Por Alessandra Bellotto e Felipe Marques

Os investimentos em infraestrutura, considerados a saída para o desenvolvimento do Brasil no longo prazo, devem superar a casa de R$ 1 trilhão nos próximos três a quatro anos, segundo estimativas de mercado. Se os projetos tiverem uma parcela de dívida entre 60% e 70%, comum nesse tipo de operação, isso significaria uma necessidade de financiamento de, no mínimo, R$ 600 bilhões. A cifra é monumental. Porém, só nos últimos 12 meses, o sistema financeiro desembolsou mais de cinco vezes esse valor (R$ 3,25 trilhões), sendo que R$ 1,7 trilhão foram empréstimos corporativos. Ou seja, parece até contrassenso falar em escassez de crédito à infraestrutura.

O problema aparece na distribuição desse crédito. A maioria das operações apresenta vencimentos em um prazo curto demais para financiar grandes obras. Em março, a duração média da carteira de crédito destinada à pessoa jurídica era de 31,6 meses. Considerando apenas o estoque do maior financiador de infraestrutura do país, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), o prazo sobe para 53,6 meses, ainda abaixo da duração da carteira de pessoa física (65,4 meses).

Não há sinais claros de mudança nesse cenário. Ainda que o avanço do saldo de crédito venha sendo puxado recentemente pelos empréstimos para pessoa jurídica - em março, o estoque total de operações subiu 1,8%, para R$ 2,427 trilhões, com o crédito corporativo crescendo 2,2% -, são linhas de curto, não de longo prazo, que avançam mais. Nas operações do BNDES, por exemplo, enquanto o financiamento a investimentos cresceu 1,4% em março ante o mês anterior, os desembolsos para capital de giro avançaram 4,1%.

"Nós não temos um problema de funding, o que falta é um mercado privado para dívidas de longo prazo", afirma José Roberto Afonso, economista especializado em finanças públicas. Na visão dele, travando o desenvolvimento desse mercado está o Tesouro Nacional, que teria se transformado no maior "banco" do país. O Tesouro emite dívida no mercado para expandir o crédito a partir dos bancos públicos - ainda assim, não tem conseguido elevar a taxa nacional de investimentos. Parcela importante desse dinheiro emprestado aos bancos federais, por exemplo, volta para o Tesouro na forma de receita primária, e outra fica presa nos bancos aplicada em títulos do próprio Tesouro, ou vai para operações compromissadas com o Banco Central, diz Afonso.

"Enquanto o Tesouro continuar se endividando no curto prazo, oferecendo garantia, liquidez e juro real alto, o investimento não vai crescer", argumenta. "O governo pode ter cavado uma armadilha do endividamento; sobram recursos no caixa das empresas e bancos privados e faltam recursos para financiar investimentos".

Na visão de Afonso, o desafio continua sendo transformar dívida pública em privada para financiar investimentos, citando medidas que estimulem a criação de mercado de crédito privado de longo prazo. "O governo liberou R$ 15 bilhões de recursos compulsórios para aplicar em infraestrutura, mas por que não foram R$ 50 bilhões? Em vez de só dar crédito, por que os bancos estatais não oferecem garantias e dividem com os privados o financiamento de projetos de longo prazo, deixando o retorno inicial para os privados?"

Afonso não é o único economista a defender que o avanço do crédito de longo prazo no país passa por desatar o nó de Tesouro e bancos públicos. "O primeiro passo para o crédito de longo prazo no país é cortar o cordão umbilical que une Tesouro e BNDES", afirma Márcio Garcia, professor do Departamento de Economia da PUC-Rio. "Esse é o momento de fazer esse movimento, já que a liquidez internacional está boa. Vai ser duro, penoso e alguns projetos deixarão de ser feitos, mas é melhor do que uma crise fiscal no futuro".

Para bancos que atuam no crédito corporativo, não é tanto o BNDES em si o problema, mas sim a competitividade entre os recursos do banco de fomento e os das demais instituições financeiras. Na visão deles, embora as medidas recentes do governo para crédito de longo prazo ajudem a destravar a modalidade no país, caso da liberação e desoneração de recursos do compulsório para empréstimos de infraestrutura, não são o suficiente para equipará-los com o BNDES.

Em entrevista recente ao Valor, Alberto Zoffmann, diretor de project finance do Itaú BBA, destacou o problema do descasamento dos prazos entre a captação dos bancos e o crédito para investimento. Os recursos compulsórios, por exemplo, são vinculados a depósitos à vista e os projetos de infraestrutura, de longo prazo. "Os bancos querem participar do financiamento de projetos, mas não conseguem competir com o BNDES", disse.

Para Paulo Toscano, chefe de área de financiamento a projetos do Banco Votorantim, é preciso criar mecanismos que deem aos bancos acesso a recursos semelhantes aos do BNDES. Hoje, para projetos de 20 anos de duração, não há onde os bancos encontrarem recursos. "Até no mercado de capitais, o máximo é dez anos", disse recentemente ao Valor.

Já Humberto Gargiulo, presidente da Upside Finance, consultoria financeira independente, defende que a saída para o financiamento de projetos não está nem no BNDES, nem nos bancos privados. A resposta estaria no mercado de capitais. Para ele, os limites legais de endividamento de instituições financeiras vão naturalmente frear o BNDES. A rigidez na hora de exigir garantias também depõe contra o banco estatal.

No caso das instituições privadas, nem mesmo se a questão do funding for solucionada deve haver interesse em financiar projetos, diz Gargiulo. "Não cabe cobrar mais de 3% ao ano do crédito de um projeto; enquanto isso, em outros empréstimos, a margem do banco é bem superior", diz.

A resposta para a necessidade de investimentos, diz o executivo, seriam debêntures de infraestrutura, fundos de participação com recursos externos ou ainda o mercado de títulos de dívida internacional. Organismos multilaterais, agências de fomento e bancos de desenvolvimento também terão fatia importante em projetos que contem com parceiros externos.

Adriano Schnur, sócio do escritório de advocacia Machado Meyer Sendacz Opice, vê os organismos multinacionais como uma peça importante do financiamento de longo prazo no país. Para ele, órgãos como o IFC, braço financeiro do Banco Mundial, o BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) e outras instituições semelhantes da Ásia, em especial da China, Coreia e Japão, vão virar participantes mais frequentes do crédito à infraestrutura do Brasil.

"O mercado de capitais local é a alternativa para alcançar o bolso das fundações, que são investidores de longo prazo, têm apetite para correr riscos e têm capacidade de entender os projetos", acrescenta Rodrigo Fittipaldi, diretor de mercado de capitais do BNP Paribas. Segundo ele, levando em conta que o segmento de debêntures em 2012 somou R$ 100 bilhões, há espaço para que esse mercado absorva parte da necessidade de recursos de longo prazo. Gaetán Quintard, da divisão de project finance do BNP Paribas, lembra que as debêntures de infraestrutura foram usadas como fonte complementar de recursos a projetos de linhas de transmissão e rodovias.

Hoje, o uso de debêntures para financiar projetos é incipiente. Segundo a Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima), dos R$ 58,9 bilhões destinados ao financiamento de projetos em 2012, apenas 1,9% veio de debêntures. Cerca de 75% vieram dos cofres do BNDES.

(Valor Econômico 02.05.2013/Caderno F8)

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