O sistema de precedentes instituído pelo CPC/2015 parte da premissa de que as decisões oriundas do julgamento de determinados instrumentos terão efeito vinculante para o Poder Judiciário e que, justamente por esse motivo, a sua inobservância ou mesmo a prolação de decisão conflitante estará sujeita a questionamento pela via da reclamação. Esses instrumentos são: i) acórdãos do Supremo Tribunal Federal (STF) em controle concentrado de constitucionalidade; ii) súmulas vinculantes (aqui, também vinculantes para a Administração, não apenas o Poder Judiciário); iii) acórdãos em incidentes de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas; e iv) acórdãos do STF ou do Superior Tribunal de Justiça (STJ) no julgamento de recursos extraordinários ou especiais repetitivos, respectivamente.

O CPC/2015 estabelece que i) os enunciados de súmula do STF e do STJ e ii) as decisões do plenário ou órgão especial dos tribunais aos quais os órgãos jurisdicionais estão vinculados deverão ser observados pelos juízes e tribunais. Entretanto, tais decisões têm força vinculante reduzida por opção do legislador, razão pela qual entendemos que sua relevância é maior na persuasão do julgador de primeira ou segunda instância.

O precedente com força vinculante no sistema do CPC/2015 emerge, pois, do fato de a decisão ter sido proferida no julgamento de determinado instrumento, não havendo disciplina específica quanto ao conteúdo que efetivamente vincula os órgãos do Poder Judiciário. Será o voto vencedor? Será a tese fixada na conclusão do julgamento? Serão as razões que conduziram ao entendimento que prevaleceu? Essas indagações não estão disciplinadas de forma adequada pelo CPC/2015.

Ao menos em relação às decisões emanadas do julgamento de recursos extraordinários ou especiais repetitivos, é possível concluir que a tese firmada ostenta natureza vinculante (artigo 1.039). E isso apesar de o artigo 1.038, § 3º, do CPC/2015, assentar que o acórdão contemplará a análise dos fundamentos relevantes da tese discutida.

Muito embora esse regramento seja específico para a vinculação das decisões proferidas nos recursos repetitivos – o que estabelece semelhança com a súmula vinculante, visto haver tão somente um extrato indicando, sinteticamente, o entendimento que deverá ser seguido –, acreditamos que o sistema estabelecido pelo CPC/2015 não deu tanto prestígio às razões das decisões.

Assim, ao proferir uma decisão que, segundo o CPC/2015, assumirá natureza vinculante para o Poder Judiciário como um todo, o órgão julgador atuará, de modo atípico, como se legislador fosse, quiçá sem que o próprio legislador tenha atentado para isso. Tal fato ocorre porque o enunciado da tese decidida será semelhante – e, por que não dizer, idêntico – a qualquer dispositivo legal que deverá ser interpretado pelo aplicador do direito no momento da subsunção ao caso concreto.

Um exemplo são as discussões suscitadas pelo julgamento da Tese de Repercussão Geral 69. Ao concluir o julgamento do RE 574.706-PR, em 15/03/2017, o STF fixou a tese de que “o ICMS não compõe a base de cálculo para a incidência do PIS e da Cofins”. Muitas indagações levantadas a respeito do alcance da tese firmada poderiam ser solucionadas se o CPC/2015 previsse que, por ocasião da conclusão de julgamento cuja decisão assumirá natureza vinculante, o órgão prolator, além de elaborar a tese em si, deveria indicar as razões que orientarão a interpretação do enunciado em um capítulo adicional do acórdão que contempla a análise dos fundamentos relevantes acolhidos pela maioria, o chamado voto médio.

Tal expediente evitaria que os temas apreciados por intermédio do julgamento de institutos processuais dotados de efeito vinculante para o Poder Judiciário permanecessem na pauta dos tribunais.

Pelo exposto, entendemos que o sistema de precedentes desenhado pelo CPC/2015 falhará em seu objetivo de prestigiar e promover a segurança jurídica e a estabilidade da jurisprudência se a aresta apontada neste artigo não for corrigida.

E o efeito nefasto do sistema vigente é constatado empiricamente, uma vez que, fixada tese em julgamento de instrumento cuja decisão é dotada de efeito vinculante, o enunciado tem sido aplicado indistintamente. Além disso, nos casos de interpretação equivocada feita em conjunto com as razões do acórdão prolatado, invoca-se como subterfúgio para não apreciar o mérito da reclamação ou para negar seguimento a recursos especiais ou extraordinários o suposto objetivo de rediscutir o tema já julgado e cuja decisão está qualificada pela força da vinculação.

Conclui-se, portanto, que o sistema de precedentes do CPC/2015, tal como posto, resulta em mero mecanismo para gestão de processos que tratam de matérias semelhantes e em mais um argumento a ser utilizado pela chamada “jurisprudência defensiva” como óbice ao processamento de recursos.