Por sua relevância econômica e estratégica para a segurança nacional, a atividade portuária sempre foi exercida de forma privativa pela União por meio de relações jurídico-contratuais – às vezes marcadas por conflitos – com concessionárias, permissionárias e autorizatárias de serviços públicos.
Durante anos, as disputas no setor foram dirimidas exclusivamente pela via judicial, o que implicava demora na solução dessas controvérsias, dificultando a renovação dos contratos e a continuidade dos investimentos em infraestrutura. Para solucionar esses problemas, foi promulgada em 2013 a Lei nº 12.815 (Lei dos Portos), que dispõe sobre a exploração direta e indireta de portos e instalações portuárias pela União.
Entre as novidades trazidas pela Lei dos Portos, o §1º do art. 62 permitiu que os litígios relativos aos débitos (elencados no caput do mesmo artigo) das concessionárias, arrendatárias, autorizatárias e operadoras portuárias sejam dirimidos por meio de arbitragem, nos termos da Lei nº 9.307/1996 (Lei de Arbitragem).
A regulamentação específica da aplicação desse instituto ao setor portuário veio com o Decreto nº 8.465/2015, que, embora seja alvo de críticas, representa um estímulo significativo à adoção da arbitragem pela Administração Pública no setor portuário, uma vez que disciplina importantes temas, como arbitrabilidade objetiva, publicidade, escolha de árbitros e instituições, entre outros.
O Decreto nº 8.465/2015 prevê a possibilidade de discutir, em sede arbitral, questões relativas à inadimplência de obrigações contratuais por qualquer das partes, bem como às tarifas portuárias e outras obrigações financeiras das concessionárias, arrendatárias, autorizatárias e operadoras portuárias perante a administração do porto e a Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq) (art. 2º).
Está previsto ainda que disputas relacionadas à recomposição do equilíbrio econômico-financeiro dos contratos sejam solucionadas pela via arbitral, mas o Decreto nº 8.465/2015 restringe o acesso à arbitragem nesses casos, ao estabelecer que a matéria só pode ser objeto de compromisso arbitral (ou seja, que não pode ser abarcada por cláusula compromissória – art. 2º, II).
O Decreto nº 8.465/2015 passou a permitir também que conflitos já judicializados sejam “migrados” para a sede arbitral, por meio da celebração de compromisso arbitral (art. 9º, §4º). Além disso, é possível prorrogar contratos enquanto há processo arbitral pendente, desde que cumpridos os requisitos legais e regulamentares e desde que: (i) o contratado tenha pago integralmente os valores incontroversos devidos; (ii) o contratado tenha pago ou depositado a quantia correspondente ao valor controvertido; e (iii) o contratado se obrigue a pagar todo o valor a que eventualmente venha a ser condenado, em prazo não superior a cinco anos (art. 13).
Embora o Decreto nº 8.465/2015 disponha que a Lei de Arbitragem deva ser aplicada às disputas provenientes do setor portuário, algumas regras incluídas pelo legislador representam modificações importantes com relação à Lei de Arbitragem e, assim, criam um procedimento para as arbitragens portuárias diferente daquele já previsto no ordenamento pátrio.
Entre as novidades, o texto (i) estabelece que casos envolvendo mais de R$ 20 milhões serão dirimidos por, no mínimo, três árbitros (art. 3º,V); (ii) confere prazo mínimo de 45 dias para apresentação de defesa a ambas as partes (art. 3º,VI); (iii) em evidente violação à isonomia, impõe ao particular o ônus de adiantar todas as despesas do procedimento, ainda que instaurado pelo Poder Público (art. 3º,VII), cabendo ressarcimento apenas se a Administração Pública for derrotada (art. 12); e (iv) afasta os honorários de sucumbência (art. 3º,IX).
As arbitragens poderão ser institucionais ou ad hoc (art. 4º). Contudo, a preferência é pela gestão do procedimento por uma câmara arbitral, sendo que a opção pela arbitragem ad hoc será excepcional e deverá ser justificada. A arbitragem institucional necessariamente será administrada por câmara brasileira (art. 4º, §2º).
Após mais de dois anos da promulgação do Decreto nº 8.465/2015, ainda não é possível determinar se as alterações trazidas contribuíram para uma maior eficiência na resolução de conflitos relativos ao setor portuário, em especial porque ainda não há precedentes sobre o tema.
Desde a entrada em vigor do decreto, apenas uma arbitragem foi instaurada com base nele. O caso envolve a Libra Terminal S/A, operadora de terminais do Porto de Santos, que celebrou, em setembro de 2015, Termo de Compromisso com a União, por intermédio da Secretaria de Portos da Presidência da República (SEP), e a Companhia Docas do Estado de São Paulo (CODESP), com interveniência da Antaq.
A assinatura do termo, que representou a desistência das partes de nove ações judiciais (algumas das quais já tramitavam há 15 anos) foi muito bem recebida, por representar um avanço na arbitragem envolvendo a Administração Pública.
No entanto, passados mais de dois anos, a CODESP sequer constituiu representante na causa, que envolve mais de R$ 1 bilhão e tramita perante o Centro de Arbitragem e Mediação da Câmara de Comércio Brasil-Canadá (CAM-CCBC).
Assim, a arbitragem no setor portuário ainda é um quadro em branco. Isso indica que a burocracia excessiva criada pelo Decreto nº 8.465/2015 torna os procedimentos morosos e pode coibir as partes de recorrerem à arbitragem para dirimir conflitos portuários.