A Unilever, líder
nacional em sorvetes, decidiu assumir diretamente a venda dos produtos Kibon em
praças importantes de São Paulo e do Rio, eliminando a figura do distribuidor.
A primeira investida
aconteceu na Quarta-Feira de Cinzas do ano passado, quando o carioca Nelson
Rocha recebeu um comunicado de última hora. O empresário comanda a H. Rocha, a
maior distribuidora de sorvetes da Kibon no país, e responde pela venda na zona
oeste do Rio e em parte da Baixada Fluminense. Foi convocado pela Unilever a
comparecer no escritório da companhia, em São Paulo. Três dias depois, soube
que o motivo do convite era o anúncio da rescisão do contrato entre a
multinacional e a sua empresa, fundada em 1975.
O empresário não aceitou
a anulação do contrato e a questão foi parar na Justiça, apurou o Valor. Este
ano, a Unilever já conseguiu assumir a área que estava nas mãos de outra
distribuidora, a Kerência, de Itaquaquecetuba (SP), responsável pela
distribuição em parte da Grande São Paulo e que, ao lado da H. Rocha, liderava
em volume de vendas.
Procurada pelo Valor, a
Unilever informou que "não comenta casos judiciais em andamento". A
H. Rocha, também por meio da sua assessoria, confirmou a existência da disputa
judicial, mas não deu detalhes. As empresas são representadas pelos escritórios
Demarest & Almeida (Unilever) e Machado Meyer (H. Rocha).
Segundo o Valor apurou,
a Unilever está disposta a abocanhar mais pontos de venda de distribuidores. O
alvo continua nos mercados paulista e fluminense: Jundiaí, Sorocaba e Vale do
Paraíba (em São Paulo); Niterói e Volta Redonda (no Rio).
No centro da disputa
pela venda dos produtos Kibon está a negociação com os supermercados. São os
distribuidores exclusivos da marca - 23 em todo o país, que atingem 60 mil
pontos de venda e movimentam R$ 700 milhões ao ano - que recebem os produtos da
fábrica em Jaboatão dos Guararapes (PE) e os entregam no varejo (padarias,
lanchonetes, lojas de conveniência, supermercados etc). Os distribuidores
representam metade do volume de sorvete da Kibon - a outra metade é vendida
diretamente pela companhia.
Há cerca de cinco anos,
a Kibon vem tentando renegociar a margem dos distribuidores quando a venda é
feita a grandes redes de supermercados. Os varejistas exigem descontos de até
27% para comprar o sorvete. A Unilever, por sua vez, tem tentado repassar 30%
dessa conta aos distribuidores. Os empresários resistem e não aceitam abrir mão
da sua margem histórica de 21% sobre o preço do produto. A Unilever decidiu,
então, desativar os distribuidores onde a expansão do varejo está mais forte.
Segundo apurou o Valor,
a multinacional deu, em março de 2011, seis meses para que o H. Rocha
encerrasse suas atividades. Assim, o empresário atravessaria o período de
outono-inverno, quando as vendas de sorvete caem pela metade, até que a
Unilever assumisse a venda ao varejo, na primavera-verão. Na época, a
multinacional propôs uma indenização de R$ 8 milhões à distribuidora, que
fatura cerca de R$ 40 milhões ao ano.
Rocha não aceitou.
Entrou com uma ação contra a Unilever na 39ª Vara Cível de São Paulo, pedindo a
extensão do aviso prévio e o pagamento de indenização. Pelo acordo entre
distribuidor e multinacional, a parceria só pode ser desfeita se houver falta
de pagamento, desabastecimento da loja ou prestação de serviços à concorrência.
Na Justiça, A H. Rocha
conseguiu protelar o término do contrato para março de 2013. Agora, o Valor
apurou que a empresa exige uma indenização de R$ 25 milhões - esse seria o
montante do fluxo de caixa da companhia, que tem cerca de 90 funcionários e
atende 1,8 mil clientes. O caso continua correndo na 39ª Vara Cível.
O atual contrato com a
H. Rocha seria rescindido apenas em agosto de 2014, depois, portanto, da Copa
do Mundo. O contrato entre Unilever e distribuidor tem validade de 60 meses,
podendo ser renovado automaticamente por tempo indeterminado. Com a rescisão, o
distribuidor fica impedido de trabalhar para a concorrência por um período de
três anos.
A movimentação da
Unilever causa apreensão entre distribuidores da marca Kibon. Cyro Gifford
Neto, presidente da Associação Brasileira de Distribuidores Exclusivos de Sorvetes
(Abrades), afirma que "muitos empresários protelaram investimentos em
infraestrutura", como compra de caminhões e instalação de novos
refrigeradores, depois que a Unilever decidiu tomar eliminar parte dos
intermediários da Kibon.
"Estamos vivendo um
momento de incerteza, que acaba prejudicando os negócios", diz Gifford
Neto. A Unilever tem dito à Abrades que não pode dar garantias de manutenção
dos atuais pontos de venda nas mãos dos revendedores.
O imbróglio envolvendo
os distribuidores Kibon pode ser a ponta do iceberg das transformações em curso
na multinacional holandesa. O Brasil, segundo maior mercado da empresa no
mundo, só depois dos Estados Unidos, trocou de presidente em setembro: saiu o
holandês Kees Kruythoff e chegou o argentino Fernando Fernandez, trazido da
operação das Filipinas. Em relatórios de resultados no ano passado, o comando
global da Unilever observou desaceleração no crescimento registrado no mercado
brasileiro e afirmou sentir uma forte competição local.
Em sorvetes, onde Kibon
domina com mais de 50% do mercado nacional, a maior rival é a Nestlé, que tem
cerca de 23% de participação. O restante é dividido por fabricantes regionais,
como a Jundiá, de São Paulo. Segundo estimativas da Abrades, o mercado movimenta
cerca de R$ 6 bilhões ao ano, enquanto a Kibon tem crescido 10% ao ano.
A Unilever é a maior
fabricante de sorvetes do mundo, com receitas anuais de ? 5 bilhões. No Brasil,
a Kibon - marca local, comprada pela companhia em 1998 - foi a primeira a por
nas ruas carrinhos para vender sorvetes, em 1942.
Em 1965, o pai de
Nelson, Haroldo Rocha, que era funcionário da Kibon desde os anos 50, foi
convidado pela fabricante a assumir depósitos de carrinhos de ambulantes da
marca - então o principal canal de vendas de sorvetes na época. Dez anos
depois, ele começou a distribuição para o varejo, abrindo novos pontos de
venda.
(Valor Econômico 19.07.2012/Caderno B3)
(Notícia na Íntegra)