Juliano Zorzi e Guilherme Z. de Almeida   O novo Código de Processo Civil entrou em vigência e uma de suas diversas novidades é a regulamentação do procedimento extrajudicial (ou administrati...

O novo Código de Processo Civil entrou em vigência e uma de suas diversas novidades é a regulamentação do procedimento extrajudicial (ou administrativo) do usucapião imobiliário, afastando a necessidade da intervenção de um juiz de Direito para esse fim. A intenção é clara: tornar mais célere, simples e econômica a resolução de controvérsias que podem ser resolvidas por outros profissionais, por vezes até mais especializados no tema do que os próprios juízes.

O conceito do usucapião extrajudicial está de acordo com a orientação de desjudicialização presente em diversos dispositivos do novo Código de Processo Civil, mediante a criação de alternativas para resolução de conflitos antes exclusivos da esfera judicial. Merecem destaque a mediação e a conciliação no ambiente dos cartórios, seguindo o movimento da redução da cultura do litígio, que já vinha ganhando força na legislação esparsa. Isso inclui procedimentos extrajudiciais para execução de garantias reais, retificação de área, divórcio, inventário, partilha e arbitragem, entre outros.

Com a redação dada pelo novo CPC, o artigo 216-A da Lei de Registros Públicos (Lei nº 6.015/1973) admite o pedido de reconhecimento extrajudicial de usucapião, a ser processado diretamente perante o Cartório de Registro de Imóveis competente, mediante requerimento instruído com os seguintes documentos: (i) ata notarial, lavrada por um tabelião de notas, que deverá conter minimamente os elementos que permitam identificar o tempo da posse pelo requerente e, se possível, a existência de confrontantes, características do bem e delimitações da área ocupada, podendo conter fotos e depoimentos testemunhais; (ii) planta e memorial descritivo assinado por profissional legalmente habilitado, por todos os titulares de direitos reais registrados ou averbados na matrícula do imóvel e pelos confrontantes da área; (iii) certidões negativas dos distribuidores forenses e (iv) outros documentos que demonstrem a origem, a continuidade, a natureza e o tempo da posse, tais como contratos assinados e comprovantes de pagamento de impostos e de taxas que incidem sobre o imóvel. Em tese, as alterações são coerentes e podem surtir efeito.

Infelizmente, a efetividade do procedimento é questionável. Caso o requerente não obtenha a assinatura de todos os titulares de direitos reais e dos vizinhos confrontantes, o Oficial do Registro de Imóveis providenciará a notificação desses para que, no prazo de 15 (quinze) dias, manifestem seu consentimento expresso. Como exceção à regra geral, o silêncio de qualquer um deles será interpretado como discordância e o oficial encaminhará o processo a um juiz de Direito para que siga o rito judicial.

Não raras vezes, é impossível localizar o proprietário tabular do imóvel ou, sendo possível, não há qualquer interesse desse em prestar consentimento. Outras vezes, a área usucapienda não possui matrícula aberta ou os registros foram perdidos ao longo do tempo. Com isso, a obrigatoriedade de obtenção do consentimento expresso de todos os titulares de direitos reais sobre o imóvel certamente inviabilizará, na maioria dos casos, o prosseguimento do procedimento pela via extrajudicial. A presunção da discordância vai na contramão dos valores de celeridade e de eficiência, os quais nortearam a produção do novo Código. A melhor alternativa teria sido exigir que qualquer discordância fosse feita de forma expressa e fundamentada, sob pena de configurar abuso de direito.

Atenta à questão, a Corregedoria Nacional de Justiça abriu, recentemente, consulta pública para elaboração de Projeto de Provimento que trata da regulamentação do procedimento extrajudicial do usucapião. A minuta do provimento ainda está em discussão, mas sua última versão já propõe algumas disposições que visam aproximar o procedimento à realidade social. Um exemplo é a possibilidade de usucapião de imóveis não matriculados e a dispensa da obtenção da assinatura do proprietário tabular nos casos em que for apresentado título ou instrumento que demonstre a relação entre o requerente e o proprietário tabular, com prova de quitação do preço. Não obstante, a flexibilização dos requisitos trazida pelo Projeto de Provimento, tal como atualmente redigido, tem alcance restrito, limitando-se aos casos em que há título aquisitivo que não pôde ser concretizado pela ausência de alguma formalidade legal ou aos imóveis não tabulados.

A despeito da flexibilização proposta pelo CNJ, o procedimento extrajudicial de usucapião somente alcançará a eficácia desejada caso o Novo Código de Processo Civil venha a ser alterado para estabelecer a presunção de anuência na falta de manifestação temporal e motivada pelo proprietário tabular e/ou pelos confrontantes do imóvel. Sem isso, tal procedimento não alcançará os efeitos e os objetivos sociais norteadores da sua criação.