A crescente preocupação com as mudanças climáticas e a intensificação das discussões sobre o tema vêm repercutindo cada vez mais no país, tanto na proposição de novas normas envolvendo questões ambientais quanto na aplicação das existentes. Além disso, há uma demanda constante de fortalecimento da regulamentação ambiental por parte dos stakeholders, principalmente com relação à divulgação de informações sobre impactos de atividades nas questões do clima.

De acordo com o relatório Unidos na Ciência 2021, publicado pela Organização Meteorológica Mundial (OMM), o período entre 2011 e 2020 foi o mais quente já registrado pelos relatórios. O Secretário-Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) também enfatizou recentemente a necessidade urgente de redução das emissões atmosféricas e de ações para proteger a população mundial dos efeitos negativos decorrentes das alterações climáticas. Isso eleva a pressão sobre os diversos setores da sociedade para que intensifiquem suas medidas sustentáveis, a fim de reduzir os riscos globais que tais mudanças podem criar. Essa ideia é ainda mais relevante com a ascensão das iniciativas para adoção de medidas concretas derivadas das políticas ESG (sigla em inglês para ambiental, social e governança).

Em 2020, por exemplo, foi proposto o Projeto de Lei (PL) n° 3.961/20, que, se aprovado, incluiria o Brasil em estado de emergência climática, até que a situação seja contornada e as ações para reduzir o impacto da atividade humana no clima deixem de ser urgentes.

Entre os dispositivos propostos no PL, destacam-se:

  • proibição ao governo brasileiro de, durante a situação de emergência, remanejar para outros usos os recursos orçamentários que se destinem à proteção ambiental, ao combate ao desmatamento e à reversão das mudanças climáticas;
  • elaboração do Plano Nacional de Resposta à Emergência Climática; e
  • conclusão da transição completa para um modelo de economia socioambiental sustentável e neutro em emissões de carbono até 2050.

O PL está em trâmite na Câmara das Deputados e, atualmente, aguarda parecer do relator na Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, que será determinante para a evolução das discussões sobre o tema na casa.

Apesar de o PL ser uma inovação bastante relevante quanto às mudanças do clima, o tema já é regulado, no âmbito federal, pela Lei Federal n° 12.187/09 (Política Nacional sobre Mudança do Clima – PNMC) e pelo Decreto Federal n° 7.390/10. Ambos dispõem sobre o compromisso do Brasil com a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima de redução de emissões de gases de efeito estufa. Contudo, apesar de ter sido um passo importante para a regulamentação das questões climáticas, a PNMC ainda demanda normatização adicional para efetiva estruturação da governança do clima. É necessário instituir instrumentos para que o país implemente medidas de mitigação, adaptação e meios de implementação previstos nas Contribuições Nacionalmente Determinadas (Nationally Determined Contributions – NDCs).

Ainda em âmbito federal, o Banco Central do Brasil (BCB) publicou recentemente diversos atos que detalham e fortalecem normas existentes sobre o gerenciamento e divulgação de riscos climáticos aplicáveis a instituições financeiras. Um exemplo é a Resolução do Conselho Monetário Nacional (CMN) n° 4.943/21, que obriga instituições financeiras a identificar, medir, avaliar, monitorar, reportar, controlar e mitigar os efeitos adversos das mudanças climáticas em suas atividades. Para implementar essas medidas de gerenciamento dos riscos climáticos,[1] as instituições deverão adotar, em resumo, mecanismos para identificar e monitorar os riscos incorridos em decorrência dos seus produtos, serviços, atividades ou processos, bem como de seus fornecedores e entidades controladas.

Outra interessante inovação trazida pela norma é a obrigação de identificar, tempestivamente, eventuais mudanças políticas, legais, regulamentares, tecnológicas ou de mercado, incluindo alterações significativas nas preferências de consumo, que possam afetar de maneira relevante o risco climático incorrido pela instituição, e informar quais procedimentos podem ser adotados para mitigá-lo.

A Resolução Bacen nº 139/21, por sua vez, dispõe sobre a divulgação do Relatório de Riscos e Oportunidades Sociais, Ambientais e Climáticas, conferindo a possibilidade de que o investidor analise, de forma integrada, e com base nos mesmos critérios, quais são os riscos e as oportunidades de negócio oferecidos por cada instituição.

As regulamentações sobre o tema podem ser consideradas incipientes, mas temos visto decisões bastante inovadoras por parte dos tribunais, que vêm incorporando diretrizes legais relacionadas às questões climáticas em suas ponderações. Exemplo disso é a recente decisão proferida no âmbito de uma ação civil pública[2] ajuizada por instituições e associações que representam os moradores do Município de Nova Seival[3], no Estado do Rio Grande do Sul. O Juízo determinou, em 31 de agosto de 2021, que o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) incluísse análises voltadas às mudanças climáticas nos Termos de Referência (TRs)[4] que embasarem o processo de licenciamento ambiental de usinas termelétricas localizadas no estado do Rio Grande do Sul.

No caso, as associações discutem a validade do processo de licenciamento ambiental de um projeto envolvendo a construção da maior usina termelétrica do estado, com base em alegações de que o órgão ambiental federal responsável pelo licenciamento, o Ibama, não teria conferido a publicidade necessária às audiências públicas que seriam realizadas como requisito para emissão de licença ambiental do empreendimento, e que teriam sido verificadas lacunas no Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e respectivo Relatório de Impacto Ambiental (Rima) (juntos EIA/Rima) apresentados pelo empreendedor para subsidiar o licenciamento ambiental. Essas deficiências, no entendimento das associações, deveriam ser sanadas para que o processo de licenciamento progredisse. Entre as lacunas apontadas pelos autores da ação, destacam-se a ausência de uma Avaliação do Impacto à Saúde Humana (Health Impact Assessment – HIA) e de informações sobre a contribuição das emissões de gases de efeito estufa oriundas da operação da usina, bem como uma análise sobre o que isso representaria para o alcance das metas brasileiras firmadas no Acordo de Paris.[5]

Com base nos pareceres técnicos apresentados pelas associações, o Juízo proferiu entendimento de que a atividade apresentaria riscos relevantes ao meio ambiente e à comunidade da região. Assim, pautando-se em disposições da PNMC e da Lei Estadual nº 13.594/10, que criou a Política Gaúcha sobre Mudanças Climáticas, o julgador determinou que os TRs envolvendo licenciamento ambiental de termelétricas incluíssem diretrizes sobre mudanças do clima, principalmente com relação à necessidade de realização de Avaliação Ambiental Estratégica, nos termos do art. 9º da lei estadual em questão, e de inclusão de análise de riscos à saúde humana.

Desse modo, ainda que se tenha um longo caminho a percorrer, observa-se um progressivo aumento de iniciativas, inclusive com demanda judicial, referentes aos riscos climáticos e a seu gerenciamento. Elas são impulsionadas, principalmente, pela crescente discussão sobre o tema e anseio pela incorporação dos critérios ESG nas esferas corporativas e regulatórias.

 


[1] A Resolução CMN n° 4943/2021 define o risco climático, em suas vertentes de risco de transição e de risco físico, como:

“I. Risco climático de transição: possibilidade de ocorrência de perdas para a instituição ocasionadas por eventos associados ao processo de transição para uma economia de baixo carbono, em que a emissão de gases do efeito estufa é reduzida ou compensada e os mecanismos naturais de captura desses gases são preservados; e

II - Risco climático físico: possibilidade de ocorrência de perdas para a instituição ocasionadas por eventos associados a intempéries frequentes e severas ou a alterações ambientais de longo prazo, que possam ser relacionadas a mudanças em padrões climáticos”.

[2] Ação Civil Pública n° 5030786-95.2021.4.04.7100/RS, ajuizada perante a 9ª Vara Federal de Porto Alegre – Seção Judiciária do Rio Grande do Sul.

[3] As instituições e associações são: Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (Agapan); Instituto Gaúcho de Estudos Ambientais (Ingá); Instituto Preservar; Cooperativa Agroecológica Nacional Terra e Vida Ltda. (Coonaterra-Bionatur); e Centro de Educação Popular e Agroecologia (Ceppa).

[4] O TR é o documento emitido pelo órgão licenciador, no qual são indicadas diretrizes metodológicas para orientar a elaboração do EIA/Rima. O EIA/Rima é necessário para avaliar a viabilidade ambiental de empreendimentos que apresentem significativo potencial poluidor. Destaca-se a necessidade de constar no EIA/RIMA a indicação de quais medidas serão implementadas para eliminar, mitigar ou compensar os impactos negativos decorrentes da operação do empreendimento.

[5] Todos os países signatários do acordo assumiram a obrigação de submeter NDCs, as quais podem ser definidas, de maneira resumida, como compromissos voluntários para colaborar com a meta global de redução de emissões atmosféricas para mitigação dos efeitos das mudanças climáticas. O governo brasileiro apresentou em 2020 suas novas NDCs e se comprometeu a reduzir as emissões domésticas de gases do efeito estufa em 37% até 2025 e em 43% até 2030, além de neutralizá-las até 2060. Mais recentemente, durante a Cúpula de Líderes sobre o Clima, o Brasil indicou que a neutralidade climática seria alcançada até 2050.