O Banco Central do Brasil (BCB) publicou, em 10 de novembro, as resoluções 519, 520 e 521, que tratam, respectivamente do processo de autorização das sociedades prestadoras de serviços de ativos virtuais (SPSAVs), dos requisitos para seu funcionamento e das operações com ativos virtuais no mercado de câmbio e em capitais internacionais. As novas resoluções regulamentam a Lei 14.478/22 e estabelecem as bases da criptoeconomia no Brasil.
A seguir, traçamos um panorama das principais inovações trazidas pelas novas regras.
Resolução BCB 519
Essa resolução entra em vigor em 2 de fevereiro de 2026 e estabelece um conjunto abrangente de requisitos mínimos para a autorização das SPSAVs, entre os quais se destacam:
- a capacidade e a origem dos recursos dos controladores;
- a viabilidade do negócio;
- a adequação da tecnologia da informação e a governança; e
- reputação e capacitação dos administradores.
A norma também cria a exigência de as entidades autorizadas possuírem uma sede física exclusiva e proíbe o uso de espaços de coworking.
Além disso, a norma confere ao BCB a autoridade para exigir certificações técnicas independentes e um plano de negócios atualizado. O rol de eventos que requerem autorização prévia é detalhado, abrangendo situações como funcionamento, mudança de modalidade de SPSAV, transferência ou alteração de controle, fusão, cisão, incorporação, transformação societária, posse de administradores, alteração de capital, mudança de denominação e de objeto social, em linha com o quanto aplicável para instituições financeiras e de pagamento.
A norma define ainda conceitos e limites para controle e participação qualificada, proibindo que fundos atuem como controladores e restringindo quem pode deter controle direto. Também estabelece critérios de reputação ilibada, capacitação técnica e as condições pessoais dos administradores, controladores e detentores de participação qualificada, com a possibilidade de afastamento determinado pelo BCB.
A Resolução BCB 519 cria também procedimentos para arquivamento, indeferimento e revisão de autorizações, incluindo a possibilidade de desfazimento de operações. As SPSAVs já em operação devem cumprir obrigações em caso de indeferimento definitivo, como a cessação de serviços e a devolução de ativos e recursos aos clientes.
Para as SPSAVs que já estavam em atividade na data de entrada em vigor da norma, o processo de autorização será estruturado em duas fases. A primeira fase focará na comprovação de que a instituição estava efetivamente em atividade em tal data, bem como na verificação de requisitos críticos como requisitos mínimos de capital e patrimônio. Já a segunda fase analisará os demais aspectos.
Resolução BCB 520
Essa resolução também entra em vigor em 2 de fevereiro de 2026 e estabelece um arcabouço regulatório abrangente para a constituição, autorização, funcionamento e governança das SPSAVs no Brasil.
Entre essas sociedades se incluem as prestadoras de serviços de ativos virtuais e determinadas instituições autorizadas pelo BCB – bancos comerciais, bancos de câmbio, bancos de investimento, bancos múltiplos, Caixa Econômica Federal, sociedades corretoras e distribuidoras de valores mobiliários e as sociedades corretoras de câmbio. As SPSAVs são classificadas em três modalidades distintas, de acordo com o tipo de serviço de ativos virtuais que prestam: as intermediárias, as custodiantes e as corretoras.
A resolução também impõe regras específicas relacionadas à segregação patrimonial, governança, seleção e listagem de ativos (incluindo stablecoins), custódia (inclusive no exterior), controles internos, segurança cibernética, prevenção à lavagem de dinheiro e ao financiamento ao terrorismo (PLD/FTP) e transparência.
Entre os principais dispositivos da Resolução BCB 520, se destacam os seguintes aspectos:
- Autorização prévia – A operação das SPSAVs que não estiverem em funcionamento na data de entrada em vigor da regra está condicionada à obtenção de autorização prévia do BCB, para garantir que apenas entidades que atendam aos requisitos regulatórios possam atuar no mercado.
- Grandfathering – As instituições que, na data de entrada em vigor da norma, já estejam desempenhando atividades no mercado de ativos virtuais poderão manter a prestação de serviços de ativos virtuais até a conclusão do seu processo de autorização, desde que apresentem tempestivamente seu pedido de autorização ao BCB e observem as demais condições exigidas pela autarquia.
- Entidades estrangeiras – As entidades estrangeiras em atividade no Brasil devem transferir suas operações e clientes para uma instituição autorizada ou uma SPSAV constituída para essa transição, para poder operar regularmente no país. Dessa forma, se assegura a continuidade e proteção aos clientes, já que a sucessora deverá assumir integralmente as responsabilidades.
- Instituições já autorizadas – Essas instituições poderão iniciar as atividades relacionadas a ativos virtuais após 90 dias contados da data de comunicação formal ao BCB. As que já estiverem desempenhando essas atividades na data de entrada em vigor da resolução, porém, poderão continuar operando, desde que observem as condições exigidas pelo BCB.
- Vedações – A norma proíbe a oferta de crédito a clientes e a captação de recursos do público, exceto por meio da emissão de ações, além de limitar a obtenção de empréstimos e financiamentos das SPSAVs, em linha com as limitações já existentes para as corretoras de títulos e valores mobiliários (CTVMs) e as distribuidoras de títulos e valores mobiliários DTVMs.
- Governança – É exigida uma governança mínima que inclua, pelo menos, três diretores ou administradores responsáveis perante o BCB, com a possibilidade de acumulação de atribuições, desde que não haja conflitos de interesse.
- Período de transição – Fica estabelecido um prazo de 270 dias para que as entidades protocolizem seus pedidos de autorização. Aqueles que o fizerem dentro do prazo poderão manter suas operações até a conclusão do processo. Os que não o fizerem deverão cessar suas atividades em até 30 dias após o término do prazo.
- Segregação de recursos – A norma exige a segregação entre os recursos próprios e os de clientes, com a manutenção de contas individualizadas, conforme a regulação aplicável.
- Perfil de risco do cliente – As PSAVs devem conhecer o perfil de risco de seus clientes, levando em consideração familiaridade, objetivos e tolerância ao risco. Também devem mitigar operações que sejam incompatíveis mediante a obtenção de ciência específica e documentação adequada.
- Seleção e listagem de ativos virtuais – A resolução impõe critérios claros e transparentes para a oferta, suspensão e deslistagem de ativos, com a criação de comitês técnicos, revisão periódica e divulgação pública dos ativos ofertados.
- Requisitos para stablecoins – Para ativos referenciados em moeda fiduciária, como as stablecoins, são estabelecidos requisitos adicionais que incluem lastro, reservas, emissor, auditoria e avaliação de riscos, além da proibição a stablecoins que utilizem controle algorítmico de reservas, com a exigência de divulgação pública dos critérios utilizados.
- Custódia contratada no exterior – A norma regula a contratação de custodiante estrangeiro e exige que os contratos estejam em conformidade com a legislação local e brasileira, além de requerer autorização e supervisão no país de origem, a designação de um representante no Brasil, garantias acionáveis e a segregação formal dos ativos de clientes brasileiros, com acesso a registros.
A Resolução BCB 520 representa um avanço importante na regulamentação das SPSAVs no Brasil, estabelecendo diretrizes para proteção dos investidores e integridade do sistema financeiro nacional.
Resolução BCB 521
Essa resolução inclui determinados serviços de ativos virtuais dentro do mercado de câmbio, definindo o escopo operacional, proibições, limites e obrigações de comunicação.
De acordo com a nova norma, os seguintes serviços ou transações de ativos virtuais estão incluídos no mercado de câmbio:
- pagamento ou transferência internacional com ativos virtuais;
- transferência de ativo virtual de ou para cliente de prestador de serviços de ativos virtuais para cumprimento de obrigação decorrente do uso internacional de cartão ou de outro meio de pagamento eletrônico;
- transferência de ativo virtual de ou para carteira autocustodiada que não envolva pagamento ou transferência internacional com ativos virtuais; e
- compra, venda ou troca de ativos virtuais referenciados em moeda fiduciária.
Além disso, a Resolução BCB 521 proíbe a compra ou venda de ativos virtuais com pagamento ou recebimento em moeda estrangeira, incluindo no caso de compra ou venda realizada em um livro de negociação.
No caso de uma transação envolvendo uma prestadora de serviços de ativos virtuais no exterior (VASP), a SPSAV deve verificar se a entidade estrangeira está sob supervisão prudencial e de conduta efetiva ou se faz parte de um grupo financeiro sujeito a supervisão consolidada efetiva. Se a jurisdição onde a entidade estrangeira está localizada não estabelecer tais requisitos, a SPSAV deve ter uma avaliação documentada dos riscos de realizar negócios com essa entidade.
A Resolução BCB 521 não proíbe a transferência de ativos virtuais para carteiras autocustodiadas (como inicialmente previsto na minuta da consulta pública), mas determina que as VASPs devem identificar o proprietário de uma carteira autocustodial, implementar e registrar os processos para verificar a origem e o destino dos ativos virtuais nas operações inseridas no mercado de câmbio.
As SPSAVs autorizadas a operar no mercado de câmbio devem enviar informações ao BCB sobre suas operações para a prestação de serviços de ativos virtuais previstos na norma até o quinto dia do mês subsequente à operação. Essas obrigações entrarão em vigor em 4 de maio de 2026.
Assim como a Resolução BCB 520, a Resolução BCB 521 também representa um marco importante na regulamentação dos serviços de ativos virtuais no Brasil, ao estabelecer diretrizes para transparência e segurança nas operações realizadas no mercado de câmbio.
Nosso escritório está atento às recentes alterações no mercado de ativos virtuais e se coloca à disposição para prestar outros esclarecimentos a seus clientes.
