O mercado de produtos audiovisuais, antigamente dominado por gravadoras e produtoras e, mais recentemente, também por serviços de streaming, tem chamado a atenção de investidores institucionais, em geral voltados a outros setores e segmentos. A previsibilidade do fluxo de receitas com royalties tem atraído gestores de ativos alternativos e até tradicionais firmas de private equity, como KKR, Pimco e Blackstone. Em parceria com consultoras especializadas, os players buscam uma série de ativos de propriedade intelectual, incluindo catálogos musicais, livros, filmes e até jogos de videogame para incluir em seus portfólios.[1]

No caso dos catálogos musicais, artistas detentores de direitos autorais veem diversos benefícios e oportunidades nessas operações. Por exemplo, alguns buscam recompor receitas em razão do cancelamento de shows durante os anos de pandemia, enquanto outros pretendem estruturar a transmissão de seu patrimônio já consolidado e evitar disputas entre herdeiros.

A tendência de aquecimento no mercado de direitos autorais não é diferente no Brasil. A indústria fonográfica brasileira, que já teve faturamento anual superior a US$ 1 bilhão na década de 1990, vem se recuperando e permanece como a maior produção fonográfica da América Latina.[2]

Segundo relatório da Federação Internacional da Indústria Fonográfica (IFPI, em inglês), a renda com músicas produzidas no Brasil aumentou 24,5% só em 2020 – com um total de US$ 306,4 milhões gerados. Houve crescimento expressivo da reprodução de músicas em plataformas de streaming na região.[3]

No Brasil, os direitos autorais sobre obras musicais são protegidos pela Lei 9.610/98, que garante ao autor direitos morais e patrimoniais sobre suas criações. Os direitos morais são personalíssimos, irrenunciáveis e intransferíveis, enquanto os patrimoniais podem ser licenciados ou alienados a terceiros, de forma não muito diferente de outras formas de propriedade. A proteção legal é conferida automaticamente, desde o momento da criação da obra protegida, e independe de registro em órgão público.

Para a exploração dos direitos e recebimento de royalties e outras receitas, além da possibilidade de licenciamento ou da cessão de direitos autorais diretamente pelo autor ou pelo novo titular dos direitos (por exemplo, uma gravadora que comprou os direitos patrimoniais do artista), é prática de mercado vincular o artista ou titular dos direitos a uma associação de gestão coletiva e o cadastro de seu repertório nessa associação.

As associações de gestão coletiva atuam como mandatárias de um grupo de artistas e estão concentradas no Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (Ecad). O Ecad é o principal ator da gestão coletiva dos direitos autorais, responsável pela gestão do pagamento de royalties. Os usuários (como plataformas de streaming, emissoras de rádio e TV, produtoras de marketing, entre outros) relatam a execução de músicas em seus canais de comunicação e fazem os respectivos pagamentos ao Ecad de forma mensal, em caso de utilização contínua, ou eventual, como ocorre na realização de shows e eventos. O Ecad, por sua vez, distribui os valores entre autores, intérpretes, gravadoras e demais partes que tenham direitos patrimoniais sobre a obra.

No caso das plataformas de streaming (atualmente os maiores players do mercado de reprodução musical),[4] o Ecad firma contratos específicos.[5] As plataformas enviam relatórios das músicas reproduzidas à entidade, que, processa as informações, informa os valores a serem pagos e os repassa aos titulares dos direitos patrimoniais, sejam artistas ou terceiros aos quais tais direitos foram cedidos. As plataformas de streaming não só tornaram a cadeia de recebíveis mais segura como também contribuem para reduzir a pirataria e proporcionam informações e dados sobre a potencial rentabilidade desses ativos.

Investidores que estejam avaliando direitos autorais no Brasil devem fazer uma auditoria prévia para analisar a segurança da titularidade de direitos (visto que essa questão não deriva de um registro, como no caso de bens imóveis, patentes ou marcas), a regularidade do catálogo de músicas e do artista nas associações de gestão coletiva e eventuais litígios envolvendo o artista ou seu catálogo musical – especialmente aqueles relacionados com plágio ou pirataria.

É preciso considerar ainda aspectos relacionados com o próprio artista detentor dos direitos autorais, como o envolvimento em atos ilícitos e/ou que possam comprometer sua imagem e reputação, uma vez que tais ações podem afetar a distribuição de sua obra e a arrecadação dos royalties. É recomendável que o artista dê garantias sobre sua conduta passada e se responsabilize por cumprir as legislações aplicáveis e indenizar os investidores por perdas a que der causa. De certa forma, isso não deve ser novidade nem difere de cláusulas contratuais e outros dispositivos adotados por investidores institucionais em outros setores de atuação.

A estruturação do investimento é flexível e pode ocorrer por meio de fundos de investimento em direitos creditórios ou mesmo com a criação de sociedades de propósito específico com foco na gestão dos direitos autorais ou com financiamentos lastreados em tais direitos. Uma vez no portfólio, os próprios direitos patrimoniais podem ser dados em garantia de forma integral, ou mesmo parcial, por exemplo, mediante a cessão de seu fluxo de recebíveis.

Apesar da relevância do mercado fonográfico brasileiro e da onda crescente do streaming no país, que torna o ativo musical mais atrativo, esse investimento ainda é pouco explorado no país e, acreditamos, pode atrair grande parte dos investidores que buscam investimentos alternativos.


 

Outras referências:

https://www.privateequityinternational.com/why-music-rights-strike-a-positive-note/

https://www3.ecad.org.br/associacoes/Paginas/default.aspx

[1] Asset manager Pimco joins song copyright investment frenzy. Disponível em: https://www.ft.com/content/01f54a76-24eb-4f5f-935b-c5f68389360f Acesso em fevereiro de 2022; KKR, Blackstone strike billion-dollar deals for music rights.  Disponível em: https://www.privatedebtinvestor.com/kkr-blackstone-strike-billion-dollar-deals-for-music-rights/ Acesso em fevereiro de 2022.

[2]  Global Music Market Overview. International Federation of the Phonographic Industry (IFPI). Disponível em: https://gmr2021.ifpi.org/report. Acesso em fevereiro de 2022.

[3]  Indústria fonográfica mundial cresce 7,4% em 2020; Publicado em 23 de março de 2021. Disponível em: http://www.ubc.org.br/publicacoes/noticia/17762/industria-fonografica-mundial-cresce-74-em-2020 Acesso em fevereiro de 2022.

[4] Os serviços de streaming correspondem a 62,1% da parcela de rendimentos globais relacionados com reproduções musicais.

[5] Ecad, O que o Brasil ouve. https://www3.ecad.org.br/em-pauta/Documents/O%20que%20o%20Brasil%20Ouve%20-%20Streaming.pdf.