Desde a declaração do estado de calamidade pública, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) tem indicado que não haverá qualquer flexibilização na aplicação da Lei de Defesa da Concorrência (Lei nº 12.529/11) por causa da pandemia de covid-19. O Projeto de Lei nº 1.179/20, que estabelece alterações emergenciais e transitórias para regular relações jurídicas de direito privado em virtude da pandemia do Covid-19 e, em sua versão final, contemplou alterações sugeridas pelo próprio Cade nos artigos pertinentes, não deverá promover qualquer alteração significativa na atuação do órgão nem esvaziar sua competência.
O projeto de lei (PL) dispõe claramente que as alterações propostas no que toca à Lei de Defesa da Concorrência aplicam-se expressamente a atos praticados e com vigência de 20 de março a 30 de outubro deste ano ou enquanto durar o estado de calamidade pública, reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020.
Caso o PL seja sancionado pelo presidente da República, será suspensa a eficácia dos incisos XV e XVII do § 3º do art. 36 da Lei de Defesa da Concorrência, o que significa que o Cade não poderá impor penalidades a empresas pela venda de mercadoria ou prestação de serviços injustificadamente abaixo do preço de custo (preço predatório), nem pela cessação parcial ou total de atividades sem justa causa comprovada durante o período delimitado pelo projeto de lei. Além de improváveis na prática, condutas dessa natureza não foram objeto de punição pelo Cade até a presente data. O PL também dispõe que o Cade deve considerar as circunstâncias extraordinárias decorrentes da pandemia na análise de outras possíveis condutas anticompetitivas previstas na Lei de Defesa da Concorrência.
No que diz respeito a atos de concentração, o PL determina a suspensão da eficácia do inciso IV do art. 90 da Lei de Defesa da Concorrência, que impõe a necessidade de notificação de operações que configurem contrato associativo, consórcio ou joint venture, desde que as partes satisfaçam o critério legal de faturamento. Porém, o referido dispositivo não afasta a possibilidade de análise posterior, pelo Cade, de atos de concentração ou de apuração de infração à ordem econômica dos acordos que não forem necessários ao combate ou à mitigação das consequências da pandemia.
O Cade inclusive já expressou o entendimento de que mecanismos de cooperação empresarial relacionados à pandemia, independentemente do seu arranjo contratual, devem ser levados ao conhecimento do órgão.
Nesse contexto, as empresas devem continuar atentas aos riscos concorrenciais das suas práticas comerciais, pois as alterações emergenciais e transitórias promovidas pelo PL quanto à aplicação da Lei de Defesa da Concorrência não representam qualquer tipo de imunidade antitruste em virtude da pandemia de covid-19.