O governo publicou no último domingo (22/03) a Medida Provisória (MP) 927, que tem como objetivo combater os efeitos econômicos da crise do coronavírus. Constam na MP medidas trabalhistas para ajudar as empresas a remanejarem sua folha de pagamentos neste momento de fechamento ou de redução de contratos.

A MP deixa claro que as alterações valem para o período de calamidade apenas. Neste período, determinar o texto, "o empregado e o empregador poderão celebrar acordo individual escrito, a fim de garantir a permanência do vínculo empregatício, que terá preponderância sobre os demais instrumentos normativos, legais e negociais, respeitados os limites estabelecidos na Constituição".

"Para enfrentamento dos efeitos econômicos decorrentes do estado de calamidade pública e para preservação do emprego e da renda, poderão ser adotadas pelos empregadores, dentre outras, as seguintes medidas: I - o teletrabalho; II - a antecipação de férias individuais; III - a concessão de férias coletivas; IV - o aproveitamento e a antecipação de feriados; V - o banco de horas; VI - a suspensão de exigências administrativas em segurança e saúde no trabalho; VII - o direcionamento do trabalhador para qualificação; e VIII - o diferimento do recolhimento do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço - FGTS."

Uma das decisões mais relevantes é a que altera as regras para o lay-off. Atualmente, o lay-off já está previsto na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), mas existiam algumas regras que, de acordo com o setor produtivo, precisavam ser alteradas neste momento. A principal delas era a necessidade de negociação com os trabalhadores. Ou seja, não poderia ser uma medida unilateral.

Atualmente, essa suspensão temporária do contrato de trabalho pode durar de dois a cinco meses, e deve estar prevista em acordo ou convenção coletiva. Durante este período, os empregados com o contrato suspenso devem ser submetidos a um treinamento profissional, com a possibilidade de pagamento pelo empregador de bolsas-auxílio, sobre as quais não incidem encargos trabalhistas, e os empregados têm acesso ao seguro-desemprego.

A Medida Provisória publicada neste domingo, entretanto, estabeleceu que, durante o estado de calamidade pública, "o contrato de trabalho poderá ser suspenso, pelo prazo de até quatro meses". Nesse período, o empregado será direcionado para curso ou programa de qualificação . E, mais importante, essa decisão "não dependerá de acordo ou convenção coletiva", o que atende a pedidos feitos por entidades como a Confederação Nacional da Indústria (CNI) e pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) ao governo federal.

Ainda conforme o texto da MP, a suspensão poderá ser acordada individualmente com o empregado ou o grupo de empregados e será registrada em carteira de trabalho física ou eletrônica.

A MP também suspendeu a exigibilidade do "recolhimento do FGTS pelos empregadores, referente às competências de março, abril e maio de 2020, com vencimento em abril, maio e junho de 2020, respectivamente". A permissão vale para todas as empresas, independentemente do número de empregados, do regime de tributação, da natureza jurídica, do ramo de atividade econômica e da adesão prévia.

"O recolhimento das competências de março, abril e maio de 2020 poderá ser realizado de forma parcelada, sem a incidência da atualização, da multa e dos encargos previstos no art. 22 da Lei nº 8.036, de 11 de maio de 1990", estabeleceu a medida provisória. Em caso de rescisão do contrato, contudo, os valores devem ser pagos.


Teletrabalho

Outra demanda do setor produtivo, atendida pelo governo na MP, foi a retirada de certas exigências para o teletrabalho, o que se tornou absolutamente comum neste período de quarentena para evitar o contágio pela Covid-19.

A MP permite que, neste período de calamidade, o empregador poderá, a seu critério e não mais tendo de fazer acordo ou prever a possibilidade em contrato, "alterar o regime de trabalho presencial para o teletrabalho, o trabalho remoto ou outro tipo de trabalho a distância e determinar o retorno ao regime de trabalho presencial".

Também a critério exclusivo do empregador, as empresas poderão antecipar as férias dos trabalhadores, tendo de avisá-los com no mínimo de 48 horas de antecedência e não podendo ser gozadas em períodos inferiores e cinco dias corridos. E "poderão ser concedidas por ato do empregador, ainda que o período aquisitivo a elas relativo não tenha transcorrido".

"Adicionalmente, empregado e empregador poderão negociar a antecipação de períodos futuros de férias, mediante acordo individual escrito", previu a MP.

Saúde

Para a área de saúde, a MP permite aos hospitais, "mediante acordo individual escrito, mesmo para as atividades insalubres e para a jornada de doze horas de trabalho por trinta e seis horas de descanso", a prorrogação da jornada de trabalho.

O texto admite ainda a possibilidade de adoção de escalas de horas suplementares entre a décima terceira e a vigésima quarta hora do intervalo interjornada, "sem que haja penalidade administrativa, garantido o repouso semanal remunerado".

As horas suplementares computadas em decorrência dessas medidas poderão ser compensadas em até 18 meses, contados da data de encerramento da calamidade pública.

Esta nova MP se soma à decisão anunciada na semana passada pelo governo, permitindo que empresas diminuam jornada e salário de trabalhadores em até 50%. Mas esta medida ainda não está no papel. O que se espera é a simplificação deste processo já previsto na Constituição.

Para alguns advogados trabalhistas, a redução é um meio-termo razoável para evitar as demissões e os lay-offs. O instrumento está previsto tanto na CLT quanto na Constituição Federal. A CLT prevê em seu artigo 503, desde sua criação em 1943, que a redução de jornada e salário não pode ser maior que 25%. Só que a Justiça do Trabalho entende que o dispositivo não foi recepcionado pela Constituição de 1988, que prevê que é permitida a redução de salário e jornada se prevista em convenção ou acordo coletivo.

Assim, não existe percentual máximo para a redução salarial. O que uma nova MP faria, desta forma, é derrubar a necessidade de acordo ou convenção coletiva, e uma negociação individual bastaria. A Reforma Trabalhista (Lei 13.467/2017) reforça esse instrumento, já que prevê que o negociado se sobrepõe ao legislado.

"É um instituto antigo e de acordo com a Constituição já é permitida a redução de salário mediante negociação coletiva. A gente imagina que a MP permita a redução de salário com negociação individual", explica o advogado trabalhista Rodrigo Takano, sócio do escritório Machado Meyer.

Mudar as regras para redução de jornada e salário por meio de medida provisória, entretanto, pode enfrentar questionamentos no Supremo Tribunal Federal (STF) posteriormente. Isso porque poderia-se alegar uma inconstitucionalidade formal: como a regra é prevista na Constituição, mera medida provisória não poderia alterá-la.

"É questionável se a redução de salário por determinação do empregador poderia ser feita sequer por emenda constitucional, porque vai contra um direito fundamental garantido no artigo 7º da Constituição", opina Ribeiro. Porém, em sua visão, o que se verifica no momento é "uma ponderação de garantia e de interesses" individuais e coletivos. "O objetivo claro e evidente é proteger o emprego em um momento de crise que deve ser temporário", diz.

Medidas provisórias podem ser editadas pelo presidente da República a qualquer momento, e passam a valer a partir de sua publicação. Entretanto, é necessário que o Congresso analise e vote a validade da MP em até 120 dias - caso não seja apreciada, ela perde a validade.

Jornalista: RECONDO, Felipe; FREITAS, Hyndara

(JOTA - 23.03.2020)