Assolado pela grave retração econômica e pelas incertezas no campo político, o país passa por séria crise que atingiu setores importantes e estratégicos da economia nacional, como bem comprova o aumento exponencial dos pedidos de recuperação judicial.

Nesse cenário, sobreleva-se a importância do financiamento às empresas em recuperação judicial para lhes gerar valor e capital de giro, instrumentos essenciais para viabilizar a continuidade das suas atividades, a implementação do plano eventualmente aprovado e, finalmente, para que sejam atingidos os objetivos almejados pela Lei 11.101/2005 ("LRF").

Ao longo desses dez anos de vigência da LRF, é certo que muitos dos meios de recuperação já foram testados, amplamente discutidos e (alguns) até se encontram sedimentados. O mesmo, contudo, não se aplica às figuras da concessão de crédito no âmbito da recuperação judicial (dito "dinheiro novo"), especialmente na forma do chamado DIP Financing (ou debtor-in-possession financing, "DIP"), cuja prática ainda engatinha entre nós, em que pesem os avanços nos últimos anos.

Em paper elaborado e divulgado pelo "Turnaround Management Association no Brasil - TMA", em março/2010, já se apontava para o baixo uso do DIP no país por força de fatores culturais (a recuperação judicial é encarada como sinônimo de fracasso e existe a dificuldade do empresário de assumir tempestivamente a existência de erros em sua gestão e a necessidade de se socorrer deste procedimento da LRF) e da carência de (i) incentivos legais efetivos ao financiador, seja no curso da recuperação, seja em uma posterior falência; (ii) regulação do Banco Central quanto à >(iii) transparência e regras governança corporativa; e (iv) conhecimento sobre a LRF.

Ademais, para agravar a situação, a insegurança jurídica acerca do tema (decisões erráticas/contraditórias) é sempre reconhecida como um fator de peso que coíbe a atuação e influencia diretamente a decisão de potenciais investidores/financiadores, especialmente os estrangeiros, menos familiarizados com a legislação pátria.

Especificamente em relação à ausência de efetivos benefícios legais, importa notar que o art. 67 da LRF prevê que "os créditos decorrentes de obrigações contraídas pelo devedor durante a recuperação judicial, inclusive aqueles relativos a despesas com fornecedores de bens ou serviços e contratos de mútuo, serão considerados extraconcursais, em caso de decretação de falência, respeitada, no que couber, a ordem estabelecida no art. 83 desta Lei".

Como se nota, não há uma vantagem eficaz aos novos financiadores no curso da recuperação judicial (a bem da verdade, como extraconcursais, vão concorrer com outros credores que também estão fora do procedimento, por exemplo, o Fisco, os credores com garantia fiduciária etc.) e, em um cenário de quebra, o crédito novo será colocado atrás de outros credores extraconcursais da massa falida, tais como despesas com o administrador judicial e verbas trabalhistas após a falência.

Ainda, a própria imprecisão legislativa da expressão "durante a recuperação judicial" constante do caput do art. 67 já ensejou muitas críticas e debates em nossos Tribunais acerca de qual seria o marco inicial correto para que o crédito novo, concedido na recuperação judicial, fosse reconhecido como extraconcursal na falência. Isto é, se desde a data do protocolo do pedido; se desde a data do despacho de deferimento do processamento; ou se somente a partir da aprovação, homologação e efetiva concessão da recuperação judicial.  

A esse respeito, aponta-se que apenas recentemente, passados 10 anos da edição da LRF, essa polêmica foi discutida pelo Superior Tribunal de Justiça ("STJ"), o qual firmou entendimento de que o dinheiro novo não precisa contar com a aprovação do plano de recuperação judicial em assembleia geral de credores para ter reconhecida a característica de extraconcursal, mas tão-somente ser concedido após o deferimento do processamento da recuperação judicial (STJ, 4ª Turma, Min. Rel. Maria Isabel Gallotti, REsp 1.399.853/SC, DJe 13.03.2015).

Como se vê, a lacuna legal de incentivos reais, agravada pelos entraves judiciais e pela insegurança sobre pontos elementares da LRF que demoram anos para serem julgados pelas cortes superiores, obstam o desenvolvimento da prática do DIP.

Não por outro motivo, verifica-se que muitas empresas brasileiras, sem conseguir qualquer dinheiro novo, já se viram forçadas a recorrer a outros meios para obter alguma liquidez, como a alienação de ativos - destinada originalmente à diminuição do passivo e não à geração de capital de giro. Esse tipo muito usual de solução, por sua vez, acaba por garantir uma sobrevida às companhias, mas abre as portas para a futura insolvência e quebra, na medida em que lhes compromete a receita e o uso de recebíveis, retirando-lhes valor.

Uma vez constatada a premente necessidade de geração de caixa e de soluções que garantam o soerguimento das atividades das empresas a longo prazo, enquanto não são adotadas soluções mais definitivas e concretas,  tem-se buscado adotar soluções criativas, a fim de incentivar a concessão de novos recursos às empresas em recuperação judicial.

Nesse sentido, em algumas recuperações judiciais de grande porte (também motivadas por experiências estrangeiras) em que se via a oportunidade de continuidade das atividades empresariais com a concessão de dinheiro novo, criaram-se incentivos para esse tipo de financiamento por meio da inserção de previsões no plano de recuperação judicial sobre garantias adicionais e condições especiais a favor do novo financiador. Isto, contudo, sujeitou-se obrigatoriamente à deliberação e aprovação da assembleia geral de credores, envolvendo inúmeras discussões e um longo prazo de implementação.

Sem adentrar especificamente aos pormenores das operações, relembra-se que, na recuperação judicial da OGX, um grupo de credores, primeiramente, celebrou um "plan suport agreement", para, dentre outras questões, permitir que se criasse condições para que o grupo tivesse conforto jurídico para financiar os primeiros pagamentos até que fosse aprovado um DIP de longo prazo. Mais tarde, conforme previsão do plano de recuperação aprovado, foi feito um DIP no qual os investidores comprometeram-se a investir US$ 215 milhões, na forma de emissão de debêntures conversíveis em ações ordinárias, representando aproximadamente 65% da participação acionária da OGX reestruturada, com garantias envolvendo a concessão de exploração e a produção de óleo.

A respeito dessa operação, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, ao julgar os agravos de instrumento interpostos contra a decisão homologatória do plano de recuperação, decidiu expressamente que a contrapartida do tratamento diferenciado aos credores investidores, que haviam aportado grande capital, é justificável e não afeta a isonomia entre credores, na medida em que estes apostaram na recuperação da empresa, assumindo risco incomum em momento crítico de falta liquidez da devedora e beneficiando (direta ou indiretamente) os demais credores. Ressalva-se que tal decisão ainda não transitou em julgado e deverá ser objeto de apreciação pelo STJ.

Já no caso da recuperação judicial do Frigorífico Independência, além de o plano de recuperação prever o tratamento diferenciado para credores pecuaristas e fornecedores (por serem considerados parceiros relevantes), também previa o levantamento de recursos por meio de emissão de bonds, os quais foram garantidas por diversas unidades frigoríficas em alienação fiduciária.

Em que pesem esses e outros casos apresentarem diversas peculiaridades, não se desconsidera a sua contribuição para o amadurecimento na aplicação do instituto do DIP.

Contudo, em situações em que a necessidade de liquidez e financiamento é urgente, não se podendo esperar os trâmites para aprovação assemblear do plano de recuperação judicial, justamente pelo fato de os momentos iniciais da recuperação judicial serem igualmente críticos para a empresa (abalo da confiança, corte do crédito etc.), desponta-se a figura do DIP clássico como extremamente relevante.

Nesse contexto, a questão central que deve ser analisada, em um momento em que a viabilidade econômico-financeira da tomadora do empréstimo é incerta e duvidosa, circunscreve-se a expectativa e o potencial de retorno de geração de valor que o dinheiro novo criará para a empresa recuperanda, com vistas ao incremento da sua capacidade financeira e ao pagamento dos credores existentes.

Ademais, outra discussão reside no fato de que certamente o novo financiador exigirá a concessão de garantia para assegurar a operação e, a este respeito, nos termos do art. 66, LRF, a oneração de ativo permanente estará sujeita à autorização judicial sob a análise da "evidente utilidade", que é um critério aberto, gerador de discussões.

A questão fica, portanto, a cargo da casuística e de critérios interpretativos, a partir de determinados parâmetros, em especial com relação à confiabilidade na gestão da empresa, à transparência das negociações, ao envolvimento ou não dos principais credores no processo decisório, à qualidade e natureza das garantias oferecidas, à adequação das condições previstas no contrato de financiamento quando comparada a financiamentos semelhantes, à existência de justificativa no montante fornecido e à alocação futura dos eventuais recursos.

Este tipo de debate é bem representado pelas discussões que vem sendo travadas no âmbito da recuperação judicial do Grupo OAS, em que foi requerida autorização judicial de um DIP anterior à assembleia geral de credores, com a outorga de diversas garantias e condições específicas, sob a justificativa da urgência na obtenção de recursos.

De um lado, o juiz de Primeira Instância aprovou a outorga de garantias para a concessão do DIP, sob o entendimento de que a operação não apresenta ilegalidades, visa a socorrer uma necessidade real da empresa recuperanda e deve ocorrer antes da assembleia geral de credores que votará o plano de recuperação, em razão da sua urgência, a fim de preservar suas atividades.

De outro lado, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo entendeu, em sede de decisão liminar, que a matéria é controvertida, contém pontos sensíveis que dizem respeito a possível alteração da posição e expectativa de recebimento dos créditos e que, portanto, deve ser objeto de deliberação pelos credores, na qualidade de principal centro de interesses da recuperação judicial.

Sem qualquer pretensão de se adentrar ao mérito das questões objeto de debate, chamam a atenção os fatores que podem favorecer as negociações relativas à concessão de dinheiro novo na forma de DIP, tais como: diminuição da assimetria de informações, confiabilidade na gestão e na futura alocação de recursos advindo do empréstimo, com a imposição de covenants e fiscalização idônea, convergência de interesses entre os investidores e os principais credores, imposição de regras de governança corporativa e oferecimento de garantias que não comprometam, em definitivo, a capacidade econômica e de pagamento da devedora.

Ademais, seria interessante pensar na adoção de estruturas utilizadas em outros países e que tem estimulado a concessão de dinheiro novo, valendo citar que, nos Estados Unidos, sob a sistemática do U.S. Bankruptcy Act, há disposições específicas a respeito do financiamento extraconcursal, prevendo que, por autorização/decisão judicial, este poderá ser equiparado às admistrative expenses (verbas posteriores ao início do processo de reorganização, que têm privilégio no recebimento) ou até mesmo poderá lhe ser outorgado grau hierárquico igual ou superior ao de créditos reais preexistentes (priming lien), desde que os credores preexistentes estejam adequadamente protegidos.

Assim, confirma-se que, sem prejuízo de futuras alterações na LRF e aprimoramento de aspectos regulatórios, o fomento do DIP no Brasil dependerá essencialmente da consolidação da jurisprudência, e da implementação de mecanismos que contemplem os fatores acima apontados.

Sobre os autores:

Gláucia Mara Coelho e Renato Gomes Ribeiro Maggio, são sócios da Machado, Meyer, Sendacz e Opice Advogados.

Renata Oliveira e Carolina Mascarenhas são associadas.

(Turnaround Management Association do Brasil - TMA Brasil - ago./2015)

(Notícia na Íntegra)