O STF, em outubro de 2023, no julgamento da ADI 5.635, reconheceu a constitucionalidade dos depósitos ao Fundo Estadual de Equilíbrio Fiscal (FEEF) e ao Fundo Orçamentário Temporário (FOT), afirmando que esses fundos se caracterizam como atípicos, cujas receitas não estão vinculadas a um órgão e nem são destinadas a programas específicos. Em relação à natureza dos depósitos destinados ao FEEF/FOT, o STF afirmou expressamente que eles têm natureza de ICMS.

No entendimento do STF, os depósitos ao FEEF/FOT acarretam apenas uma redução temporária dos benefícios fiscais do ICMS. Admitindo que os valores destinados ao FEEF/FOT constituem parcela desse tributo, o STF afirmou ainda que as regras próprias do ICMS se aplicam aos referidos fundos, reconhecendo-se que há “a necessidade de observância ao princípio da não cumulatividade”, para evitar a incidência do imposto em cascata e promover a neutralidade de sua incidência ao longo das operações.

Após o julgamento da ADI 5.635, diversas decisões monocráticas foram proferidas no STF para confirmar a necessidade de aplicação da não cumulatividade ao FEEF/FOT. Nesses casos, o estado do Rio de Janeiro expressamente tem se posicionado contrário à aplicação da sistemática não cumulativa de forma irrestrita, pontuando que não poderia ser conferido ao contribuinte o direito amplo ao creditamento, pois a decisão do STF na ADI exigiria uma análise casuística, a depender do benefício fiscal, havendo preocupação específica para os casos em que o FEEF/FOT decorre de benefício fiscal com natureza de crédito presumido de ICMS.

Diante do acórdão do STF na ADI, foram opostos embargos de declaração pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), que objetivavam, entre outros pontos, o “aclaramento quanto à operacionalização da regra de não cumulatividade e à sistemática de utilização dos créditos decorrentes da exigência dessa parcela do ICMS”.

Em resumo, a CNI queria que o STF esclarecesse se os numerários depositados a título de FEEF/FOT devem ser considerados como créditos e, ainda, se é possível utilizar créditos de ICMS “regular” para liquidar os débitos de FEEF/FOT.

Apesar da pertinência dos embargos de declaração em questão para dar segurança jurídica à aplicação da decisão do STF na prática, os aclaratórios foram rejeitados, em julgamento virtual finalizado em 8 de agosto deste ano. O fundamento apresentado foi de que “não cabe a esta Suprema Corte definir métodos e estabelecer regulamentação administrativa que viabilize a implementação da não cumulatividade caso a caso”.

Pouco tempo depois, em sessão virtual finalizada em 22 de agosto, ocorreu o julgamento dos embargos de declaração opostos nos autos do RE 1.506.320 (Tema 1386 de Repercussão Geral), no qual o STF fixou as teses de que:

  • é constitucional a exigência de depósito de percentual de benefícios fiscais de ICMS para o FOT, nos termos da ADI 5.635; e
  • é infraconstitucional e fática a controvérsia sobre a possibilidade de exigir o depósito ao FOT em benefícios fiscais de ICMS concedidos por prazo certo e sob condição.

Esses embargos de declaração tinham como objetivo fazer com que o STF reconhecesse expressamente que o estado do Rio de Janeiro deve:

  • permitir que os contribuintes compensem créditos de ICMS com débitos próprios de FOT; e
  • regulamentar a compensação dos débitos de FOT com os montantes cobrados nas operações anteriores.

Entretanto, esses aclaratórios também foram rejeitados. Entendeu-se que não faziam parte da controvérsia examinada pela Corte a discussão sobre a permissão para compensar créditos de ICMS com débitos do FOT, assim como para determinar a regulamentação da compensação de débitos de FOT com valores cobrados nas operações anteriores.

Mais uma vez, portanto, não houve manifestação do STF sobre a operacionalização da sistemática não cumulativa relacionada ao FOT.

Permanecendo a situação de insegurança jurídica sobre a questão, sobreveio, conforme acórdão publicado em 5 de setembro, o julgamento do Agravo Regimental nos Embargos de Divergência no AgRg no ARE 1521931.

O Plenário do STF, por maioria, deu provimento parcial ao recurso do contribuinte, “de modo a garantir a não cumulatividade do ICMS relativo ao depósito instituído, sem prejuízo da vedação ao aproveitamento indevido dos créditos, nos termos da ADI 5635/DF”. Não houve, porém, manifestação sobre a operacionalização da sistemática não cumulativa relacionada ao FOT.

Em resumo, embora o STF tenha reconhecido a incidência do princípio da não cumulatividade sobre os valores destinados ao FEEF/FOT, a Corte deliberadamente se absteve de disciplinar a forma de sua efetiva fruição. Isso somado à inércia regulatória do estado do Rio de Janeiro acaba por manter os contribuintes em cenário de acentuada insegurança jurídica.

Essa lacuna prática tem gerado não apenas ônus financeiro adicional — decorrente da impossibilidade de aproveitar ou compensar créditos —, mas também risco de autuações pelo descasamento entre a apuração do imposto “regular” e a parcela destinada ao fundo.

Diante desse quadro, entendemos que há margem para avaliar a propositura de demanda judicial específica visando obter direito à aplicação da não cumulatividade ao FEEF/FOT, de acordo com cada caso concreto.