O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Ricardo Lewandowski, deferiu medida liminar pleiteada para suspender a eficácia de uma portaria do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) que permitia a liberação tácita de agrotóxicos e produtos químicos, sem prévia análise das autoridades de vigilância ambiental e sanitária.[1] A decisão foi tomada no julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 656, em 27 de março. Lewandowski foi seguido em seu voto pelos ministros Dias Toffoli, Edson Fachin e Alexandre de Moraes. O ministro Roberto Barroso pediu vista dos autos e ainda não há previsão para continuidade do julgamento.

Para Lewandowski, relator designado para o caso, “placitar uma liberação indiscriminada, tal como se pretende por meio da Portaria impugnada, a meu ver, contribuiria para aumentar ainda mais o caos que se instaurou em nosso sistema público de saúde, já altamente sobrecarregado com a pandemia que grassa sem controle [referindo-se à pandemia da covid-19]”.

O partido Rede Sustentabilidade havia ajuizado a ADPF nº 656, no dia 3 de março, contra os itens 64 a 68 da Tabela 1 do artigo 2º da Portaria nº 43 do Mapa. Publicada em 27 de fevereiro de 2020, a portaria estabelece prazos para, não havendo manifestação de certos órgãos públicos, incidir aprovação tácita para atos públicos de liberação de responsabilidade da Secretaria de Defesa Agropecuária (SDA) do Mapa, com base no Decreto Federal nº 10.178/19, regulamentador da Lei da Liberdade Econômica (Lei nº 13.874/19).

Logo após a publicação da Lei da Liberdade Econômica, analisamos em artigo neste portal os impactos potenciais das novas medidas na legislação ambiental. À época, embora tenhamos concluído que licenças ambientais strictu sensu não pudessem ser concedidas tacitamente, por vedação expressa do artigo 14 da Lei Complementar nº 140/2011, defendemos que esse entendimento não seria aplicável a autorizações ambientais e regulatórias em geral. Isso porque a Lei da Liberdade Econômica previu como direito essencial para o desenvolvimento e crescimento econômico do país o estabelecimento de prazo máximo, por parte dos órgãos públicos, para análise de pedidos de liberação da atividade econômica.

Em 18 de dezembro de 2019, foi publicado o Decreto nº 10.178, que regulamentou a Lei da Liberdade Econômica e prevê critérios e procedimentos para a classificação de risco de atividade econômica. Ele fixa prazo para manifestação dos órgãos públicos em pedidos dos administrados que, uma vez não atendidos, ensejam aprovação tácita pela inércia do órgão administrativo. O decreto prevê que a autoridade máxima do órgão ou da entidade responsável pelo ato público de liberação fixará o prazo limite de resposta à solicitação do administrado. O texto ressalva expressamente que a aprovação tácita não será aplicável aos processos administrativos de licenciamento ambiental nem aos demais atos públicos de liberação de atividades com impacto significativo ao meio ambiente.

Com base nesses dispositivos, a Rede Sustentabilidade argumenta que a Portaria Mapa nº 43/20 criou um “mecanismo de liberação tácita de agrotóxicos e de outros químicos extremamente perigosos à saúde humana e ao meio ambiente”, entendendo que tal aprovação violaria o direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, previsto no artigo 225 da Constituição Federal. Considerando esse entendimento, alega-se que haveria descumprimento de preceito fundamental no direito de proteção à vida (art. 5º da Constituição Federal) e à saúde humana (arts. 6º, 7º e 196 da Constituição Federal). O partido também alega a violação dos princípios gerais da atividade econômica, defendendo que a portaria impede a compatibilização entre a atividade econômica e a defesa do meio ambiente (art. 170, VI da Constituição Federal) e afronta a função social da propriedade (art. 170, III, da Constituição Federal).

A Rede também afirma que o Decreto nº 10.178/19 impede a autorização tácita quando a aprovação do órgão administrativo importa compromisso financeiro à Administração Pública, para então argumentar que a Portaria Mapa nº 43/20 causaria impacto direto nos gastos com saúde pública, trazendo mais ônus do que benefícios econômico-financeiros.

A portaria determina o prazo de 180 dias para manifestação da SDA/Mapa sobre o registro de fertilizantes, corretivos, inoculantes, biofertilizantes, remineralizadores e substratos para plantas; e de 60 dias sobre agrotóxicos e afins. Transcorridos esses prazos, a ausência de manifestação conclusiva da SDA implicaria a aprovação tácita do ato público de liberação desses produtos. É importante ressaltar, no entanto, que o Decreto nº 10.178/2019 determina que a liberação concedida na forma de aprovação tácita não exime o requerente de cumprir as normas aplicáveis à exploração da atividade econômica, tampouco afasta a necessidade de realização das adequações identificadas pelo poder público em fiscalizações posteriores.

O processo para registro de novo defensivo agrícola, em regra, passa pelo Mapa, pelo Ministério da Saúde (por meio da Anvisa) e pelo Ministério do Meio Ambiente (por meio do Ibama). No presente caso, o Mapa promulgou a portaria aqui comentada, a Anvisa definiu prazo de quatro anos por produto a ser analisado e ainda se aguarda uma definição por parte do Ibama. A comunicação entre os três órgãos administrativos é importante para otimizar e tornar mais eficiente a regulação da atividade produtiva agrícola.

[1] Segundo o ministro relator, “[n]ão é possível, salvo melhor juízo do Plenário do STF, admitir-se a liberação tácita de agrotóxicos e produtos químicos, sem uma análise aprofundada, de cada caso, por parte das autoridades de vigilância ambiental e sanitária. Placitar uma liberação indiscriminada, tal como se pretende por meio da Portaria impugnada, a meu ver, contribuiria para aumentar ainda mais o caos que se instaurou em nosso sistema público de saúde, já altamente sobrecarregado com a pandemia que grassa sem controle.”