A palavra arra tem origem no latim arrha, cujo significado, assim como no egípcio aerb, hebraico arravon, grego arrabôn e persa rabab, é o de garantia. Instituto milenar nas relações humanas, as arras asseguravam, inicialmente, a promessa de casamento, com a entrega, pelo noivo, ao responsável pela noiva ou diretamente à noiva, de uma coisa ou valor. Se o casamento não se realizasse, o quádruplo do valor ou da coisa deveria ser restituído. Posteriormente, esse limite foi reduzido para o dobro e replicado para as demais relações obrigacionais contratuais, a fim de criar uma obrigação de cumprimento no futuro.

Durante muito tempo, as arras foram utilizadas tanto para atestar a perfeição do contrato quanto para garantir que os “casamentos arranjados” fossem realizados. Todavia, com o desuso dos contratos de casamentos tratados, o instituto das arras passou a ser aplicado exclusivamente no âmbito dos direitos obrigacionais, mas sempre carregando consigo a ideia de garantia de que o negócio pretendido se aperfeiçoaria.

No Brasil, as arras (ou sinal) foram originalmente normatizadas pelo Código Civil de 1916, na parte geral dos contratos e com destaque para a sua característica preparatória da execução dos contratos. Já no Código Civil de 2002, as arras passaram a ser tratadas no direito das obrigações, mais especificamente na seção sobre inadimplemento, contendo uma nova característica: a de determinar o valor de indenização nos casos de configurado inadimplemento contratual do quanto acordado pelas partes.

Atualmente, é possível concluir que as arras têm a função de: (i) confirmar o negócio jurídico pretendido pelas partes; (ii) prefixar perdas e danos em caso de o negócio jurídico não se concluir; e (iii) iniciar o pagamento do negócio jurídico, seja em espécie ou a título de garantia (no caso de ser entregue um bem diverso do acordado para o pagamento, como um anel, esse bem deve ser devolvido após o integral pagamento).

Grande parte da doutrina classifica as arras em confirmatórias e penitenciais. As arras confirmatórias tornam o contrato obrigatório, sem a possibilidade de exercício do direito de arrependimento. Já as arras penitenciais permitem o arrependimento e servem como indenização à parte prejudicada.

Em regra, as arras são confirmatórias e, quando o intuito das partes for caracterizá-las como penitenciais, isso deve estar expresso no contrato. O principal efeito das arras confirmatórias é demonstrar que as partes estão vinculadas e afastar o direito de arrependimento. Caso o contrato não seja cumprido, estará o infrator sujeito às penalidades por inadimplemento.

As arras penitenciais também têm uma função secundária: a de servir como indenização à parte prejudicada pelo exercício do direito de arrependimento. Nesse caso, elas servem como limite de indenização expresso no contrato. No caso de arrependimento de quem deu as arras, elas são perdidas em favor do outro contratante. Por outro lado, na hipótese de quem as recebeu se arrepender, será preciso devolvê-las em dobro corrigidas monetariamente.

Em 1964, as arras penitenciais foram sumuladas pelo STF (Súmula 412), que as estabeleceu como sendo o limite de indenização em contratos com cláusula de arrependimento. No entanto, em recente julgado (Recurso Especial Nº 1.669.002 – RJ 2016/0302323-0, publicado em 02/10/2017, de relatoria da ministra Nancy Andrighi), o STJ apresentou uma interpretação inovadora, admitindo a possibilidade de retenção integral das arras penitenciais, mesmo sem que tenha havido o exercício do direito de arrependimento.

Tratava-se de ação de rescisão de instrumento particular de promessa de cessão de direitos aquisitivos sobre imóvel, com pedido de indenização por perdas e danos e reintegração de posse, ajuizada pelos vendedores. Os vendedores demonstraram que os compradores, já na posse do imóvel, não estavam cumprindo as obrigações contratuais. O TJ/RJ decidiu pela rescisão do contrato, determinou a reintegração de posse em favor dos vendedores e autorizou a retenção integral das arras.

As arras haviam sido determinadas no contrato como penitenciais. Logo, caso fosse exercido o direito de arrependimento, serviriam como penalidade à parte que desistisse do negócio. Os compradores defendiam ser incabível e abusiva a retenção integral das arras, pois não houve arrependimento, mas simplesmente mora no cumprimento das obrigações contratuais. Segundo eles, de acordo com o art. 418 do Código Civil, o valor integral das arras apenas poderia ser retido integralmente na hipótese de exercício do direito de arrependimento pelos compradores.

O STJ entendeu que, apesar de a resolução do contrato não decorrer do exercício do direito de arrependimento, uma vez negociadas as arras penitenciais pelas partes, o efeito indenizatório deve ser aplicado de forma imediata também às hipóteses de inadimplemento contratual. Nesse sentido, manteve a decisão recorrida, afirmando, inclusive, não ser requisito para aplicá-la a existência de previsão contratual expressa nesse sentido. Ademais, o STJ considerou razoável a retenção em montante superior a 50% do valor do negócio, já que os compradores estavam fruindo e utilizando o imóvel há mais de oito anos, sem qualquer contraprestação aos vendedores. A redução das arras definidas pelas partes no contrato, nesse caso, caracterizaria enriquecimento ilícito dos compradores.

Em tempos nos quais a configuração do enriquecimento ilícito em situações análogas vem sendo reiteradamente rejeitada pelos tribunais superiores, esse importante precedente do STJ merece destaque. O posicionamento favorável à força obrigatória dos contratos e à manutenção do equilíbrio contratual, que privilegia o princípio do retorno ao status quo ante é bastante positivo e avança no sentido de garantir maior segurança jurídica às partes contratantes.