Em meio a privatizações e vendas de ativos, as estatais elétricas brasileiras estão perdendo o protagonismo para empresas privadas, com destaque para chinesas e europeias. Levantamento feito pelo Valo rmostra que há mais de 20 gigawatts (GW) de potência em projetos que podem ser privatizados (quase o equivalente a duas hidrelétricas de Belo Monte).

As operações no mercado devem envolver montantes significativos, atraindo ainda mais capital estrangeiro para o país, mesmo sem a construção de novos projetos. Apenas o valor patrimonial dos principais ativos colocados à venda por Cemig e Eletrobras ultrapassa R$ 20 bilhões. Além disso, o valor de mercado da estatal paulista Cesp, que deve ser referência para o preço no seu processo de venda, é de cerca de R$ 5 bilhões.

Especialistas ouvidos pelo Valor consideram que as estatais elétricas caminham para retomar o papel que justificou sua criação - da qual foram desviadas, durante muitos anos, para atender interesses políticos -, o de realizar investimentos considerados estratégicos e de interesse público.

O uso político para favorecimento de determinados partidos ou interesses foi o principal responsável pela crise enfrentada pelas companhias hoje. Cemig e Eletrobras sofrem com pesados endividamentos, enquanto a Cesp praticamente desapareceu, por desavenças com o governo federal. Outra gigante no setor de energia, a Petrobras também colocou ativos à venda, como parte da sua reestruturação.

Os principais candidatos a se transformarem nos novos protagonistas do setor são estrangeiros. Além das chinesas China Three Gorges (CTG) e State Grid, que já fizeram investimentos bilionários no Brasil, as europeias Enel, Iberdrola e Engie se destacam - esta última, inclusive, se consolidou no Brasil depois de comprar ativos da Eletrosul na primeira tentativa de privatização da Eletrobras, no governo de Fernando Henrique Cardoso. A canadense Brookfield também figura entre as preferidas, com grande interesse em transmissão e energias renováveis.
No Brasil, as consolidadoras Energisa e Equatorial também têm grandes chances de sucesso nas privatizações, por terem expertise na recuperação de ativos problemáticos e também potenciais ganhos de sinergia com aquisições.

"A grande empresa de energia do Brasil - a Eletrobras - foi a maior vítima desse uso político intenso e teve seu valor destruído de maneira inimaginável", diz Claudio Sales, presidente do instituto Acende Brasil. Hoje, a empresa passa por uma reviravolta, e as mudanças implementadas pela gestão atual devem resultar numa companhia menor, mais enxuta, e menos endividada.

O primeiro passo da Eletrobras foi colocar suas distribuidoras de energia à venda. As problemáticas empresas foram federalizadas no final dos anos 1990 com a justificativa de que logo seriam vendidas, mas o processo se arrastou até hoje. Desde então, a estatal elétrica tem acumulado prejuízos com as empresas, que carecem de eficiência e não geram fluxo de caixa suficiente sequer para fazer frente aos investimentos necessários.

A Celg Distribuição (Celg D) foi a primeira, arrematada pela Enel em um leilão em novembro do ano passado por R$ 2,18 bilhões.

Enquanto as demais distribuidoras da Eletrobras devem ser privatizadas ainda neste ano, a estatal pretende ainda se desfazer de várias participações minoritárias em projetos problemáticos, como as megausinas de Santo Antonio e Jirau (no rio Madeira-RO) e Belo Monte (no rio Xingu-PA). A Cemig, que é sócia de Belo Monte e Santo Antonio, também procura vender suas participações.

Uma consulta pública aberta pelo governo deu ainda a possibilidade da Eletrobras se livrar de outro problema que foi imputado à estatal em 2012, quando a então presidente Dilma Rousseff criou o regime de cotas e garantia física e potência por meio da Medida Provisória (MP) 579, no qual as concessionárias recebem apenas uma receita pela operação e manutenção dos ativos. A estatal tem 14 gigawatts (GW) no regime, em contratos que geram perdas à companhia. A MP que deve resultar da consulta vai abrir a possibilidade de privatização dessas usinas.

A MP 579 também é responsável pelo encolhimento das estatais estaduais Cesp e Cemig. Ambas se recusaram a renovar as concessões de suas usinas no regime de cotas. No caso da primeira, os ativos já foram relicitados e arrematados - em grande parte pela CTG, principal candidata à compra da Cesp.

A Cemig, por sua vez, ainda briga na Justiça para manter as hidrelétricas de Jaguara, São Simão e Miranda, que somam metade de sua capacidade instalada. Mas foram problemas resultantes de interferência política, como a expansão da companhia muito além de seu Estado e projeto original, que a deixaram nos níveis de endividamento atual. A companhia, que, assim como a Eletrobras, chegou a disputar com a CTG a aquisição do controle da Energias de Portugal, não teve escolha a não ser colocar um grupo de ativos à venda.

Para o sócio-diretor da consultoria Roland Berger, Jorge Pereira da Costa, o fim das cotas tende a gerar mais impactos positivos do que negativos à Eletrobras. Todavia, ele ressalta a necessidade de um detalhamento maior do texto da reforma setorial para calcular os efeitos para a estatal. "Tem casos em que a Eletrobras é menos eficiente na gestão de algumas usinas. Numa desestatização deverá haver um agente privado que consiga atingir um maior nível de eficiência. Mas tudo isso vai depender muito de quais ativos, como e quando serão licitados", diz Costa.

Essa não é a primeira vez que se fala em privatização no setor elétrico. "A questão toda ainda é muito política. É preciso saber até que ponto valerá a pena e se haverá força política para isso", diz a advogada Ana Karina de Souza, sócia de Infraestrutura do Machado Meyer.

Para o coordenador do Grupo de Estudos do Setor Elétrico (Gesel), da UFRJ, Nivalde de Castro, o novo movimento de desestatização indica que o setor no país está maduro e que as mudanças propostas pelo governo sinalizam um cenário mais atrativo a investimentos privados. Segundo ele, nesse novo ambiente, não faz mais sentido a Eletrobras ser instrumento de política energética.

Há ainda potencial de expansão com a mudança. Quando a Eletrosul foi parcialmente privatizada, dando origem à Gerasul (atual Engie), esses ativos representavam 5% da Eletrobras. "Hoje, essa empresa vale 1,3 vez a Eletrobras. Os ativos saíram de 5% para 130%. Isso mostra, de maneira inquestionável, o que acontece com a gestão estatal no setor elétrico", afirma Sales.

Notícia na íntegra

Valor Econômico
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