Até o advento da Lei nº 13.988/20, conhecida como Lei do Contribuinte Legal ou Lei da Transação Tributária, o rito processual para resolução administrativa de litígios tributários de pequeno valor (discussões de até 60 salários mínimos) era regulamentado essencialmente pela sistemática trazida no Decreto nº 70.235/72. Pelos critérios ali estabelecidos, a discussão administrativa de créditos e débitos federais ocorria em dois níveis ou etapas de julgamento.

Na primeira etapa, que ocorre no âmbito das Delegacias de Julgamento da Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil (DRJs), um colegiado formado apenas por representantes da Receita Federal é responsável pelo exame de legalidade do lançamento tributário ou da decisão que nega a restituição/compensação de um crédito pleiteado.

Segundo dados divulgados pela Secretaria da Receita Federal do Brasil (RFB),[1] do estoque total de 267 mil processos administrativos que aguardavam apreciação nessa primeira fase, em fevereiro de 2020, cerca de 184 mil, ou seja, quase 70% do total, eram processos com discussões de pequeno valor. Tais processos aguardavam, em média, 948 dias até o encerramento dessa fase de julgamento.

As partes que não tinham seus pedidos acolhidos pelas DRJs poderiam entrar em uma segunda etapa de discussão administrativa, submetendo o processo ao julgamento por um órgão paritário integrante do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf),[2] o que levava, em média, seis anos.

Segundo dados gerenciais divulgados no site do Carf, do universo de 116 mil processos tributários que aguardavam julgamento no órgão em fevereiro de 2020, 71 mil eram processos de pequeno valor, isto é, até 60 salários mínimos. Em reais, o contencioso de pequeno valor correspondia a uma controvérsia de aproximadamente R$ 1,6 bilhão, contra R$ 627,9 bilhões referentes ao valor de todo o estoque de processos do Carf. Ou seja, 61% de todos os processos pendentes de julgamento do Carf não representam nem 1% do montante total em discussão.

Os números demonstram que o modelo do contencioso administrativo fiscal, na forma como vinha apresentando, estava esgotado. Discussões de valores muito baixos terminavam se perpetuando no tempo e congestionando os órgãos de julgamento, também responsáveis por julgar as maiores controvérsias tributárias. O resultado geral da equação é a deficiência na prestação de serviços da Administração Pública à sociedade e uma morosidade excessiva para solucionar questões tributárias.

Nesse cenário, e tendo como motivação declarada atribuir maior celeridade e garantir maior eficiência ao contencioso administrativo federal de pequeno valor, foi publicada a Lei nº 13.899/20, cujos artigos 23 e seguintes se dedicaram a instituir novas medidas para alterar a sistemática de julgamento do contencioso administrativo fiscal de pequeno valor.

As principais alterações veiculadas pela Lei nº 13.988/20 foram: (i) o julgamento em última instância administrativa pelas DRJs; e (ii) a possibilidade de aderir à transação tributária, seguindo critérios e procedimentos próprios. Analisamos, a seguir, as duas medidas.

O julgamento em última instância pela DRJ

O artigo 23 da Lei nº 13.988/20, regulamentado pela Portaria ME nº 340/20, passou a dispor que controvérsias fiscais de pequeno valor seriam examinadas em última instância por órgão colegiado da Delegacia da Receita Federal do Brasil, vedando o acesso a esses processos administrativos por órgão de julgamento do Carf.

Há vantagens e desvantagens na nova medida.

Embora tenda fortemente a conferir a desejada celeridade ao julgamento dos processos administrativos tributários de pequeno valor, a medida acaba por modificar o quórum do órgão responsável pelo julgamento na segunda fase e, com isso, restringir o exercício de defesa dos contribuintes.

Basta lembrar que, até a edição da Lei nº 13.988/20, os litígios de pequeno valor eram julgados em grau recursal pelas turmas extraordinárias do Carf, órgão paritário, formado pelo mesmo número de representantes do fisco e do contribuinte e com oportunidade de sustentação oral e acompanhamento do julgamento.

Com o advento dessa lei, e sua recente regulamentação pela Portaria ME nº 340/20, findou a pluralidade de debatedores no contencioso administrativo fiscal de pequeno valor. Nesses casos, os recursos passam a ter sua análise em última instância pelas câmaras recursais das DRJs, compostas por três a sete julgadores selecionados entre os presidentes das turmas ordinárias das DRJs, todos auditores fiscais, representantes, portanto, da Receita Federal do Brasil.

Além disso, nos julgamentos perante a DRJ, não é permitido realizar sustentação oral ou mesmo acompanhar as sessões pelas partes. Para os processos administrativos de pequeno valor, portanto, a defesa será exercida apenas no papel, sem reforço em razões orais. Consequentemente, torna-se ainda mais relevante elabora uma defesa inicial consistente e subsidiada com todos os elementos para a comprovação dos fatos e do direito.

Uma tentativa de contribuir para um ambiente de maior segurança jurídica foi a observância obrigatória das súmulas e resoluções do Carf pelas DRJs, vinculando, assim, o posicionamento das DRJs àquele que já integra a orientação do Carf. A medida converge para uma uniformização maior de posicionamento. Entretanto, eventuais posicionamentos reiterados do Carf, se não tratados como súmula ou precedente, não serão obrigatórios para as turmas recursais da DRJ.

Outro ponto de atenção é que, na regulamentação do contencioso de pequeno valor pela Portaria ME nº 340/20, foi mantido o critério de desempate pelo voto do presidente da turma, na contramão do critério estabelecido pela própria Lei nº 13.988/20 para os demais processos administrativos em âmbito do Carf, nos quais os empates no julgamento de determinação e exigência do crédito tributário seriam resolvidos favoravelmente ao contribuinte.

Considerando que o processo administrativo de pequeno valor não mais chegará ao Carf, a melhor solução, até mesmo para garantir a preservação do art. 112 do Código Tributário Nacional (CTN), seria a dos litígios em grau recursal também em favor do contribuinte.

A adoção de um rito especial para o julgamento do processo administrativo tributário de pequeno valor garante maior celeridade ao contencioso administrativo e, consequentemente, deve reduzir substancialmente o número de processos que aguardam apreciação no Carf. No entanto, na persecução de seus objetivos, a Lei nº 13.988/20 acabou sacrificando princípios constitucionais importantes para a prática processual, trocando as garantias plenas do exercício de defesa pela celeridade da análise.

A possibilidade de transação

A segunda importante medida adotada pela Lei nº 13.988/20 foi a instituição de transação em matéria tributária. Trazendo à realidade o comando até então pendente de regulamentação do octogenário art. 171 do CTN, a Lei nº 13.988/20 permitiu que contribuinte e União transacionassem seus débitos.

A transação, por ser instrumento que visa solucionar conflitos fiscais, extinguindo o crédito mediante concessões mútuas, representa uma inequívoca mudança de paradigma da Administração Pública na cobrança de tributos e deve contribuir para a maior eficiência do contencioso tributário.

Entre as modalidades de transação previstas pela Lei nº 13.988/20, foi instituída a transação específica para o contencioso tributário de pequeno valor, permitindo um desconto de até 50% do crédito tributário com prazo de quitação de até 60 meses.

A adesão a essa modalidade de transação sujeita-se às regras que serão instituídas pela PGFN e pela RFB, conforme editais publicados.

O primeiro edital para a transação do contencioso de pequeno valor foi veiculado em agosto de 2020 (Edital de Transação da RFB nº 1/2020), permitindo o pagamento de uma entrada de 6% do valor da dívida líquida, após a aplicação do percentual de redução, e o pagamento do restante da dívida líquida de 7  até 52 parcelas, com descontos que podiam variar de 50% a 20% sobre o valor do principal, da multa, dos juros e dos demais encargos. Até 29 de dezembro de 2020, o contribuinte interessado poderia aderir às condições desse primeiro edital. Espera-se que os próximos editais sejam publicados em breve.

Embora a medida represente um grande avanço na relação fisco-contribuinte, sua eficácia depende da abrangência. Para que a transação se torne realidade como método possível de solução de conflitos, especialmente nos casos de pequeno valor, a Receita Federal do Brasil e a Procuradoria da Fazenda Nacional devem seguir em um trabalho constante de aproximação com os contribuintes, concedendo as vantagens que efetivamente facilitem o adimplemento dos débitos tributários e tornem a transação atrativa para um público maior.

A regulamentação do contencioso administrativo fiscal de pequeno valor e a possibilidade de oferecer essas dívidas à transação tributária demonstram uma extrema preocupação do governo federal em reduzir o grave quadro fiscal e o grande número de litígios pendentes de julgamento. As medidas propostas tendem a se traduzir em ganhos de celeridade, eficiência na solução de conflitos e de economia para os cofres públicos, mas ainda estão em um caminho que permite aprimoramento.

[1] NETO, José Barroso Tostes. “Contencioso administrativo tributário federal: diagnóstico e perspectivas” in Revista ETCO – Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial. Ed. Especial. Nº 25. Ano 17. Agosto 2020, p. 9.

[2] No âmbito do Carf, há, ainda, uma instância especial de julgamento, a cargo da Câmara Superior de Recursos Fiscal (CSRF), a quem compete a uniformização de jurisprudência em matéria tributária, sendo esse o último estágio do contencioso administrativo federal.