As mudanças climáticas têm se tornado uma preocupação central nos últimos anos e seus efeitos são percebidos em todos os setores. O aumento da frequência e a intensidade dos eventos climáticos extremos levantam questões sobre a previsibilidade desses fenômenos e suas implicações comerciais e jurídicas. Esse é um problema que impacta especialmente a estruturação de negócios no setor imobiliário, bem como a viabilidade e execução de projetos de construção.
Os impactos já se fazem sentir de forma concreta particularmente nos contratos de construção. Para minimizar os riscos e prejuízos decorrentes desses fenômenos extremos, cada vez mais, fatores como implicações jurídicas, cenário jurisprudencial recente e estratégias de mitigação são considerados nas decisões de negócio.
Importância do planejamento urbano sustentável
O ano de 2024 foi marcado por grandes desastres naturais, como furacões de alta intensidade no Caribe e nos Estados Unidos, chuvas torrenciais no Afeganistão e no Paquistão, incêndios na Grécia, supertufões na Ásia, tempestades na Europa Central e Oriental, enchentes na Espanha, ciclones na França, incêndios na Austrália e a maior seca já registrada no Brasil, que atingiu 80% do seu território, contrastando com a maior enchente no estado do Rio Grande do Sul.
Em fevereiro deste ano, a Organização Meteorológica Mundial (OMM) confirmou que 2024 foi o ano mais quente já registrado. Além disso, os últimos dez anos foram os mais quentes desde o início das medições históricas. Essa série extraordinária de temperaturas recordes impõe ao mercado da construção o desafio de desenvolver empreendimentos tecnologicamente mais bem estruturados e adaptados à crescente evolução dos efeitos climáticos.
Desastres naturais, como a elevação do nível do mar, queimadas, chuvas e ventos extremos são exemplos de situações que afetam a estrutura urbana e provocam desvalorização imobiliária e comercial da área atingida. A exposição cada vez maior a esses eventos exige que o empreendedor trace estratégias de adaptação e mitigação de riscos para proteger o seu negócio.
O planejamento urbano sustentável é demanda urgente e implica esforços como:
- elaborar projetos que reduzam a vulnerabilidade das construções aos efeitos climáticos;
- desenvolver ações estruturais, urbanísticas e ambientais diferenciadas – como fundações elevadas e reforçadas;
- reservar uma área maior de permeabilidade, com estruturas e tecnologias de drenagem e escoamento de água eficientes para minimizar os efeitos das enchentes; e
- criar zonas de amortecimento e ampliar áreas verdes.
Adotar práticas e tecnologias sustentáveis nos empreendimentos imobiliários, como uso de materiais resistentes, energia renovável, reaproveitamento de água e tecnologia para reduzir emissão de gases, é cada vez mais importante. Para isso, torna-se essencial contar com políticas de incentivos fiscais a empreendimentos sustentáveis.
Dispositivos legais para lidar com eventos imprevisíveis
No Brasil, sob a ótica das relações contratuais, as cláusulas de caso fortuito e força maior são dispositivos legais que visam lidar com eventos imprevisíveis e inevitáveis, capazes de afetar o cumprimento das obrigações acordadas espontaneamente em contrato entre as partes.
Historicamente, esses conceitos têm sido utilizados para justificar o não cumprimento de obrigações contratuais diante de eventos considerados imprevistos e incontroláveis. Ou seja, se um evento climático afeta a capacidade de uma das partes cumprir suas obrigações contratuais, a cláusula de força maior pode ser invocada. Com isso, é possível suspender temporariamente o cumprimento dessas obrigações ou mesmo, em alguns casos, eximir a parte da responsabilidade.
No entanto, diante da recorrência de eventos climáticos extremos, o que se questiona, atualmente, é a amplitude e a extensão dessas cláusulas. Até que ponto elas podem permitir que uma obrigação não seja cumprida ou reduzir o valor da indenização pecuniária, sob o argumento de que a ocorrência de eventos climáticos sobre os quais não se tem ingerência impede que a obrigação seja cumprida da forma acordada.
Diante da frequência desses eventos e dos efeitos que eles provocam, cabe aplicar de forma absoluta os conceitos caso fortuito e força maior, especialmente no contexto do mercado imobiliário e da construção civil?
A jurisprudência vem adotando posicionamento mais conservador sobre a exclusão de responsabilidade baseada em caso fortuito ou força maior. O entendimento é que essa exclusão somente será aplicada nos casos em que, comprovadamente, não houver como prever os impactos de eventos climáticos sobre uma atividade específica.
Decisões recentes dos tribunais demonstram uma análise mais rigorosa na aplicação de cláusulas de força maior em contratos afetados por eventos climáticos, ao concluir que fenômenos como chuvas intensas e ondas de calor, embora impactantes, já eram previsíveis diante do atual cenário climático.
Se um evento, ainda que extremo, era previsível com base em dados climáticos disponíveis, pode-se argumentar que a contraparte deveria ter tomado precauções para mitigar os riscos, limitando assim a aplicação da força maior.
Não há dúvida que todos os stakeholders envolvidos em uma obra, sejam eles empreendedores, construtores, investidores ou consumidores, devem considerar as condições climáticas da localidade do empreendimento e procurar negociar acordos e contratos que reflitam impactos decorrentes de possíveis eventos climáticos, inclusive prevendo ações mitigadoras para esses eventuais impactos em seu planejamento financeiro e executivo.
Além do uso de recursos tecnológicos e técnicos que tornem a construção menos vulnerável, as partes devem considerar a inclusão de cláusulas específicas que abordem, de forma clara, eventuais impactos à construção causados por eventos climáticos. Entre os itens a serem abordados estão:
- definição clara do que seriam os eventos efetivamente considerados imprevisíveis;
- elaboração de planos de mitigação e contingência; e
- indicação de situações específicas.
A inclusão de tópicos como esses deixaria mais evidentes as hipóteses de flexibilização de obrigações e prazos, devido aos efeitos de eventos climáticos. Além de dar aos contratos parâmetros mais alinhados à nova realidade climática.