Com a quarentena se estendendo no mês de abril e funcionários de vários setores em home office, empresas flexibilizam, ampliam ou reveem os benefícios. A Enel estabeleceu uma apólice de seguro para cobrir os mais de 68 mil funcionários do grupo em todo o mundo em caso de hospitalização por conta do covid-19. O seguro abrange subsídio em dinheiro para funcionários hospitalizados após contrair o coronavírus. A empresa afirma que a apólice é um "benefício adicional" das outras formas de assistência médica e seguro disponíveis dentro do grupo antes da pandemia.

Na Ikê Assistência Brasil, que atua no ramo de assistência 24 horas de serviços, os funcionários em home office poderão pedir reembolso de até R$ 300 das contas de luz e de internet. A empresa também entregou, segundo a CEO Marusia Gomez, setenta computadores a funcionários que agora estão prestando os serviços de casa e que são, fundamentalmente do grupo de risco ou do setor administrativo. Segundo Rodrigo Takano, sócio da área trabalhista do escritório Machado Meyer Advogados, as empresas no Brasil não são obrigadas atualmente a arcar com os custos na casa dos empregados. "Se quiser fazer, pode realizá-lo atrás de ajuda de custo ou de reembolso", diz Takano.

Com relação aos benefícios considerados obrigatórios por lei, o Vale Transporte, por exemplo, só é obrigatório caso exista o deslocamento do funcionário. "Em home office e no regime de teletrabalho, a companhia não é obrigada a continuar concedendo", afirma. Já o VR e VA, há o entendimento majoritário de que eles devem ser mantidos, mas é preciso analisar a forma como são acordados. Se forem previstos por acordo coletivo, negociado com sindicatos, não é possível cancelá-los nesse momento. Caso sejam instituídos por contrato, segundo o advogado, é possível discutir um possível cancelamento. "Mas, nessa situação eventual, precisaria ter a anuência do funcionário, mesmo porque ele continua com o contrato de trabalho em vigência". A flexibilização dos vales, e unificação, pode ocorrer, afirma Takano.

Foi o que fez o banco BS2 que unificou o vale refeição ao vale alimentação, "entendendo que as necessidades [dos funcionários em casa] se alteraram neste período". O diretor de RH da Ticket, José Ricardo Amaro, disse que, até esta segunda-feira, duas grandes empresas haviam solicitado à companhia para mudar o valor do Ticket Refeição para o Alimentação. "Esse número não é tão alto, porque muitas pessoas estão usando o VR e, nesse momento de crise, o ticket mantém a mesa do funcionário", diz. Em relação a desvios de volume e comportamento, o departamento comercial da Ticket não têm observado mudanças. A suspensão, até o momento, não tem sido pedida, segundo Amaro.

Companhias que já possuem um pacote de benefícios mais robusto e com vários itens além dos considerados obrigatórios podem avaliar a viabilidade de uma eleição extraordinária, para que o colaborador tenha a opção da troca ou escolha de um benefício por outro, segundo Rafaella Montili, diretora de health e retirement solutions no Brasil da consultoria britânica Aon. "Dependerá da avaliação individual da política de cada empresa".

Na Orbia, marketplace da Bayer, o programa de benefícios flexíveis começou a valer no mês de abril para os 66 funcionários. Por meio dele, cada empregado possui um valor de R$ 1,6 mil por mês para alocar naquilo que deseja: alimentação, educação, reembolso de creche, estacionamento, combustível, entre outros. "O programa já estava estruturado independentemente da crise, mas diante desse momento, as pessoas podem aproveitar ainda mais a flexibilidade", diz o diretor da área de pessoas, Hudson Cunha. É possível, por exemplo, alocar o valor que normalmente seria gasto na academia em algum curso de meditação ou educacional, por exemplo. O programa também permite "acumular" pontos, ou seja: o que não é gasto nesse mês pode ser gasto nos próximos.

A busca por plataformas que permitam aos funcionários essa realocação dos benefícios tem crescido durante a quarentena, segundo o executivo Eduardo del Giglio, fundador da Caju. A empresa, lançada em janeiro deste ano, viabiliza às empresas um cartão para depósito do dinheiro total que seria alocado em benefícios, obrigatórios ou opcionais. Através dele, o funcionário pode, por exemplo, pegar o que sobrou de vale refeição e usar no vale cultura (válido para cinemas, mas também plataformas de streaming).

Durante as últimas três semanas, Giglio afirma que a busca de empresas pela contratação dos serviços da Caju cresceu 300%. "Muitas companhias que tinham acordo com restaurante ao lado do escritório para o almoço dos funcionários, perderam essa opção e agora querem viabilizar uma forma de dar o benefício. Há também aquelas, em menor número, que querem encontrar um jeito de ajudar a bancar custos de home office ou de mitigar, com maiores benefícios, uma possível redução salarial".

A Aon avalia que a maioria das empresas têm mantido os benefícios até esse momento da crise. Em alguns casos, segundo Rafaella, houve a suspensão parcial de contratos odontológicos, para colaboradores que tiveram seus contratos de trabalho suspensos. Entre as ações discutidas com companhias atualmente, a Aon afirma que está sendo discutida uma possível análise dos planos de aposentadoria" para encontrar soluções, tais como, possibilidade de suspensão temporária das contribuições da empresa".

Também há a busca no mercado, segundo a Aon, por uma análise a respeito de um possível redesenho dos planos de saúde, eventual "downgrade". Questionada sobre as solicitações das companhias nesse momento, a empresa de benefícios Sodexo negou entrevista.
(Colaborou Stela Campos)

(Valor Econômico Online - 03.04.2020)