Os recentes acidentes ambientais ocorridos no Brasil geraram intensos debates legislativos, inclusive para alteração da lei que tipifica os crimes ambientais. Em 25 de junho deste ano, a Câmara dos Deputados aprovou o Projeto de Lei nº 2.787/19 (PL 2.787/19),[1] que, entre outras disposições, tipifica o crime de ecocídio. A principal justificativa para a aprovação do texto foi a de que a legislação penal sobre desastres dessa natureza se mostraria ainda frágil.
Após a aprovação na Câmara dos Deputados, o PL 2.787/19 foi encaminhado para a Comissão de Meio Ambiente do Senado. No último dia 11 de setembro, Alessandro Vieira, relator da proposta, aprovou o PL com uma emenda.[2]
Na doutrina, ecocídio é o termo utilizado para fazer referência a qualquer “dano extenso que cause a destruição ou perda de um ou vários ecossistemas num determinado território, quer seja por ação humana ou por outras causas, de tal forma que o gozo ao direito a paz, a saúde e a qualidade de vida por parte dos habitantes desse território tenha sido gravemente comprometido”.[3]
A origem do conceito de ecocídio é a pressão social por punição de desastres ambientais de grande repercussão tanto no País quanto no exterior. A sua potencial tipificação é resultado de certa insatisfação da sociedade com relação ao tratamento jurídico dado aos acidentes ambientais que causam extensos danos, ainda que haja responsabilização com base nas condutas usualmente tipificadas como infração ambiental.
O PL 2.787/19 pretende alterar a Lei nº 9.605/98 (Lei de Crimes Ambientais), inserindo a tipificação de ecocídio da seguinte forma: “dar causa a desastre ecológico pela contaminação atmosférica, hídrica ou do solo, pela destruição significativa da flora ou mortandade de animais, que gere estado de calamidade pública”.
A Comissão de Meio Ambiente alterou essa redação para determinar que o estado de calamidade pública deve ser reconhecido pela União e/ou Estados.
De acordo com o proposto pelo PL, aquele que der causa ao desastre ambiental tipificado como ecocídio estará sujeito a pena de reclusão de 4 a 12 anos e multa. É prevista a modalidade culposa, com pena de 1 a 3 anos e multa.
O projeto de lei ainda pretende estabelecer que, na hipótese de o acidente ensejar a morte de pessoas, seja possível aplicar a pena de ecocídio independentemente da aplicação de sanções pelo crime de homicídio.
A efetividade desse tipo de previsão dependerá da aplicação prática do tipo administrativo e dos critérios que serão utilizados para caracterizar um desastre ecológico de grande repercussão.
Entendemos que, mesmo em situações de forte reação da sociedade, o Poder Judiciário deve buscar analisar os casos considerados como “ecocídio” de maneira imparcial, deliberando a penalidade de forma razoável e proporcional e evitando que pressões sociais influenciem na aplicação de penalidades mais severas.
Além da tipificação do ecocídio, o PL visa modificar os valores das multas para infrações administrativas ambientais, também previstas na Lei de Crimes Ambientais. Caso o texto seja aprovado, o valor mínimo das multas passará para R$ 2 mil, enquanto o máximo será de R$ 1 bilhão.
O PL prossegue agora para a Comissão de Constituição e Justiça e, posteriormente, para o plenário do Senado, devendo retornar à Câmara dos Deputados para uma segunda análise, na hipótese de as emendas propostas serem aprovadas.
Em caso de aprovação da inclusão do ecocídio no sistema de responsabilização ambiental vigente no Brasil, espera-se que as autoridades ambientais não utilizem o tipo penal de forma desarrazoada, apenas como forma de punição mais severa a situações que, a rigor, já têm tratamento jurídico previsto na legislação em vigor.
[1] https://www.camara.leg.br/propostas-legislativas/2201529
[2] https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/135651
[3] HIGGINS, Polly. Eradicating Ecocide: laws and governance to stop the destruction of the planet. 2 ed. London: Shepheart-Walwyn, 2015, p. 62 – tradução livre).