As discussões sobre o tema da regulação do processo de aquisição de imóveis rurais por estrangeiros deverão ganhar força após a apresentação do Projeto de Lei n° 2.963/19, datado do fim de maio deste ano, ao Senado Federal. O texto do projeto aborda diversos problemas que o mercado enfrenta com a atual legislação, que exige um procedimento extremamente burocrático, desuniforme e sem recursos operacionais para sua implantação. Tudo isso torna o processo de aquisição demorado e afeta a segurança jurídica de projetos de investimento.

Até recentemente, o tema estava sendo tratado no âmbito do Projeto de Lei nº 2.289/07, que, com seus cinco outros projetos de lei apensos, aguardava apreciação pelo plenário da Câmara dos Deputados desde setembro de 2015. Embora as discussões agora devam começar do zero, um texto mais atualizado pode facilitar o processo de aprovação nas casas do Poder Legislativo.

A principal alteração proposta pelo PL 2.963/19 é o tratamento conferido a empresas brasileiras detidas por estrangeiros. Atualmente, a empresa brasileira controlada direta ou indiretamente por pessoas físicas ou jurídicas estrangeiras está sujeita ao procedimento de autorização para aquisição de terras previsto em lei, pois é equiparada, para essa finalidade, a empresas estrangeiras.

Segundo o texto proposto, as empresas brasileiras constituídas de acordo com as leis do Brasil não estarão mais sujeitas a quaisquer restrições, exceto em determinados casos específicos e pontuais. Em outras palavras, a regra proposta é a permissão geral com exceções, no lugar da atual regra de restrições gerais com autorizações específicas.

Entre as situações que permanecerão sujeitas a restrições, inclusive dependendo de aprovação do Conselho de Defesa Nacional e independentemente de a empresa ser brasileira, estão: empresas detidas e controladas por fundos soberanos; empresas controladas por estrangeiros quando o imóvel se situar no Bioma Amazônia e estiver sujeito a reserva legal igual ou superior a 80%; e organizações não governamentais e fundações particulares cujo financiamento decorra de uma mesma pessoa estrangeira.

Com a provável intenção de abordar as dificuldades enfrentadas na exploração de serviços públicos, o projeto de lei propõe que tais restrições não sejam aplicáveis no caso de aquisição ou posse destinadas à execução ou exploração de concessão, permissão ou autorização de serviço público. O texto menciona expressamente as atividades de geração, transmissão e distribuição de energia elétrica como exemplos.

Outro aspecto tratado pelo texto da lei é o problema enfrentado por credores estrangeiros na excussão de alienação fiduciária sobre imóveis rurais, quando, no segundo leilão, o imóvel não é vendido e permanece automaticamente em sua propriedade. A solução da lei é determinar que, nesses casos, a propriedade do imóvel permaneça na titularidade do credor em caráter resolúvel por dois anos, renováveis por mais dois. Nesse período, o credor será obrigado a alienar o imóvel a terceiros, sob pena da reversão do bem ao proprietário original (isto é, o garantidor).

O projeto de lei determina, ainda, que a inobservância das restrições, quando aplicáveis, tornará o ato anulável – e não nulo, como prevê atualmente a legislação. Embora pareça uma mera tecnicidade jurídica, essa alteração significa que os atos irregulares poderão vir a ser convalidados se posteriormente regularizados, em linha inclusive com entendimento já proferido pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) sobre o tema.

O PL 2.963/19 também prevê que todas as aquisições e os arrendamentos de imóveis rurais por estrangeiros feitos em desacordo com a legislação atual serão convalidados, o que regularizaria situações consideradas nulas segundo as regras vigentes.

Outras regras gerais foram mantidas no texto, como o limite de ocupação municipal máximo, mantido em um quarto da área do município, com a restrição de ocupação limitada a 40% do mencionado limite por nacionalidade (ou seja, 10% da área municipal).

Trata-se ainda de um projeto de lei, que dependerá do devido procedimento legal de aprovação, inclusive quanto às análises das comissões temáticas de cada casa legislativa. Sua conversão em lei, se confirmada, significará relevante impacto às aquisições de imóveis rurais no Brasil, especialmente com o esclarecimento de situações complexas enfrentadas diariamente em projetos que envolvem essas aquisições.