Por Eliana Chimenti, Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo., e Gustavo Rugani,Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.

A constituição de sociedades no Brasil ainda é, em sua maioria, resultante de laços de parentesco ou amizade, vista como uma forma apropriada para explorar oportunidades de negócios mediante compartilhamento dos riscos e retorno. Tipicamente essas sociedades nascem a partir de momentos cercados de otimismo e com um grau de formalização e profissionalização mínimos.

A experiência prática demonstra, entretanto, que com o passar do tempo, os sócios se deparam com a necessidade de tomar diversas decisões importantes que vão determinar os rumos futuros da sociedade, seu crescimento e expansão para exploração de novas atividades. Todos esses ingredientes acrescentam pitadas de complexidade na gestão e administração do negócio, e pode resultar em divergências entre os sócios a partir da visão individual de cada um.

Para antecipar situações como a exposta acima e dar a elas o devido tratamento, existem os acordos de acionistas. Tais acordos são instrumentos de natureza contratual, celebrados entre os acionistas[1], visando regular a estrutura e o funcionamento da governança da sociedade, bem como outros temas de interesses dos sócios, tais como regras para transferência das ações a terceiros, alçadas de aprovação e mecanismos de liquidez.

Dada a sua natureza e as particularidades de cada sociedade, os acordos são instrumentos bastantes customizados e guardam estreita relação com as disposições do estatuto social, não podendo, assim, conter contrassensos.

Apesar de serem bastante flexíveis quanto ao conteúdo, os acordos de acionistas, de modo geral, contemplam um conjunto mínimo de cláusulas que costumam abordar:

Administração da Sociedade: as cláusulas de administração determinam o grau de envolvimento desejado por cada acionista na companhia. Usualmente envolvem a determinação e a composição dos órgãos da administração da companhia, além da forma de indicação de seus membros, podendo conter regras mínimas de qualificação dos candidatos elegíveis, prazo de mandato, procedimentos para substituição, dentre outros. Limites de Alçada para Decisões: provisões que nitidamente indicam a visão de apetite a risco experimentada pelos diferentes acionistas, ao determinar quais as matérias que dependerão de sua manifestação aprovada para válida aprovação no âmbito da companhia. Essas cláusulas contém a indicação de matérias específicas que serão sujeitas a quóruns ou instâncias qualificadas de aprovação, ou com relação às quais é atribuído direito de veto a determinado(s) acionista(s). A título de exemplo apenas, tais matérias podem envolver a aprovação de transações com partes relacionadas, a celebração de contratos acima de um determinado valor, a alienação ou a aquisição de ativos, a contratação de endividamento, o aumento ou redução do capital social, a aprovação de planos de negócios e orçamento anuais, dentre outros. Cláusulas de transferência de ações: correspondem a itens relacionados às regras para transferência das ações detidas por cada sócio a terceiros. Essas cláusulas podem apresentar elevado grau de complexidade a depender da vontade dos sócios, mas, em linhas gerais, se apresentam nas modalidades sucintamente descritas abaixo[2]: Direito de Preferência: corresponde ao direito atribuído aos demais acionistas de igualar uma oferta recebida de um terceiro por um acionista alienante para que eles, acionistas, adquiram as ações do acionista alienante. Direito de Primeira Oferta: trata-se de uma obrigação de um acionista alienante em ofertar as suas ações aos demais acionistas, de forma vinculante, sob termos e condições determinados, antes que possa procurar um terceiro para realizar a alienação nos mesmos termos oferecidos. Direito de Venda Conjunta (tag along): constitui uma obrigação a um acionista alienante, mediante solicitação dos demais sócios, de incluir as ações dos demais sócios na transação de alienação das ações originalmente propostas. Direito de Obrigar a Venda (drag along): na contramão do item anterior, corresponde a um direito de um acionista alienante de obrigar os demais acionistas a alienarem as suas ações juntamente com as por ele detidas.

Caso a companhia tenha como acionista algum investidor estratégico ou, principalmente, um investidor de natureza financeira (tais como fundos de private equity), os acordos de acionistas incluem, ainda, as chamadas cláusulas de liquidez, assim denominadas por constituírem meios de “saída” para esses investidores, especialmente quando possuem participações minoritárias. Essas cláusulas se traduzem, essencialmente, em direitos atribuídos a tais acionistas para determinar a realização de um processo de venda organizado privado ou por meio de oferta pública inicial de ações (IPO) ou, ainda, de participar em processo dessa natureza iniciado pela Companhia, incluindo suas ações na oferta a terceiros.

Uma vez arquivados na sede da companhia, conforme determinado na lei das sociedades por ações brasileiras, são oponíveis à própria companhia e à sua administração, que não poderá deixar de observar seus termos na condução de seus negócios.

Como se vê acima, os acordos de acionistas são instrumentos bastante úteis e adequados para permitir aos sócios implementar mecanismos de governança adequados ao seu perfil individual, antecipando potenciais fontes de conflitos e pré-determinando os processos e procedimentos aplicáveis nesses casos. Por tudo isso e mais, são tão adequados a companhias fechadas quanto às abertas, ao regulamentar o relacionamento dos sócios, evitar a frustração de expectativas futuras acerca dos rumos possíveis que podem se colocar à frente da companhia e possuir a segurança de sua exequibilidade ao vincular a própria companhia e sua administração.

[1] Aqui nos referimos a companhias fechadas, mas nada impede sua celebração no contexto de sociedades empresárias limitadas ou sociedades incorporadas sob outros tipos

[2] Essas modalidades normalmente contemplam exceções pré-determinadas que não se sujeitam às regras de transferência, como aquelas resultantes de processos sucessórios ou de reorganizações societárias sem a alteração do poder de controle sobre as ações transferidas.

Sobre os autores: Eliana Chimenti e Gustavo Rugani são sócios do Machado, Meyer, Sendacz e Opice Advogados e atuam na área de mercado de capitais, com ampla experiência na governança de companhias fechadas e de preparação e execução de abertura de capital.

(BM&F Bovespa - 08.04.2016)

(Notícia na íntegra)

Fonte: http://vemprabolsa.com.br/2016/04/08/o-acordo-de-acionistas-em-companhias-fechadas/