Por Andrea Giomondo Massei, Rodrigo Takano e Marcela Tavares

Uma das alterações mais importantes trazidas pela Reforma Trabalhista (Lei nº 13.467/2017) foi a possibilidade de implementação do contrato de trabalho intermitente. Por esta nova modalidade de contratação, empregados e empregadores têm maior flexibilidade na hora da contratação em razão de peculiaridades das necessidades do serviço prestado. Isto porque, os trabalhadores intermitentes são empregados, registrados, com todos os direitos trabalhistas garantidos, contudo, prestam serviço de forma descontínua, a depender da necessidade do empregador e da disponibilidade do empregado.

O contrato de trabalho intermitente, possibilita, ainda, que o empregado tenha, concomitantemente, mais de um contrato de trabalho, intermitente ou não, aceitando os chamados a depender de sua disponibilidade.

Entretanto, às vésperas de completar um ano e meio de vigência, pontos importantes da relação empregado, empregador e previdência social ainda são objeto de dúvidas, como por exemplo: Quem deve pagar o salário maternidade e o auxílio doença: empregador ou Previdência Social? E se o empregado estiver há algum tempo sem ser convocado ou prestando serviços ao empregador quando ocorrer o afastamento?

Os questionamentos apontados, em sua grande parte haviam sido objeto de regulamentação pela Medida Provisória nº 808/17 que acrescentou ao artigo 542-A da Consolidação das Leis do Trabalho (“CLT”) os parágrafos 13º e 14º, que previam que o auxílio doença seria devido pela Previdência Social, a partir do início da incapacidade ou seja, o empregador não seria responsável pelos 15 primeiros dias de afastamento como ocorre com os demais empregados, e o salário maternidade seria devido também pela Previdência Social, observando-se as mesmas regras aplicadas às empregadas avulsas ou de microempreendedor individual.

Porém, ponto importante a ser destacado é que, de acordo com a MP808/17, os empregados intermitentes que recebessem remuneração mensal inferior a um salário mínimo não teriam direito a receber os benefícios previdenciários, mesmo contribuindo para a Previdência Social mediante o desconto em folha de pagamento e sua remuneração sendo base de cálculo da contribuição previdenciária parte empresa. Para que tivessem direito aos benefícios, eles deveriam efetuar o recolhimento complementar da contribuição previdenciária, correspondente à diferença entre a remuneração recebida e o salário mínimo.

Dentro dessa ótica, aqueles que fossem segurados, seriam inteiramente cobertos pela Previdência, sem que fosse necessário a participação do empregador no pagamento do dos 15 primeiros dias de afastamento e do salário maternidade.

Contudo, a MP 808/17 não foi convertida em lei e, a partir de 23 de abril de 2018, todas as regras ali existentes deixaram de ter validade, ou seja, atualmente não há previsão legal sobre a responsabilidade dos pagamentos de benefícios previdenciários. Voltamos ao ponto inicial. Como ficam os benefícios previdenciários dos empregados intermitentes?

A falta de regulamentação específica faz com que se apliquem as regras gerais. Neste sentido, poderia se afirmar que independentemente da remuneração do empregado ser inferior ao salário mínimo, havendo contribuição, ele seria segurado da Previdência e, portanto, elegível aos benefícios previdenciários. Isto porque, a regra geral dispõe que “O limite mínimo do salário-de-contribuição corresponde ao piso salarial, legal ou normativo, da categoria ou, inexistindo este, ao salário mínimo, tomado no seu valor mensal, diário ou horário, conforme o ajustado e o tempo de trabalho efetivo durante o mês” (Lei 8.212/91)

Nesse sentido, sendo o empregado intermitente, segurado da Previdência, no caso do afastamento por doença, o empregador deveria pagar os 15 primeiros dias do afastamento e, no período posterior, o empregado deveria procurar o INSS para receber o auxílio doença.

Quanto ao salário maternidade, tanto a Constituição Federal (“CF”) quanto a CLT garantem à empregada gestante o direito à licença maternidade com a garantia do salário. Dessa forma, seria possível afirmar que a empresa poderia aplicar a regra geral em que efetua o pagamento do salário maternidade mediante a correspondente compensação nos recolhimentos previdenciários mensais.

Aqui, devido à falta de legislação específica, resta dúvidas sobre a obrigação do empregador de ser responsável pelo pagamento dos 15 primeiros dias de afastamento e do salário maternidade, mesmo que a doença ou a gestação surjam durante o período de inatividade.

Importante ressaltar que, apesar de não haver um posicionamento oficial do órgão previdenciário, que pauta-se pelo princípio da legalidade, há notícias na mídia de que empregados intermitentes que buscam a tutela do referido órgão estão com seus pedidos suspensos para análises e sem respostas quanto ao deferimento do benefício. Em razão disso, apesar de não haver previsão legal quanto a este particular, entendemos que diante de uma ação judicial haveria o risco de ser aplicado, analogamente, o entendimento adotado nos casos em que o empregado encontra-se no limbo previdenciário e que a Justiça do Trabalho reconhece que a responsabilidade social da empresa impõe que esta deve dar suporte ao empregado, que não pode ficar sem receber salário e o benefício previdenciário.

Nesse contexto, apesar de não haver nenhuma decisão quanto à matéria, não descartamos o risco de, em eventual ação judicial, a Justiça do Trabalho entender que a empresa deveria ter arcado com o pagamento de todo o período (i.e. inclusive o período de afastamento posterior ao 15º dia).

O fato é que atualmente, apesar de parecer mais lógico a aplicação da regra geral previdenciária, o tema relativo aos benefícios previdenciários dos intermitentes gera grande insegurança jurídica para as empresas que podem ter que arcar com pagamentos mensais e, por vezes duradouros, de empregados que adquiriram doença ou ficaram gestantes durante o período de inatividade.

Esse tema parece que chegará a uma solução parcial com a aprovação da Reforma da Previdência, já que o seu texto estabelece que somente será reconhecido como tempo de contribuição os meses cuja contribuição seja igual ou superior à contribuição mínima mensal exigida para respectiva categoria (segurado empregado, individual, etc.) e prevê a possibilidade de complementação da contribuição para aqueles que receberem remuneração inferior ao mínimo exigido como salário de contribuição ou a possibilidade de agrupamento das contribuições inferiores ao mínimo exigido, de diferentes competências, para completar a contribuição mensal mínima.

Sendo aprovada a Reforma Previdenciária, os intermitentes que, recebendo remuneração mensal inferior a um salário mínimo, não complementarem a contribuição ou agruparem contribuições, não serão elegíveis aos benefícios previdenciários, dentre eles o auxílio doença e o salário maternidade.

Entretanto, os intermitentes que receberem remuneração superior ao mínimo ou complementarem o salário de contribuição, serão elegíveis aos benefícios e as dúvidas quanto ao pagamento dos 15 primeiros dias de afastamento ou do salário maternidade permanecem, já que não foram endereçadas na Reforma da Previdência, como esperado.

Jota
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(Notícia na Íntegra)