O Brasil assinou, em 20 de outubro, em cerimônia realizada em Paris, a Convenção Multilateral para Implementar Medidas Relacionadas a Tratados Fiscais para Prevenir a Erosão da Base Tributária e a Transferência de Lucros (Multilateral Convention to Implement Tax Treaty Related Measures to Prevent Base Erosion and Profit Shifting – MLI).
O ato, formalizado pelo embaixador brasileiro na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), Sarquis Sarquis, e pelo secretário-geral da OCDE, Mathias Cormann, torna o Brasil a 106ª jurisdição a aderir ao instrumento, que hoje cobre aproximadamente 2 mil tratados bilaterais em todo o mundo.
A assinatura representa um marco importante na consolidação da política tributária internacional brasileira. Além de sinalizar maior alinhamento às práticas da OCDE, reforça o compromisso com a integridade e a transparência fiscal no contexto global.
Contexto e relevância internacional
O MLI é resultado direto do Projeto Beps (Base Erosion and Profit Shifting), desenvolvido pela OCDE e pelo G20, e constitui um dos mais importantes instrumentos de cooperação multilateral em matéria tributária.
Negociado por mais de 100 países, o instrumento foi concebido para permitir a atualização simultânea de tratados bilaterais sem necessidade de renegociações individuais, incorporando cláusulas antielisivas e regras de combate à evasão fiscal internacional.
Atualmente, 90 jurisdições já ratificaram, aceitaram ou aprovaram o MLI, o que resultou na modificação de mais de 1,6 mil tratados internacionais. Estima-se que cerca de 400 tratados adicionais serão alterados à medida que todos os signatários concluam seus processos de ratificação.
Impactos sobre os tratados brasileiros em vigor
Com a entrada em vigor do MLI no Brasil, é possível que 27 tratados bilaterais sejam modificados para evitar a dupla tributação – entre as jurisdições listadas pelo Brasil no momento da assinatura do MLI estão as de países como Espanha, Coreia do Sul, Portugal, Países Baixos, Luxemburgo, Japão, Itália, Israel, França, Canadá, Bélgica e Áustria.
Nem todos esses acordos serão automaticamente afetados: a aplicação prática do MLI depende da correspondência entre as listas apresentadas por cada país signatário. Apenas os tratados mutuamente indicados (os chamados matched treaties) passarão a incorporar as alterações previstas.
Os tratados mais antigos, que não contemplam cláusulas modernas de combate ao abuso, deverão ser os mais impactados. Entre as disposições que tendem a ser introduzidas destacam-se:
- a Regra do Propósito Principal (Principal Purpose Test – PPT), voltada à prevenção de abusos na aplicação dos tratados;
- a Regra de Limitação de Benefícios (Limitation on Benefits – LOB); e
- definições mais restritivas de estabelecimento permanente, destinadas a coibir a fragmentação artificial de atividades empresariais.
Os tratados mais recentes firmados pelo Brasil já incorporam, em grande medida, as exigências mínimas do Projeto Beps, o que tende a reduzir o impacto imediato do MLI sobre esses instrumentos.
Além disso, o MLI introduz medidas para fortalecer a rede global de tratados e reduzir oportunidades de evasão e dupla não tributação. Entre seus principais objetivos estão o combate ao abuso de tratados, a prevenção de estratégias voltadas à ausência de estabelecimento permanente e o tratamento de estruturas híbridas (hybrid mismatch arrangements).
O instrumento também aprimora os mecanismos de solução de controvérsias, com destaque para a introdução de uma cláusula opcional de arbitragem vinculante obrigatória, já adotada por 34 jurisdições.
Próximos passos e as repercussões da assinatura do MLI
Para produzir efeitos, o MLI precisará ser ratificado pelo Congresso Nacional e, em seguida, promulgado pelo Poder Executivo. Após o depósito do instrumento de ratificação na OCDE, as disposições do MLI poderão ser aplicadas aos tratados listados pelo Brasil, desde que seja um tratado mutuamente listado.
A adesão ao MLI confirma uma mudança de orientação na política fiscal internacional brasileira. Por muitos anos, o Brasil manteve posição de cautela em relação ao instrumento, preferindo renegociar seus acordos de forma bilateral.
A assinatura do instrumento demonstra um maior alinhamento entre o governo do Brasil e a OCDE, além de evidenciar o avanço do processo de aproximação institucional para a futura adesão plena à organização. O ato também fortalece a segurança jurídica e o combate à evasão fiscal e contribui para mitigar a dupla tributação, estimulando o aumento de fluxos de investimentos internacionais para o Brasil.
Nesse sentido, será essencial acompanhar o processo de ratificação, para avaliar a forma como o Brasil implementará as disposições multilaterais em seu ordenamento e o cronograma de adaptação dos tratados bilaterais em vigor.