A esperada onda de leilões de rodovias prevista para 2020 não se concretizou, por conta da pandemia, mas deverá vir ainda maior nos próximos dois anos. A avalanche de novas concessões promete ser tão numerosa que alguns questionam se haverá concorrentes para todos os projetos - principalmente nos Estados.
Em 2021, estão programados ao menos sete leilões, que juntos deverão contratar R$ 36,5 bilhões de investimentos para os próximos 30 anos. A maior parte dos projetos são federais. Só a nova concessão da rodovia Dutra, entre São Paulo e Rio de Janeiro, deverá gerar R$ 14,5 bilhões em obras. Alguns dos projetos estavam programados para este ano, mas tiveram que ser postergados devido às turbulências provocadas pela pandemia no setor.Também têm proliferado pacotes de concessões rodoviárias em diversos estados - e não só em São Paulo, onde o mercado já é tradicional. Há em curso iniciativas em Minas Gerais, Pernambuco, Tocantins, Rio de Janeiro, Mato Grosso, entre outros.O Piauí planeja leiloar no primeiro semestre a Parceria Público-Privada (PPP) da Rodovia Transcerrados, que prevê investimentos de R$ 808,9 milhões. Também no ano que vem está programado um leilão de mais de mil quilômetros de rodovias do Rio Grande do Sul.O maior pacote deverá ser no Paraná. Serão leiloados seis lotes de rodovias estaduais, que juntos somarão R$ 42 bilhões de investimentos em 4.100 quilômetros de estradas. A expectativa é que a nova licitação, que está sendo modelada pelo estado em parceria com o governo federal, seja realizado no início de 2022.Em São Paulo, que em janeiro deste ano licitou o megaprojeto de Piracicaba-Panorama (conquistado pela gestora Pátria), a previsão é licitar, em 2021, o lote Rodovias do Litoral Paulista, que prevê R$ 3 bilhões em obras.A expectativa para os próximos dois anos é muito positiva. No caso dos leilões federais, espera-se bastante competição, principalmente no leilão da Dutra - considerada a "joia da coroa". Essa via, que liga São Paulo ao Rio, é operada atualmente pelo grupo CCR.Há otimismo também quanto aos projetos estaduais. A avaliação é que os governos têm se preocupado em contratar consultores de qualidade e entregado bons editais, diz Marco Aurélio de Barcelos, presidente da Associação Brasileira de Concessionárias de Rodovias (ABCR).Porém, há duas preocupações: evitar um "congestionamento" de licitações e garantir segurança jurídica nos estados. "O desafio será o escalonamento dos leilões. Se entrarem todos de uma só vez, talvez não haja fôlego do mercado", afirma Barcelos.Essa fila de projetos se agravou com a pandemia, que congelou o andamento de vários processos. Com a retomada gradual do tráfego nas estradas pelo país, os projetos já voltaram a avançar. Apesar do "encavalamento", a perspectiva é que, quem conseguir oferecer um contrato de qualidade e com segurança jurídica, terá interessados, diz o advogado Giuseppe Giamundo Neto.A regulação será um ponto determinante, já que muitos estados não têm agências reguladoras, ou têm órgãos com pouca independência em relação ao governo. "É um ingrediente que pode condicionar a participação das empresas. A dúvida é como o poder público irá lidar com problemas ao longo contrato. A agência será neutra? A decisão será técnica?", pondera Barcelos.Mesmo nos dois órgãos reguladores consolidados - a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) e a Agência de Transporte do Estado de São Paulo (Artesp) - há preocupações. A avaliação é que a tomada de decisão é lenta e, muitas vezes, não acontece, diz Lucas Sant'anna, sócio do Machado Meyer Advogados.Com maior ou menor grau de incerteza, a avaliação no mercado é que os grupos mais tradicionais - CCR, Ecorodovias e Arteris - continuarão ativos nos leilões de maior porte, já que as companhias têm contratos importantes em fase de vencimento e precisam renovar seus portfólios.No caso da Arteris, neste ano, a empresa desistiu de alguns leilões nos quais sua participação era esperada - para duas fontes, a avaliação é que a situação financeira menos confortável e as diversas pendências regulatórias contribuíram para a relutância. O Pátria, que neste ano se consolidou como um quarto grande operador, também deve continuar ativo nas disputas.Além deles, há uma perspectiva de abertura do setor para novos agentes, avalia Massami Uyeda, do Arap, Nishi & Uyeda Advogados. "Hoje, o mercado ainda está concentrado, mas a tendência é uma abertura", afirma. Ele destaca o interesse de gestores de fundos de investimento como a Vinci e a Monte Partners (que neste ano adquiriu concessões da Odebrecht no Nordeste).Para os leilões estaduais, uma tendência já constatada nas concorrências recentes é a formação de consórcios de grupos locais.Alguns operadores novos, ou de porte médio, têm se destacado. É o caso da Global Logistic Properties (GLP), que no fim do ano passado conquistou uma concessão rodoviária no Mato Grosso do Sul; da Conasa Infraestrutura, que nos últimos meses venceu um leilão do Mato Grosso; e da espanhola Sacyr, que acaba de levar uma concessão no Rio Grande do Sul e poderá concorrer em licitações de maior porte, como Dutra e Rodovias do Litoral. Além disso, o grupo Itapemirim, que tem anunciado planos ousados de expansão, também quer entrar no segmento, possivelmente com a Odebrecht.Setor busca reequilíbrio financeiro por perdas na pandemia
O setor de rodovias no país encerrará 2020 com uma retomada relevante, mas ainda sem uma perspectiva concreta para os reequilíbrios econômico-financeiros provocados pela pandemia.
No auge da crise, o tráfego nas estradas chegou a cair mais de 40%, segundo a Associação Brasileira de Concessionárias de Rodovias (ABCR). Em novembro, a redução já era bem menor, de 4,2%. No acumulado de janeiro a novembro, a queda ficou em 13,9%.Apesar da retração menor que em outros setores, o setor calcula um impacto significativo. Apenas no período entre março e junho, as concessionárias estimam uma perda total de R$ 1,3 bilhão.No caso das concessionárias federais, a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) afirma que irá abrir uma audiência pública em janeiro, com uma proposta de metodologia para calcular os ressarcimentos devidos. A resolução deve sair em março, para que os reequlíbrios sejam feitos nas revisões de 2021.Questionada sobre o cronograma para os reequilíbrios das concessões paulistas, a Agência de Transporte do Estado de São Paulo (Artesp) disse que responderia por meio da Secretaria estadual de Projetos, Orçamento e Gestão.A pasta, por sua vez, afirmou que as negociações ocorrem sem prazo para a conclusão.Em São Paulo, as pendências regulatórias são muito anteriores à pandemia. A mais antiga delas se refere a termos aditivos firmados em 2006, que prorrogaram o prazo de vários contratos. Esses acordos, porém, foram revistos anos depois, gerando uma onda de judicialização.O atual governo de João Doria (PSDB) assumiu com a determinação de resolver todas as pendências. Segundo fontes do setor, passados dois anos da gestão, a demora já provoca certo incômodo e impaciência nas companhias. Em julho, a Artesp chegou a reconhecer um reequilíbrio da concessionária Ecorodovias, mas teve que voltar atrás dias depois.Na sequência, o governo criou um grupo de trabalho, que desde então vem buscando resolver as pendências - que incluem desequilíbrios tanto a favor das empresas, quanto do poder concedente.Para o advogado Lucas Sant`anna, sócio do Machado Meyer, a demora gera incerteza e pode afastar investidores dos leilões. "Para quem não está acostumado com a legislação brasileira, pode ser um desincentivo. Mesmo para os atuais operadores, gera insegurança", afirma. Questionado, o governo diz que "não faz sentido alegações de afastamento de investidores exatamente quando se negocia ativos e passivos pendentes. Pelo contrário, isto demonstra a segurança jurídica", diz, em nota, a secretaria de Projetos. Para a pasta, uma prova dessa confiança foi o leilão do corredor Piracicaba-Panorama, em janeiro de 2020, no qual o Pátria ofereceu um lance agressivo de R$ 14 bilhões.Jornalista: HIRATA, Taís
(Valor Econômico - 29.12.2020, p. B2)