Direito Ambiental e Responsabilidade
O direito ambiental pode ser conceituado, em linhas gerais, como o conjunto de normas e princípios cujo objetivo seria a manutenção do equilíbrio das relações entre o homem e o meio ambiente. Trata-se precipuamente de um direito sistematizador, que busca integrar temas e elementos concernentes ao meio ambiente de acordo com os instrumentos jurídicos de prevenção e reparação, bem como informação, monitoramento e participação, criando, portanto, obrigações e responsabilidades aplicáveis a empresas de todos os setores de atuação (incluindo instituições financeiras), sociedade civil, bem como governos e seus respectivos órgãos e entidades.1
As principais regras relativas ao presente tema podem ser encontradas tanto na Constituição Federal (artigo 225, que trata da Ordem Social e Meio Ambiente), quanto na legislação ordinária (Lei Federal nº 6.938/81, que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, e Lei Federal nº 9.605/98, denominada Lei de Crimes Ambientais) e sua respectiva regulamentação (Decreto Federal nº 6.514/08, que trata das Infrações Administrativas, e Decreto Federal nº 99.274/90 e Resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente (“CONAMA”) nº 237/97, que dispõem sobre o Licenciamento Ambiental).
A demanda e a cobrança, pela sociedade civil, por empresas e entidades envolvidas e comprometidas com a preservação, informação, monitoramento e reparação do meio ambiente vêm crescendo ao longo dos anos. De forma consistente com essa tendência, encontramos na legislação e regulamentação ambiental o conceito, a extensão e a aplicação da responsabilidade ambiental.
A responsabilidade ambiental pode ser dividida em 3 (três) esferas, cujos pressupostos e efeitos são distintos e independentes entre si. Em primeiro lugar, temos a esfera administrativa, que consiste basicamente nas sanções e infrações administrativas previstas na regulamentação aplicável tanto no âmbito federal, quanto estadual e municipal. Além da esfera administrativa, encontramos também a responsabilidade ambiental penal, que consiste nos crimes ambientais e demais sanções penais, previstos principalmente na Lei de Crimes Ambientais, com aplicação subsidiária do Código Penal, Código de Processo Penal e Lei Federal nº 9.099/95. Por fim, mas com igual grau de relevância, verificamos a existência da responsabilidade ambiental civil, que abrange, em linhas gerais, as regras que tratam da reparação em decorrência de degradação ambiental, bem como a Política Nacional do Meio Ambiente.
Como mencionado anteriormente, tais responsabilidades impactam as atividades de empresas de todos os setores, incluindo as instituições financeiras públicas e privadas, as quais têm como atividade principal, dentre outras, a coleta, intermediação ou aplicação de recursos financeiros próprios ou de terceiros. E é exatamente mediante o exercício dessas atividades, em especial a de financiamento de empresas ou projetos potencialmente poluidores, que as instituições financeiras poderiam vir a ser responsabilizadas, ainda que indiretamente, com base na responsabilidade ambiental civil objetiva, por eventual degradação que seja causada ao meio ambiente. Isto porque, em determinados casos, nota-se que a atividade potencialmente poluidora de determinada empresa ou projeto somente pôde ser realizada e concretizada, causando, portanto, eventual dano ao meio ambiente, mediante o financiamento obtido junto a determinada instituição financeira. Daí a importância e relevância das políticas e dos procedimentos internos de cada instituição financeira com relação à regularidade ambiental das empresas ou projetos financiáveis e o controle, monitoramento e fiscalização dos projetos e dos impactos ambientais de modo a se antecipar à ocorrência de eventual dano ambiental.
Nesse tocante, ressaltamos que a Lei de Política Nacional do Meio Ambiente dispõe, dentre outros aspectos, que as entidades e órgãos de financiamento e incentivos governamentais condicionarão a aprovação de projetos habilitados a esses benefícios ao licenciamento, na forma da Lei nº 6.938/81, e ao cumprimento das normas, dos critérios e dos padrões expedidos pelo CONAMA. Essas regras devem ser observadas, tanto por instituições financeiras públicas, quanto por instituições financeiras privadas. Ainda de acordo com a Lei de Política Nacional do Meio Ambiente, as entidades e órgãos de financiamento e incentivos governamentais deverão fazer constar dos projetos a realização de obras e aquisição de equipamentos destinados ao controle de degradação ambiental e a melhoria da qualidade do meio ambiente.
Um dos objetivos da Política Nacional do Meio Ambiente consiste na imposição, ao poluidor, da obrigação de recuperar e/ou indenizar os danos causados ao meio ambiente e aos terceiros afetados por sua atividade, independentemente da existência de culpa. Em outras palavras, esse conceito pode ser entendido como a normatização da responsabilidade objetiva ambiental.
Para aplicação da responsabilidade objetiva ambiental, deve ser verificada a existência do dano ambiental e o nexo de causalidade com o ato (ou omissão) praticado. Dessa forma, os agentes envolvidos em uma determinada atividade poluidora (sejam eles os poluidores diretos ou indiretos) poderão ser acionados com base no referido mandamento a recuperar e/ou indenizar os danos causados. Nesse sentido, como observa Paulo Affonso Leme Machado, uma instituição financeira não poderá eximir-se da co-responsabilidade de se ter omitido em relação a determinada atividade que, ainda que não tenha praticado diretamente, resultou em dano ao meio ambiente, invocando ausência de imprudência, negligência, imperícia ou dolo.
Todavia, ressaltamos que o entendimento dos tribunais acerca da responsabilidade civil das instituições financeiras não é unânime, verificando-se decisões, tanto no sentido de reconhecer a responsabilidade objetiva das referidas instituições financeiras, quanto no sentido de afastar a referida responsabilidade na hipótese em que o financiamento e os respectivos desembolsos ocorreram sem que a referida instituição tivesse tomado ciência da ocorrência ou existência de danos ambientais sérios e graves e que refletem significativa degradação do meio ambiente.
Princípios do Equador
Em adição à legislação e regulamentação ora mencionadas, em especial aquelas que tratam da responsabilidade ambiental objetiva e solidária dos agentes envolvidos (direta ou indiretamente) em determinada atividade poluidora, importante ressaltar a importância que vem sendo conferida nos últimos anos aos Princípios do Equador, em especial no que se refere às operações realizadas sob a modalidade de financiamento de projetos.
Em linhas gerais, os Princípios do Equador podem ser entendidos como um conjunto de diretrizes voluntárias para se determinar, calcular e administrar os riscos socioambientais em relação a um determinado projeto a ser financiado. Ademais, os Princípios têm por objetivo servir como padrões e requisitos comuns à implementação, por cada instituição financeira, de suas políticas internas relativas à área socioambiental e de seus procedimentos e regras relacionados às suas atividades voltadas ao financiamento de projetos. Tais Princípios foram formulados em 2002 e revistos em 2006 e têm como base as diretrizes básicas adotadas pelo International Finance Corporation (“IFC”), braço financeiro do Banco Mundial, para operações dessa natureza.
Na prática, os Princípios do Equador estabelecem os critérios mínimos para concessão de crédito acima de US$ 10 milhões pelas instituições financeiras que a ele aderiram, com o objetivo de assegurar práticas adequadas de gestão socioambiental dos projetos financiados. Em outras palavras, com a aplicação dos Princípios também se busca o desenvolvimento sustentável e o equilíbrio socioambiental, bem como a prevenção de acidentes que possam impactar o cronograma de obras/desembolso de recursos de determinado financiamento e, consequentemente, diminuir risco de inadimplência. Dentre as instituições financeiras brasileiras que aderiram aos Princípios do Equador, podemos mencionar Banco Bradesco, Banco do Brasil, Santander, Itaú Unibanco e Caixa Econômica Federal.
De acordo com os Princípios do Equador, existe a categorização dos empreendimentos financiados conforme o risco, sendo os projetos A de alto, os projetos B de médio e os projetos C de baixo risco.
Para os projetos categorizados como projetos A e para alguns projetos categorizados como projetos B (nesse caso, a critério da instituição financeira), existem algumas obrigações que devem ser observadas pelo respectivo tomador dos recursos, incluindo: (i) Estudo de Impacto Socioambiental, sujeito à revisão de técnico independente; (ii) Plano e Sistema de Gestão Socioambiental (mitigação de riscos e impactos ambientais); e (iii) Obrigações Contratuais, incluindo (a) conformidade com a regulamentação ambiental, (b) conformidade com o Estudo de Impacto Socioambiental, (c) relatórios periódicos que comprovem o cumprimento das obrigações anteriores, e (d) descomissionamento da planta, conforme plano aprovado. Não obstante, os signatários dos Princípios devem divulgar relatórios anuais sobre as ações e medidas adotadas com relação aos Princípios do Equador.
Impactos nas Atividades dos Financiadores
Com base no exposto acima, verifica-se que a responsabilidade e a regularidade ambiental de determinado projeto afetam, ainda que indiretamente, a atividade da instituição financeira financiadora do referido empreendimento. De acordo com o conceito de responsabilidade ambiental civil (objetiva e solidária) mencionado acima, nota-se, inclusive, que tal instituição financeira pode ser responsabilizada por eventual dano ambiental causado por determinado projeto que tenha sido financiado pela referida instituição financeira.
Nesse aspecto, a variável ambiental deve, sem dúvida, ser considerada como um potencial elemento de risco para os negócios e para uma determinada operação, sendo que, quanto maior o risco ambiental, maior o risco do investimento ou do financiamento. Tal variável pode, inclusive, causar o não cumprimento de cronogramas e o inadimplemento de obrigações (inclusive financeiras), motivo pelo qual a fiscalização e o acompanhamento da regularidade ambiental dos empreendimentos financiados devem ocorrer não somente na fase de estruturação e implementação de determinado financiamento, mas durante toda a vigência de determinada operação.
Isto posto, existem alguns aspectos que devem ser verificados para fins de observância da regularidade ambiental de dado empreendimento. Dentre tais aspectos destacamos, com relação aos imóveis, a verificação da contaminação ambiental (solo, subsolo etc), e, com relação aos empreendimentos propriamente ditos, a auditoria ambiental, consistente na análise de documentos jurídicos e técnicos, bem como a verificação da obtenção de licenças e autorizações ambientais pertinentes e acompanhamento do cumprimento de suas condicionantes.
Project Finance e os Aspectos Ambientais
Project finance (ou financiamento de projetos) pode ser conceituado como sendo a modalidade de financiamento por meio do qual o crédito disponibilizado pelo financiador deverá ser pago primariamente com o fluxo de caixa e lucros oriundos do projeto, tendo como garantia as receitas e demais ativos de propriedade da sociedade de propósito específico tomadora dos recursos.
De modo a verificar a regularidade ambiental de determinado projeto em uma operação de financiamento sob a modalidade de project finance, podemos destacar 3 (três) aspectos com maior grau de relevância nesse processo, quais sejam, a auditoria ambiental, as declarações e garantias prestadas pelo tomador dos recursos e as obrigações assumidas pelo financiado.
A auditoria ambiental consiste em um dos processos com maior grau de relevância que são conduzidos em operações de financiamento de projetos e representa um instrumento para identificação de riscos e custos relacionados ao projeto analisado que podem impactar o financiamento a ser concedido. Nesse processo, normalmente são analisados todos os documentos existentes e necessários para implantação do projeto (licenças, autorizações, relatórios técnicos, processos judiciais e administrativos etc), bem como são conduzidas análises técnicas do site (presencial) e do projeto, de modo a identificar eventuais passivos e contingências ambientais existentes e a viabilidade do projeto. Dessa forma, resta clara a importância da atuação de uma equipe multidisciplinar na auditoria a ser conduzida, considerando que a análise técnica sempre poderá agregar valor à avaliação jurídica.
Com base no resultado da auditoria ambiental, os respectivos documentos do financiamento são redigidos de modo a consolidar a atual situação do projeto e da sociedade dele detentora, bem como a criar obrigações a serem observadas durante toda a fase de implantação e construção do projeto.
De modo a registrar a atual situação da companhia e do projeto quando do momento da assinatura dos respectivos documentos do financiamento e desembolso dos recursos, a instituição financeira financiadora normalmente exige que o tomador dos recursos preste determinadas declarações e garantias dispondo, dentre outros, sobre os aspectos ambientais do projeto. De forma resumida, assumem maior relevência aquelas declarações e garantias que tratam da conformidade com a legislação ambiental, aos parâmetros socioambientais do IFC, o Plano de Gestão Socioambiental, bem como da existência/manutenção regular de todas as licenças e autorizações ambientais necessárias para a fase atual do projeto, da inexistência de passivos ambientais (incluindo contaminação de águas subterrâneas e do solo), e da inexistência de processos administrativos (autos de infração), processos judiciais (em especial ações civis públicas) e procedimentos preparatórios (inquéritos civis e policiais).
Uma vez concluída determinada operação e desembolsados os recursos relativos a determinado financiamento, as instituições financeiras devem se certificar que o tomador dos recursos continue cumprindo com a legislação e regulamentação ambiental e mantendo sua regularidade ambiental. Nesse tocante, são incluídas nos respectivos documentos do financiamento determinadas obrigações para os tomadores dos recursos, dentre as quais destacamos a obtenção das licenças e autorizações ambientais necessárias conforme prazos legais e cronograma previamente acordado entre o tomador dos recursos e a instituição financeira, bem como a apresentação de relatórios periódicos relativos aos aspectos socioambientais do projeto. Esses relatórios podem (ou não) ser revisados ou acompanhados de relatório específico elaborado por técnico independente, de modo a comprovar as informações e fatos apresentados.
A implementação das 3 (três) medidas mencionadas acima auxiliaria a instituição financeira financiadora de determinado projeto a acompanhar e identificar, com antecedência, eventuais problemas e atrasos em relação ao respectivo projeto. Com isso, tal instituição não somente certificar-se-ia que estariam sendo observadas todas as medidas necessárias para a regularidade ambiental de determinado empreendimento, mas também poderiam ser antecipadas medidas necessárias para se evitar a ocorrência de eventuais danos ambientais e, consequentemente, inadimplemento de obrigações ou atrasos nos pagamentos dos valores devidos sob o financiamento concedido.
Roberta Danelon Leonhardt e Bruno Janikian Racy, sócia e associado ao Machado, Meyer, Sendacz e Opice Advogados respectivamente
1 No mesmo sentido dispõe a melhor doutrina sobre o assunto, incluindo Paulo Affonso Leme Machado, in “Direito Ambiental Brasileiro”, 14ª Edição: Malheiros Editores, págs. 146 a 150.
(Britcham Brasil | www.britcham.com.br | julho de 2010)
(Notícia na íntegra)