As mudanças no cenário regulatório brasileiro têm se intensificado nos últimos anos principalmente devido ao processo de transformação social que pressiona setores produtivos, órgãos reguladores e instituições governamentais. Depois do Marco Legal das Startups e do Empreendedorismo Inovador e da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), a onda de mudanças chega ao mundo da securitização por meio da Medida Provisória (MP) 1.103/22, que cria o marco legal da securitização. Entre outros pontos, a MP amplifica exponencialmente as hipóteses de securitização de títulos lastreados em direitos creditórios.

O marco também cumpre a função de unificar as normas sobre securitização, até então dispostas, principalmente, na Lei 9.514/97 – que regula Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRI) e foi editada posteriormente pela Lei 10.931/04 – e na Lei 11.076/04 – que regula Certificados de Recebíveis do Agronegócio (CRA). Essas e outras normas esparsas deixavam lacunas sobre o tema. A Instrução CVM 480/09, por exemplo, não apresenta um tratamento específico para securitizadoras, tratando-as apenas como outros emissores de valores mobiliários.

A discussão sobre um marco regulatório para as securitizadoras foi aberta pela Audiência Pública SDM 05/20, proposta pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM), e concretizada pela MP, que procurou definir necessidades e obrigações próprias, alinhadas com a realidade das entidades.

A MP é perspicaz e bem-vinda principalmente ao trazer uma definição clara sobre operações de securitização. De acordo com seu artigo 17, “são consideradas operações de securitização a emissão e a colocação de valores mobiliários junto a investidores, cujo pagamento é primariamente condicionado ao recebimento de recursos dos direitos creditórios que o lastreiam”.

Entendemos, portanto, que as securitizadoras poderão utilizar quaisquer direitos creditórios como lastro dos Certificados de Recebíveis (CR), que “são títulos de créditos nominativos, emitidos de forma escritural, de emissão exclusiva das securitizadoras, de livre negociação, e constituem promessa de pagamento em dinheiro, preservada a possibilidade de dação em pagamento, e título executivo extrajudicial”, conforme o art. 19 da MP.

Até então, essa prerrogativa limitava-se apenas aos direitos creditórios decorrentes dos CRIs e CRAs. A atualização, portanto, expande o mercado de securitização para todos os setores.

A norma também levanta discussões sobre a possibilidade de emissões com esforços restritos de outros valores mobiliários que não CRIs e CRAs. Pela Instrução CVM 476/09, apenas esses dois certificados de recebíveis podem ser objeto de oferta pública com esforços restritos de distribuição. Considerando as novas regras sobre CRs editadas pela MP, porém, é possível entender que as securitizadoras podem se valer de debêntures ou notas comerciais para viabilizar essas transações.

Outro desdobramento da norma refere-se ao regime fiduciário e patrimônio separado.

De acordo com o artigo 24 da MP, as securitizadoras poderão instituir o regime fiduciário para fins de pagamento dos CRs ou de outros títulos e valores mobiliários representativos de operações de securitização, o que permitirá a individualização de passivos e ativos de uma operação. Isso dará mais segurança ao negócio e possibilitará a efetivação de operações simultâneas sem dependência de risco entre elas. Esse conceito pode ser aplicado, por exemplo, para a emissão de debêntures lastreada em créditos financeiros, prevista pela Resolução 2.686 do Conselho Monetário Nacional.

A norma estabelece, ainda, de forma expressa, a possibilidade de agregar novos direitos creditórios como lastro de operações de securitização, na forma prevista no instrumento de emissão (artigos 21, X, e 26, §2º). A medida pode ser aproveitada por diferentes setores da economia, principalmente no que diz respeito à mitigação do risco de insuficiência de ativos.

Além disso, a MP dispõe sobre a emissão de Letras de Riscos de Seguros (LRS) e a flexibilização da exigência de prestação exclusiva, por instituição financeira, do serviço de escrituração e de custódia de valores mobiliários.

As LRS são títulos vinculados a uma carteira de apólices de seguros e resseguros. Com a MP, a emissão de LRS passará a ser feita por meio de Sociedades Seguradoras de Propósito Específico (SSPE), cuja finalidade exclusiva é realizar operações de aceitação de riscos de seguros, de previdência complementar, de saúde suplementar, de resseguro ou retrocessão. A flexibilização do requisito de prestação exclusiva, por sua vez, visa incentivar o desenvolvimento de novas tecnologias e inovações no mercado de capitais brasileiros, ao permitir à CVM modular a exigência e, eventualmente, retirá-la em determinados mercados.

As mudanças do Marco Regulatório da Securitização chegam em um momento propício para o surgimento de novos tipos de operações e produtos. Seguiremos atentos a novos desdobramentos.