Emblemática, nesse sentido, é a responsabilidade pessoal que aqueles agentes passam a ter por suas decisões ou opiniões técnicas em caso de dolo ou erro grosseiro. Esse novo preceito legal, por si só, traz uma grande inovação: os agentes públicos deixam de responder pessoalmente apenas nas hipóteses de dano civil ou ao erário, de enriquecimento ilícito, de concessão indevida de benefícios financeiros ou tributários, de violação aos princípios da administração pública e de crimes contra a administração pública – já capturadas pela legislação civil, de improbidade administrativa, de processo disciplinar ou penal, conforme o caso – para se sujeitarem também a sanções quando emitirem atos ou pareceres fraudulentos, por exemplo, que não necessariamente se enquadrariam naquelas primeiras hipóteses.
Se, de um lado, a providência poderia tornar o agente público, sobretudo na esfera administrativa, ainda mais relutante em tomar certas decisões de impacto (formular uma nova política pública ou assinar um contrato com objeto inovador, por exemplo), por outro a nova lei cuidou para que o escrutínio de sua decisão também estivesse vinculado, na esfera controladora, a considerações acerca dos obstáculos e das dificuldades reais do gestor, bem como das exigências das políticas públicas a seu cargo: na prática, os agentes poderão se eximir de responsabilidade, quando limitações das mais diversas naturezas, inclusive orçamentárias, não permitirem conduta diversa.
Paralelamente, a Lei da Segurança Jurídica reconheceu e atribuiu remédios a costumes disfuncionais no exercício das atribuições controladoras, que há muito tempo contaminam o ambiente de negócios público-privados e, com isso, afugentam investidores temerosos da imprevisibilidade inerente às práticas atuais de interpretação e de invalidação dos contratos. A esse respeito, a nova lei proibiu decisão com fundamento em valores jurídicos abstratos que desconsidere as consequências práticas dela decorrentes, bem como a anulação de atos jurídicos sem que se especifiquem as consequências jurídicas da decisão. São imposições quanto à motivação das decisões que devem, no juízo de necessidade e adequação, passar a avaliar as alternativas, preferindo as menos gravosas e tanto quanto possível aquelas passíveis de permitir a regularização do ato impugnado, aproveitando seus efeitos.
No mesmo diapasão, a decisão administrativa, controladora ou judicial que estabeleça interpretação ou orientação nova sobre norma de conteúdo indeterminado, impondo novo dever ou novo condicionamento de direito, deverá prever regime de transição: o objetivo é evitar a surpresa dos administrados com algumas decisões, em que pese amparados por normas específicas, de criação administrativa ou jurisprudencial, quando participaram do ato impugnado. Pela mesma razão, fica vedada a declaração de invalidade de situações plenamente constituídas, quando orientação geral vigente ao tempo da celebração do ato impugnado venha a ser posteriormente revista: as funções controladora e judicial não poderão, destarte, agir anacronicamente, ou seja, interpretar com base em orientações atuais atos ou contratos celebrados à época em que vigiam outros entendimentos sobre o mesmo objeto.
O instituto da transação conquistou novas latitudes na Lei da Segurança Jurídica: as autoridades administrativas, inclusive órgãos licenciadores, passam a estar autorizados a celebrar compromisso para eliminar irregularidade, incerteza jurídica ou situação contenciosa na aplicação do direito público. A providência é salutar, porque não condiciona o compromisso, ao menos pela letra da lei, à disponibilidade ou ao caráter patrimonial dos direitos potencialmente impactados. A mesma autorização se estende à compensação: a norma é, aqui, ampla o suficiente para permitir formas alternativas de cumprimento de sanções ou pagamento de dívidas por parte dos administrados. Trata-se, em certo sentido, de uma autorização geral para acordos substitutivos, inclusive de leniência, no âmbito das esferas administrativa, controladora e judicial.
A nova lei termina impondo um dever geral às autoridades públicas de atuar para aumentar a segurança jurídica na aplicação das normas, inclusive por meio de regulamentos, súmulas administrativas e respostas a consultas. Uma vez publicados, esses instrumentos passam a vincular, até ulterior revisão, os órgãos ou entidades que os houverem editado.
Fazer balanço de qualquer lei recém-nascida é tarefa extremamente desafiadora, tanto mais quando se trata de uma lei que se dispôs a disciplinar atividades de sobredireito, isto é, normas que vinculam a elaboração de outras normas. A maior dificuldade, nesse estádio inicial, é identificar parâmetros objetivos nos quais os destinatários precípuos das normas – os agentes públicos – estariam incorrendo em descumprimento dos novos preceitos normativos. Mais do que isso, cogitar a sanção aplicável a um representante dos órgãos de controle ou da magistratura que deixe de atuar em conformidade com os novos standards de elaboração jurídica chega a ser impossível.
Essas limitações não anulam o avanço que a Lei de Segurança Jurídica muito provavelmente vai representar no médio ou longo prazo. O que se pode esperar é uma mudança de cultura jurídica: um novo dado normativo nunca passa despercebido das gerações de juristas, que acabam disseminando um novo modo de fazer direito, exigindo mais responsabilidade nas escolhas do tomador de decisões públicas.