A possibilidade de calcular multas por infrações à Lei nº 12.529/11 (Lei de Defesa da Concorrência) com base na vantagem auferida pelo infrator foi bastante discutida pelo Tribunal do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) entre 2015 e 2019, mas nunca prevaleceu entre a maioria dos conselheiros. Em dezembro de 2020, a discussão foi reaberta pelos atuais conselheiros, especialmente em debates relacionados a cartéis em licitações, e essa possibilidade tem ganhado força no Tribunal do Cade.

O artigo 37, inciso I, da Lei de Defesa da Concorrência determina que o Cade poderá impor às empresas infratoras multa de 0,1% a 20% do valor do seu faturamento bruto (no último exercício anterior à instauração do processo administrativo), no ramo de atividade empresarial em que ocorreu a infração. Segundo o mesmo dispositivo, a multa nunca será inferior à vantagem auferida, quando for possível estimá-la.

Até recentemente, as multas do Cade eram sempre calculadas com base na definição da alíquota da multa e na sua aplicação sobre o faturamento bruto da empresa investigada. Contudo, essa metodologia tradicional foi substituída pelo cálculo da vantagem auferida em três casos recentes.

No julgamento do caso conhecido como “Cartel das Sanguessugas”, ocorrido no fim de 2020, a conselheira relatora Paula Farani decidiu calcular a vantagem auferida, diante da ausência de dados sobre os faturamentos das empresas investigadas no processo administrativo. Nesse cálculo, a conselheira adotou a premissa de que o cartel teria gerado um sobrepreço de 20% nos contratos vencidos durante a prática da infração e utilizou os valores recebidos na licitação para calcular as multas a serem impostas às empresas, o que seria semelhante à vantagem auferida pelas empresas. Seu voto foi acompanhado pela maioria do tribunal, vencidos os conselheiros Bandeira Maia, Luiz Hoffmann e o então presidente do Cade, Alexandre Barreto.

Em fevereiro de 2021, a discussão voltou à tona em caso envolvendo licitações privadas da Telemar e da Telefônica. A conselheira relatora Paula Farani calculou a multa da empresa investigada Redex Telecomunicações Ltda. pela metodologia tradicional, com base nos dados de faturamento disponíveis nos autos, e arquivou o processo administrativo em relação à empresa Araguaia Indústria Comércio e Serviços Ltda.

Em voto-vista, o conselheiro Sergio Ravagnani divergiu do entendimento da conselheira Paula sobre a Araguaia, entendendo pela condenação da empresa. Para a dosimetria da pena, o conselheiro deixou de estimar a vantagem auferida para a Redex por não ter elementos suficientes nos autos. Porém, ao tratar da Araguaia, o conselheiro estimou a vantagem auferida com base em notas fiscais emitidas pela empresa que demonstrariam o quanto ela teria recebido a título de repasses por apresentação de ofertas de cobertura nas licitações. Após esse exercício, Ravagnani votou pela condenação da Araguaia com base na vantagem auferida, após constatar que a multa máxima possível seria inferior à vantagem auferida. Seu voto foi corroborado pela maioria dos membros do tribunal, à exceção dos conselheiros Bandeira Maia, Luiz Hoffmann e do então presidente do Cade, Alexandre Barreto. A conselheira relatora aditou seu voto para acompanhar o posicionamento majoritário.

Em junho, a imposição de multa com base no cálculo da vantagem auferida prevaleceu novamente no julgamento do cartel em licitações públicas de materiais escolares, sob relatoria da conselheira Paula Farani. Nesse caso, ao contrário do ocorrido no Cartel das Sanguessugas, também sob sua relatoria, os dados de faturamento das empresas estavam disponíveis. A conselheira relatora calculou os valores das multas máximas para cada empresa pela imposição da alíquota de 20% sobre os respectivos faturamentos. Também calculou a vantagem auferida com base na premissa de sobrepreço de 20% adotada ao tratar do Cartel das Sanguessugas. Após concluir esse exercício, a conselheira votou pelo cálculo da multa com base na vantagem auferida apenas para a empresa Capricórnio S.A., após constar que, no caso, a multa máxima possível seria inferior à vantagem auferida. Seu voto foi corroborado pela maioria dos membros do tribunal, vencidos mais uma vez os conselheiros Maurício Bandeira Maia, Luiz Hoffmann e o então presidente, Alexandre Barreto.

Nesses precedentes, adotou-se o entendimento de que o valor correspondente a 20% do faturamento bruto da empresa no ramo de atividade empresarial em que ocorreu a infração, no último exercício anterior à instauração do processo administrativo, não corresponde a um teto legal de multa. Entendeu-se também que a utilização da vantagem auferida confere maior racionalidade e proporcionalidade à multa em relação à gravidade do ilícito, já que ela não se limita a valores auferidos em apenas um ano, mas sim durante toda a duração do ilícito.

As perspectivas de consolidação dessa nova forma de cálculo de multa no curto prazo ainda são incertas, pois dependerão do posicionamento do novo presidente do Tribunal do Cade, Alexandre Cordeiro, e do conselheiro que vier a substituir Bandeira Maia, cujo mandato já se encerrou.