Em 7 de maio de 2025, o plenário do Tribunal de Contas da União (TCU) proferiu o Acórdão TCU 1.014/25, negando provimento ao reexame interposto pela Consultoria Jurídica junto ao Ministério da Saúde (MS), contra as determinações do Acórdão TCU 2.015/23.
De acordo com a decisão de setembro de 2023, o MS deveria compartilhar um cronograma para definição e implementação de critérios e metodologias a serem observados para apuração do valor de transferência de tecnologia (know-how) de Parcerias de Desenvolvimento Produtivo (PDPs). Além disso, o órgão recomendou a suspensão de novas parcerias até a definição de mecanismos objetivos para avaliar a conclusão e eficácia da transferência de tecnologias objeto de parceria.
Breve Histórico
Desde 2017, a Unidade de Auditoria Especializada em Saúde (AudSaúde) do TCU fiscaliza o andamento das PDPs vigentes. A unidade já havia emitido recomendações ao MS para que o marco regulatório aplicável às parcerias (Acórdão TCU 730/17) fosse aperfeiçoado, por exemplo:
- Definição de critérios objetivos e de parâmetros de avaliação para definição da lista de produtos estratégicos para o SUS;
- Orientação aos laboratórios públicos sobre a obrigatoriedade de realizar processo seletivo ou pré-qualificação para escolha da entidade privada (EP), exigindo justificativa adequada caso tal processo não seja viável;
- Criação de critérios para redistribuição de percentuais de demanda previamente definidos em processos seletivos anteriores para determinado produto estratégico;
- Discriminação dos custos da transferência de tecnologia nos projetos executivos de PDP;
- Estabelecimento de prazos, ritos e documentação padrão a ser utilizada para a comprovação da conclusão da transferência tecnológica e da fase IV da política; e
- Ações de transparência relacionadas ao processo de deliberação do MS sobre PDPs.
No entanto, ao constatar a inércia do ministério quanto às recomendações da AudSaúde, o TCU publicou Acórdão TCU 2.015/23, determinando que uma série de providências fosse adotada antes da celebração de novas PDPs.
Principais argumentos trazidos pelo MS
O recurso apresentado pelo MS ao TCU alegou dificuldades práticas e operacionais para elaboração e apresentação do cronograma exigido pelo órgão. Além disso, sustentou ser inviável a definição de uma metodologia única de precificação do know-how, tendo em vista que:
- O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), contratado pelo MS para realização de um estudo sobre o tema, concluiu que diferentes tecnologias exigem métodos distintos, dependendo do valor atribuído por compradores e vendedores;
- O governo não possui informações suficientes para estabelecer uma regra geral de precificação para políticas públicas, uma vez que o preço da tecnologia varia conforme agentes, características das transferências, grau de inovação e outras variáveis, frequentemente com informações incompletas ou sigilosas;
- Nas PDPs, a remuneração pela transferência de tecnologia está atrelada ao volume de compras e à garantia de aquisição, não sendo possível dissociar compra e transferência;
- Diversas variáveis, como critérios de definição, metodologias, poder de compra do Estado, custo de oportunidade, grau de inovação e informações incompletas ou sigilosas, podem introduzir vieses e distorções na valoração da transferência de tecnologia, especialmente em relação a cláusulas penais, podendo ferir princípios de isonomia e objetividade e resultar em sobrepreço quando o valor da transferência é considerado no preço final;
- A competitividade nas PDPs já acontece mediante seleção dos projetos mais vantajosos para o Estado;
- A Portaria 4.472/24, publicada em 21 de junho de 2024, que atualmente regula as PDPs, já traz capítulo de sanções e suas aplicabilidades; e
- A mesma norma prevê que o preço proposto na PDP deve ser compatível com contratações públicas anteriores e, quando couber, com valores praticados em mercados internacionais dos países contemplados pela Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED).
Quanto à suspensão da celebração de novas PDPs, o MS argumentou que a Portaria 4.472/24 contempla as recomendações do TCU, o que permite a celebração de novas PDPs pelo MS.
Desprovimento pelo TCU
O TCU fundamentou o desprovimento do recurso do MS nos seguintes pontos:
- Cada PDP possui peculiaridades próprias, o que inviabiliza a criação de uma metodologia ou fórmula única para a precificação da transferência de tecnologia. Contudo, cabe ao ministério definir critérios e metodologias gerais para nortear a apuração do valor da transferência de tecnologia;
- O Ipea não afirmou que inexistem critérios ou metodologias, mas sim que existem diversas metodologias aplicáveis a diferentes tipos de tecnologia;
- A ausência de precificação da transferência de tecnologia pode dificultar a mensuração de eventuais danos ao laboratório público em caso de inadimplemento contratual, prejudicando a responsabilização da parceira privada;
- Os processos de aquisição e transferência de tecnologia são indissociáveis e, por isso, na precificação da transferência de tecnologia, deve-se considerar a garantia de venda do produto ao MS durante a vigência da PDP, o que também influencia o valor de venda do produto pela entidade privada;
- Historicamente, os preços praticados nas PDPs têm sido compatíveis com os do SUS, e a especificação do valor da transferência de tecnologia não deve motivar aumento de preço, já que os custos dessa transferência sempre foram considerados pelas parceiras privadas;
- A previsão de sanções ou justificativas para preços superiores aos do SUS não substitui a obrigatoriedade de especificação do valor da transferência de tecnologia;
- A ausência de informações por parte do governo ou sigilo não justificam a impossibilidade de valoração adequada; e
- A precificação da transferência de tecnologia contribui para a análise da vantajosidade das propostas durante a fase de aquisição, promovendo maior competitividade e transparência na política das PDPs.
No que diz respeito à suspensão de novas PDPs até que fossem promovidas melhorias no marco regulatório de PDPs, o Ministro Augusto Nardes ponderou que, após quinze anos de execução das PDPs, ainda não foram estabelecidos parâmetros objetivos para avaliar seus resultados e eficácia, nem houve estimativa do grau de atingimento dos objetivos legais. Além disso, mencionou que apenas cerca de 10% das parcerias resultaram na produção integral de medicamentos por instituições públicas, evidenciando baixa taxa de sucesso das iniciativas.
Embora o MS não esteja impedido de celebrar novas parcerias, o TCU entende que permanecem os motivos que levaram o órgão a recomendar a suspensão das PDPs – i.e. inexistência de mecanismos para avaliar objetivamente a conclusão e eficácia da transferência e da internalização da tecnologia das PDPs, bem como para medir a realização dos objetivos da política.
Por fim, o MS deve considerar a recomendação do órgão quanto à justificativa e motivação de suas decisões, especialmente tendo em vista os contínuos processos de monitoramento e fiscalização que o órgão fiscal conduzirá no que diz respeito a este tema.
O MS ainda pode apresentar recurso contra o Acórdão TCU 1.014/25.
A prática de Life sciences e saúde pode fornecer mais informações sobre o tema.