O brasileiro não pode entrar na União Europeia, nos Estados Unidos, e em dezenas de outros países mundo afora. Nem o vizinho Paraguai quer brasileiro por lá. Tudo por conta da proliferação do coronavírus no Brasil, que tornou o brasileiro uma ameaça. A demora na reabertura das fronteiras começa a soar o alarme para os brasileiros que moram no exterior e ficaram presos no Brasil. Não porque têm medo do coronavírus. Mas porque temem o leão. Com o prolongamento da pandemia, eles correm o risco de ter que pagar imposto de renda no país se o fisco passar a considerá-los como residentes fiscais. Em alguns países, como nos Estados Unidos, o fisco entendeu a excepcionalidade e dobrou o prazo para considerar um cidadão como residente fiscal. Mas não foi, até agora, o caso da Receita Federal do Brasil. E isso pode significar, para quem está nesta situação, em pagar efetivamente mais imposto brasileiro do que se tivesse morando no exterior. Ou até em pagar duas vezes o imposto de renda.

O prejuízo já começa para aqueles que têm dinheiro aplicado em fundos de ações. Considerando apenas a tributação brasileira e não a tributação que outros países apliquem, se a pessoa tem seu domicílio fiscal em qualquer país que não seja paraíso fiscal, pode pagar, pelas regras brasileiras, 10% de alíquota de imposto de renda no Brasil, sobre os rendimentos. No entanto, quando ela se torna residente fiscal no país, essa alíquota passa a ser de 15%, segundo a advogada Ana Claudia Utumi, do Utumi Advogados. As advogadas Natalia Zimmermann e Joanna Rezende, sócias do escritório Velloza Advogados, alertam ainda que em alguns países não está vigente a regra de reciprocidade ou acordo de bitributação, para compensar pagamento de tributos. Se o brasileiro que ficou preso aqui for considerado residente fiscal pela Receita Federal, pode acabar tendo que pagar IR duas vezes. A Suíça, por exemplo, não tem tratado com o Brasil.

Advogados ainda divergem se os brasileiros devem seguir a regra que diz que depois de 183 dias por ano no país, consecutivos ou alternados, já precisam imediatamente pagar imposto aqui. O advogado Alessandro Amadeu da Fonseca, do escritório Mattos Filho, diz que apesar de o texto, lido ao pé da letra, falar em estrangeiro, ele acredita que automaticamente se estende a brasileiros na mesma situação. Mas de qualquer forma, os entendidos no assunto concordam em uma coisa: o Fisco é muito atento à regra do centro de interesse vital da pessoa. Afinal, onde os filhos estudam? Onde tem casa? Onde tem carro? Onde está seu emprego? Que igreja frequenta? Até isso o Fisco verifica. E aí não importa muito quanto tempo o cidadão está no Brasil.

O advogado Fernando Colucci, do Machado Meyer, diz que proibiu um cliente seu que mora nos Estados Unidos, mas resolveu passar o período da pandemia com os pais no Brasil, de comprar um carro. Qualquer bem no Brasil, pode ser uma razão para o fisco cobrar imposto aqui. Os órgãos administrativos que julgam as multas fiscais já consideraram, por exemplo, que um brasileiro que mudou para Portugal, tem trabalho lá, casa lá, os filhos matriculados em escolas portuguesa, mas que mantinha casa em seu nome, com conta de luz e telefone, deveria pagar imposto no Brasil. O fisco pega todo mundo? Não. Mas o risco existe e se agrava a dia em que as fronteiras do mundo permanecem fechadas a brasileiros.



Jornalista: GOULART, Josette

(Veja - 16.08.2020)