguais ou semelhantes, relativas ao mesmo produto ou serviço, sob pena de cancelamento do registro ou arquivamento do pedido.

O projeto de lei pretende revogar esse dispositivo, pois entende que, com a adesão ao Protocolo de Madri, os estrangeiros poderiam realizar a cessão de marca sem as restrições definidas no art. 135 e que, por ser um ato voluntário, a cessão de marca não deveria ser regulada por lei, pois é analisada do ponto de vista comercial pelas partes antes de ser levada a efeito.

A proposta é rechaçada pelo parecer da CDEICS, que informa que a regra da cessão de marcas seria aplicável aos registros nacionais e estrangeiros, sem distinção, segundo entendimento do INPI.

 

Conclusão

 

A adesão do Brasil ao Protocolo de Madri foi um grande avanço sobre os registros de marcas, facilitando o processo de registro tanto por sociedades estrangeiras que desejam ter suas marcas registradas no Brasil quanto por sociedades brasileiras que desejam obter registros no exterior.

Em princípio, as alterações propostas à LPI não nos parecem necessárias na medida em que não há incompatibilidade entre os dispositivos da LPI e do Protocolo de Madri, notadamente com relação às alterações propostas pelo projeto de lei.

Deixamos abaixo uma lista completa de artigos com as sugestões propostas pelo projeto de lei e seu substitutivo da CDEICS.

Artigos Lei de Propriedade Industrial PL 10.920/18 Substitutivo ao PL 10.920/18 da CDEICS

19

Não há parágrafos.

§ 1º O requerimento do pedido deverá ser apresentado em língua portuguesa.
§ 2º Quaisquer outros documentos em língua estrangeira encaminhados conjuntamente ao requerimento serão considerados apenas se acompanhados por tradução simples, apresentada no ato do depósito do pedido ou nos sessenta dias subsequentes.

32

Para melhor esclarecer ou definir o pedido de patente, o depositante poderá efetuar alterações até o requerimento do exame, desde que estas se limitem à matéria inicialmente revelada no pedido.

-

Para melhor esclarecer ou definir o pedido de patente, o depositante poderá efetuar alterações até o requerimento do exame, desde que estas se limitem à matéria inicialmente revelada no pedido, considerados todos os documentos previstos no caput do art. 19.

35

Não há parágrafos.

-

Parágrafo único. Durante o processo de exame do pedido de patente, independentemente de quaisquer outras autorizações, o INPI poderá levar em consideração buscas e exames preliminares já concluídos de pedidos de patente da mesma família realizado e publicado por Autoridades de Busca e de Exame Preliminar do Tratado de Cooperação em Matéria de Patentes –, observadas as restrições dos arts. 10 e 18 desta Lei.

128

§ 4º A reivindicação de prioridade não isenta o pedido da aplicação dos dispositivos constantes deste Título.

§ 4º A reivindicação de prioridade ou o depósito efetuado com base em acordo internacional, do qual o Brasil seja signatário, não isentam o pedido da aplicação dos dispositivos constantes desse Título.
§ 5º Na ausência da declaração de atividade no ato do depósito, o INPI deverá formular exigência a ser cumprida no prazo de 60 (sessenta dias) sob pena de arquivamento definitivo.
§ 6º Será admitida a cotitularidade de marcas.

Alteração rejeitada.

135

A cessão deverá compreender todos os registros ou pedidos, em nome do cedente, de marcas iguais ou semelhantes, relativas a produto ou serviço idêntico, semelhante ou afim, sob pena de cancelamento dos registros ou arquivamento dos pedidos não cedidos.

Revogação

Não revogação

143-A

-

Também caducará o registro, caso seu titular não apresente declaração de uso da marca ao INPI, com a indicação dos produtos e serviços da marca, ou justificativa fundamentada de seu desuso, observados os seguintes prazos: I - Durante o sexto ano de vigência do registro, contado de sua concessão ou prorrogação; e II – Durante o último ano de vigência do registro.
1º A declaração ou a justificativa referida no caput deve ser instruída com o comprovante de pagamento da respectiva retribuição. §2º Caso o registro seja prorrogado no prazo previsto no art. 133, § 2º, a declaração de que trata o inciso II deverá ser apresentada em até 60 dias da prática do respectivo ato, mediante pagamento de retribuição específica.

Alteração rejeitada.

146-A

-

Os dispositivos deste Capítulo aplicam-se também aos registros de marca sujeitos a requerimentos de prorrogação no exterior, com base em acordo internacional do qual o Brasil seja signatário.

Alteração rejeitada.

157

Não há parágrafo segundo.

§ 2º Será assegurada a isonomia de requisitos entre os pedidos de registro de marca apresentados no Brasil e aqueles apresentados no exterior com base em acordo internacional e que devam produzir efeitos no país, aplicando-se a todos as mesmas regras relativas à titularidade, prova de atividade e descrição de produtos e serviços, com indicação das classes correspondentes.

Alteração rejeitada.

158

Protocolizado, o pedido será publicado para apresentação de oposição no prazo de 60 (sessenta) dias.
§1º O depositante será intimado da oposição, podendo se manifestar no prazo de 60 (sessenta) dias.
§2º Não se conhecerá da oposição, nulidade administrativa ou de ação de nulidade se, fundamentada no inciso XXIII do art. 124 ou no art. 126, não se comprovar, no prazo de 60 (sessenta) dias após a interposição, o depósito do pedido de registro da marca na forma desta Lei.

Protocolizado, o pedido será publicado no Brasil, em língua portuguesa, para apresentação de oposição no prazo de 60 (sessenta) dias.
§ 1º No caso de o pedido de registro marcário ter sido efetuado no exterior, com base em acordo internacional do qual o Brasil seja signatário, o requerente deverá fazê-lo acompanhar de tradução simples integral da lista de produtos e serviços a serem assinalados pela marca, para utilização na publicação a que se refere o caput deste artigo.
§ 2º Na ausência do documento previsto no § 1º, será proferida exigência na forma do art. 157 desta Lei.
§ 3º Na hipótese de oposição o depositante será intimado para se manifestar no prazo de 60 (sessenta) dias. § 4º Não se conhecerá oposição, nulidade administrativa ou ação de nulidade, fundamentada no inciso XXIII do art. 124 ou no art. 126 desta Lei, se não for comprovado, no prazo de 60 (sessenta) dias após a interposição, o depósito do pedido de registro da marca na forma desta Lei.

Alteração rejeitada.

160

Concluído o exame, será proferida decisão, deferindo ou indeferindo o pedido de registro.

Concluído o exame, será proferida decisão, deferindo ou indeferindo o pedido de registro.
§ 1º Caso o exame não seja concluído no prazo de 18 meses, contados da data da apresentação do pedido de registro perante o INPI, independentemente de prazos de prioridade convencionais de que eventualmente goze o depositante, o pedido de registro será considerado deferido.
§ 2º O prazo de que trata o § 1º será automaticamente reduzido caso seja concedido a estrangeiros, por meio de acordo ou convenção internacional, prazo menor.

Alteração rejeitada.

217

Não há parágrafo.

Parágrafo único. No caso do pedido de registro marcário ter sido depositado no exterior, com base em acordo internacional do qual o Brasil seja signatário, o requerente deverá submeter ao INPI a procuração prevista no art. 216 desta Lei, até o prazo máximo de 60 (sessenta dias) contados da publicação do referido pedido na forma do art. 158 desta Lei, independentemente de notificação específica, sob pena de seu arquivamento.

Parágrafo único. Quando, em função de acordos internacionais de que o Brasil for signatário, a obrigação de que trata o caput não for exigível, será dada ciência ao INPI pelo Poder Judiciário acerca da existência de demanda judicial, o qual notificará a parte através da Organização Mundial de Propriedade Intelectual – OMPI a fim de que o titular da marca forneça a procuração de que trata o caput no prazo de vinte dias úteis a contar do efetivo recebimento da notificação, sob pena de aplicação do disposto nos arts. 78, V, 119, IV, ou 142, IV, desta Lei.